Teresa Gutierrez

Luís Gustavo Henrique Augusto

Em nosso <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/lei-da-telessaude-impactos-na-area-medica-08022023">primeiro artigo</a> apresentamos uma breve análise da recém aprovada Lei da Telessaúde (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14510.htm">Lei 14.150/2022</a>) e as especificidades para a área médica.
Indicamos que a regulamentação do Conselho Federal de Medicina (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cfm">CFM</a>) deve ser lida sob os princípios norteadores trazidos pela lei, dentre eles a autonomia do profissional; o consentimento do paciente; o direito de recusa do paciente; a validade nacional dos atos dos profissionais de saúde; e, o mais relevante, a determinação de que qualquer limitação à prática da telessaúde no Brasil deve demonstrar a essencialidade da medida para evitar danos aos pacientes.
Obviamente que esses princípios também são aplicáveis a todos os demais Conselhos Profissionais e demais órgãos da Administração Pública, como o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ministerio-da-saude">Ministério da Saúde</a>. A todos esses órgãos reguladores foi imposto o princípio da prevenção, que orienta à implementação de estratégias para evitar consequências danosas conhecidas pela sociedade. <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Assim, as regulações infralegais deverão indicar os danos conhecidos e propor medidas para mitigar os possíveis riscos assistenciais nos atendimentos por telessaúde.
Especificamente no que se refere aos Conselhos Profissionais, há indicação expressa que reitera sua competência para reger a ética profissional – o que já está previsto em quase todas as leis que criaram essas autarquias federais. Nesse ponto, novamente o legislador trouxe mais um critério a esses conselhos: os padrões éticos-normativos devem ser semelhantes aos adotados nos atendimentos presenciais.
Ora, previsão nesse sentido, ratifica a clara intenção do Poder Legislativo de orientar a regulamentação infralegal de atos pelos Conselhos Profissionais.
Concluímos que ao tratar da telessaúde, os Conselhos Profissionais deverão:
<ol>
<li>Promover a análise de impacto regulatório, nos termos determinados na Lei de Liberdade Econômica<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e seu Regulamento<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>;</li>
<li>Editar normativa ética sobre o atendimento por telessaúde tendo em conta os padrões adotados para os atendimentos presenciais;</li>
<li>Identificar os danos conhecidos nos atendimentos por telessaúde, propor mitigadoras a esses riscos antes de impor restrições à prática da telessaúde.</li>
</ol>
A seguir, passamos a analisar a regulamentação do Conselho Profissional de Enfermagem, Nutrição, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e, finalmente, o de Psicologia, bem como de sua adequação às determinações legais.
<ul>
<li>Conselho Federal de Enfermagem (COFEN)</li>
</ul>
O COFEN sempre vedou o profissional de enfermagem a cumprir prescrições feitas à distância<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, ressalvados os casos de urgência e emergência. Na pandemia, foi autorizada a teleconsulta de enfermagem<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, previsão que foi reiterada na Resolução nº 696/2022, que normatiza a Telenfermagem atualmente.
Na regulamentação do COFEN, entendemos que alguns aspectos merecem revisão da Autarquia Profissional para adequá-los aos requisitos legais vigentes pela ausência de demonstração de dano ao paciente: a vedação ao atendimento de urgência e emergência por telessaúde<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> e a vedação ao cumprimento de prescrições feitas à distância<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
<ul>
<li>Conselho Federal de Nutricionistas (CFN)</li>
</ul>
A assistência nutricional remota é vedada por disposição constante do Código de Ética e Conduta dos Nutricionistas<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>. Entretanto, em razão da pandemia, o CFN, por meio da Resolução n° 684/2021, suspendeu essa proibição, até a declaração do encerramento da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/oms">OMS</a>).
Importa destacar que a Resolução n° 666/2020, que disciplina a teleconsulta por nutricionistas, apesar de permitir a prática, estabelece que o profissional deve considerar a realização de consulta presencial logo que constatar a possibilidade de sua realização<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Apesar de ainda não haver sido decretado o fim da pandemia pela OMS, por meio de Parecer<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a> datado de 17 de setembro de 2022, o CFN concluiu pela necessidade da continuidade da prática da teleconsulta por nutricionistas, independentemente do cenário pandêmico.
Contudo, ainda que não houvesse manifestação do Conselho nesse sentido, a publicação da Lei da Telessaúde alterou o cenário até então vigente, dado garantir aos profissionais de saúde autonomia para definir sobre a realização de teleconsulta. Assim, a vedação disposta no Código de Ética e Conduta dos Nutricionistas, a Resolução n° 684/2021, e a Resolução n° 666/2020 deverão ser alteradas, a fim de alinhá-las ao que dispõe a Lei da Telessaúde.
<ul>
<li>Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO)</li>
</ul>
De acordo com os Códigos de Ética da Fisioterapia e da Terapia Ocupacional, a realização de consulta ou a prescrição de tratamento de forma não presencial é vedada, salvo quando admitida, excepcionalmente, pelo próprio Conselho.
Por meio da Resolução n° 516/2020, o COFFITO suspendeu a aplicabilidade dos dispositivos dos Códigos de Ética que inviabilizavam a atuação de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais por meio de tecnologias de informação e comunicação.
