Thuany de Moura Costa Vargas Lopes

A proposta de lei n° 3452<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> referente à segurança global foi apresentada na Assembleia Nacional francesa no dia 20 de outubro, provocando diversas críticas e protestos devido ao teor de seus dispositivos. O texto normativo em destaque tem como finalidade melhorar o setor de segurança da França, estabelecendo meios e recursos para as operações policiais, tendo em vista o aumento da insegurança e violência no território, conforme a exposição de motivos da lei.
Ocorre que um artigo em especial ganhou destaque no país, uma vez que possibilita a censura de imagens passiveis de identificação de policiais em operações. O artigo 24 estabelece a punição de 1 ano de prisão e 45.000 euros de multa para quem divulgar o rosto ou identificação de um policial, com a finalidade de ferir a “integridade física e psíquica” do agente, não importando o meio e forma de divulgação.
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Com a proibição da divulgação de policiais, mediante a subjetividade da redação apresentada, setores da sociedade civil e a própria população foram às ruas para protestar<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Teme-se que em caso de aprovação da lei o excesso praticado por autoridades policiais fique impune. Esse fato ocorre logo após uma série de acusações realizadas na capital contra a retirada de refugiados de um acampamento em Saint-Denis, que resultou em lançamento de bomba de gás e uso de força policial<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Em caso de permanência desses trechos na lei, a população não terá como provar os abusos cometidos por policiais, por estar impedida de divulgar o material gravado via celular, câmera e afins. Incluindo, assim, os profissionais da imprensa que tem como missão levar informação para sociedade mediante registro de fatos e posterior publicação.
Nesse contexto de alterações legislativas, cuja liberdade e o princípio da publicidade são colocados em risco, vale ressaltar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> promulgada na França, considerada o marco dos direitos humanos no mundo.  Desde 1789 a Declaração estabeleceu em seus artigos o direito à liberdade e resistência à opressão (artigo 2°).
Há mais de 200 anos ficou designado no artigo 11 que “a livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos dessa liberdade nos termos previstos na lei”. E nesse caminho a França também sedimentou a sua Constituição ao longo do tempo, vide o lema da República expresso no artigo 2°: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Seria um grande retrocesso permitir a inclusão do artigo 24 na lei de segurança global com a atual redação. Permitir que a imputação de pena seja arbitrada discricionariamente pela administração, com base em um texto subjetivo, provocará um sentimento de vulnerabilidade e insegurança jurídica na população. O simples ato de denunciar quem pratica irregularidades com compartilhamento de provas visuais, pode se tornar um motivo de responsabilização reversa, onde a vítima ou denunciante passam a ser acusados.
Considerando a influência do sistema jurídico francês em alguns lugares do mundo, essa proposta traz um importante alerta para outros países, principalmente para a América Latina, onde é constante o uso de força policial em lugares de vulnerabilidade socioeconômica. O Brasil não fica fora desse cenário. Em um país marcado pela omissão do Estado, os recursos tecnológicos privados de cada cidadão viraram aliados dos brasileiros para a prevenção e solução de crimes.
As câmeras de vigilância em casa, trabalho, veículos e smartphones disponíveis na mão de cada cidadão fez com que arbitrariedades fossem descobertas e gravadas como provas, incluindo as policiais. Essas capturas de imagens com posterior divulgação tem sido fundamentais para solucionar as mais variadas situações.
<blockquote class="jota-article__eye">Impedir a divulgação de imagens de policiais na França é uma ameaça não só aos franceses, mas também aos brasileiros, podendo ser considerado um precedente.</blockquote>
 Ocasião em que se internalizado no Brasil, os habitantes da periferia seriam os mais afetados.
Em uma análise mais ampla, percebe-se que na verdade o dispositivo de lei em referência não atenta apenas ao direito de liberdade, mas sim à democracia. A democracia tem como base a liberdade do cidadão em se expressar, ser informado e denunciar práticas que vão contra a lei. Sem esse pilar abre-se brecha para práticas autoritárias.
Diante da atual ascensão de governos autoritários, o artigo 24 da lei de segurança global deve ser rechaçado, em homenagem à liberdade e democracia.
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O episódio 46 do podcast Sem Precedentes discute se o contrato de trabalho intermitente é ou não constitucional. Ouça:
https://youtu.be/o8E3sXtx7j0
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>Texto da Lei disponível em: <a href="http://www.assemblee-nationale.fr/dyn/15/dossiers/securite_globale1?etape=15-AN1">http://www.assemblee-nationale.fr/dyn/15/dossiers/securite_globale1?etape=15-AN1</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>Cobertura do protesto disponível em: <a href="https://www.lemonde.fr/societe/article/2020/11/28/plus-de-cent-mille-manifestants-partout-en-france-contre-la-proposition-de-loi-securite-globale_6061513_3224.html">https://www.lemonde.fr/societe/article/2020/11/28/plus-de-cent-mille-manifestants-partout-en-france-contre-la-proposition-de-loi-securite-globale_6061513_3224.html</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>Matéria sobre a evacuação do acampamento disponível em: <a href="https://www.lemonde.fr/societe/article/2020/11/17/evacuation-d-un-important-campement-de-migrants-au-pied-du-stade-de-france-a-saint-denis_6060013_3224.html">https://www.lemonde.fr/societe/article/2020/11/17/evacuation-d-un-important-campement-de-migrants-au-pied-du-stade-de-france-a-saint-denis_6060013_3224.html</a>.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: <a href="https://www.senat.fr/lng/pt/declaration_droits_homme.html">https://www.senat.fr/lng/pt/declaration_droits_homme.html</a>

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JOTA

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