Ao analisar as considerações que justificam a publicação da norma citada, constata-se que o Conselho adotou tal medida em decorrência da pandemia. Contudo, ao longo do texto da Resolução não há qualquer definição de prazo de vigência, mas, apenas, a determinação de que a norma pode ser alterada a qualquer momento<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>. Além disso, em consulta ao portal eletrônico oficial do COFFITO, verifica-se que a norma permanece vigente, mesmo após a declaração, pelo Ministério da Saúde<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>, do encerramento da pandemia no Brasil.
Diante do exposto, conclui-se que a publicação da Lei da Telessaúde impacta a disciplina da atuação dos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, pois implica na necessidade de revisão dos Códigos de Ética da Fisioterapia e da Terapia Ocupacional, especificamente dos dispositivos que impedem a consulta e a prescrição remota de tratamento.
<ul>
<li>Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa)</li>
</ul>
O CFFa regulamenta os atendimentos à distância por tecnologia desde 2001<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>. Inicialmente, foram impostas uma série de limitações à atuação desse profissional. Com a Resolução CFFa nº 366/2009 os atendimentos por fonoaudiólogos por telessaúde foram autorizados de forma mais ampla, o que foi mantido com a revisão da regulamentação em 2013<a href="#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a>.
Na pandemia, o conselho reviu sua regulamentação<a href="#_ftn15" name="_ftnref15">[15]</a>, mantendo a autorização para atendimentos à distância. Algumas previsões que podem ser revistas, à luz da Lei da Telessaúde: (a) a obrigatoriedade de declaração de endereço físico para atendimento do paciente, por ser limitador sem comprovação de dano ao paciente; e (b) a necessidade de o fonoaudiólogo enviar declaração ao seu Conselho Regional informando que tem formação ou experiência na telefonoaudiologia, por ferir a autonomia profissional garantida por lei.
<ul>
<li>Conselho de Psicologia (CFP)</li>
</ul>
Por muitos anos, o CFP reconhecia que o “atendimento mediado pelo computador” era uma prática não reconhecida pela Psicologia e autorizava apenas o atendimento por telessaúde para projetos de pesquisa<a href="#_ftn16" name="_ftnref16">[16]</a>.
Em 2012, o CFP passou a indicar quais atividades poderiam ser feitas pelo meio de comunicação à distância<a href="#_ftn17" name="_ftnref17">[17]</a>, ampliado significativamente desde 2018 pela Resolução CFP 11/2018. Durante a pandemia, o CFP flexibilizou os atendimentos que podem ser realizados.<a href="#_ftn18" name="_ftnref18">[18]</a>
Ainda que o CFP tenha sido praticamente o primeiro a tratar de atendimentos à distância, entendemos que algumas limitações podem ser reavaliadas com a edição da Lei da Telessaúde, como a limitação de atendimentos em situação de urgência emergência e de pessoas em situação de violência, por ferir a autonomia profissional.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “A prevenção é voltada a evitar, reduzir ou eliminar os riscos certos e conhecidos existentes nas diversas atividades humanas. A prevenção parte, portanto, da noção de um risco identificado que deve-se evitar; envolve, assim, o controle e a fiscalização sobre os procedimentos, produtos e serviços de interesse à saúde que são desenvolvidos, produzidos ou prestados na sociedade e que, embora apresentem riscos, são riscos conhecidos sobre os quais existem ações possíveis para evita-los ou reduzi-los.”
AITH, Fernando Mussa Abujamra. Teoria Geral do Direito Sanitário Brasileiro. 2006. 348 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, 2006.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Lei nº 13.874/2019
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Decreto nº 10.411/2020
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> §2º do artigo 46 da Resolução COFEN nº 564/2017, que aprova o Código de Ética de Enfermagem.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Resolução COFEN nº 624/2020.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Item 1 do Capítulo II da Resolução COFEN nº 696/2022.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> §2º do artigo 46 da Resolução COFEN nº 564/2017, que aprova o Código de Ética de Enfermagem.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Resolução CFN nº 599/2018
Art. 36. É dever do nutricionista realizar em consulta presencial a avaliação e o diagnóstico nutricional de indivíduos sob sua responsabilidade profissional.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Resolução CFN nº 666/2020
Art. 6º O profissional deverá considerar a importância de, tão logo seja possível a consulta presencial, valer-se dessa premissa, respeitando as medidas preventivas determinadas pelas autoridades competentes.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Disponível em: https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2022/10/Parecer-final-GT-Teleconsulta-Nutricao.pdf
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a>Resolução COFFITO nº 516/2020
Artigo 8º A presente Resolução poderá ser alterada a qualquer momento, podendo ser editados novos atos normativos para regulação da matéria aqui prevista.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Portaria GM/MS Nº 913/2022.
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Resolução CFFa nº 267/2001.
<a href="#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> Resolução CFFa nº 427/2013.
<a href="#_ftnref15" name="_ftn15">[15]</a> Resolução CFFa nº 580/2020.
<a href="#_ftnref16" name="_ftn16">[16]</a> Resolução CFP nº 3/2000 e Resolução CFP nº 12/2005.
<a href="#_ftnref17" name="_ftn17">[17]</a> Resolução CFP nº 11/2012.
<a href="#_ftnref18" name="_ftn18">[18]</a> Resolução CFP nº 04/2020.

lei da telessaúde

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JOTA

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Lei da Telessaúde: impactos e repercussões jurídicas – parte 2

Regulações infralegais deverão propor medidas para mitigar os possíveis riscos assistenciais nos atendimentos por telessaúde