Sergio Villanova Vasconcelos

Jorge Garcia

Para atrair investimentos a seus territórios, os estados e o Distrito Federal estipulam diversos benefícios fiscais aos contribuintes a fim de desonerar a carga tributária de ICMS, porém, esses incentivos devem seguir os ditames do art. 155, § 2.º, XII, “g”, da Constituição Federal e da Lei Complementar 24/1975.
Esses dispositivos determinam que a concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS deve ser convalidada pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), por meio de convênio, com a aprovação unânime de todos os estados e do Distrito Federal.
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No entanto, como sabemos, os Estados concederam, reiteradamente, benefícios fiscais de ICMS sem a convalidação necessária do CONFAZ, causando a famigerada “guerra fiscal”.
Na tentativa de combater essas atitudes unilaterais, alguns entes da Federação criaram regras estabelecendo que não se considera como “cobrado”, ainda que destacado em nota fiscal, o ICMS que corresponder a uma vantagem econômica decorrente de um benefício fiscal concedido sem autorização do CONFAZ. Para o que interessa ao caso ora em análise, São Paulo é um dos estados que possuem essa regra, conforme o § 3.º do art. 36 da <a href="https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1989/alteracao-lei-6374-01.03.1989.html">Lei 6.374/1989</a>.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Com o escopo de encerrar a guerra fiscal e restabelecer a segurança jurídica, foi publicada a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp160.htm">Lei Complementar 160/2017</a>, que trouxe regras aos estados e ao Distrito Federal para a remissão dos créditos tributários de ICMS oriundos de benefícios fiscais concedidos unilateralmente.
Em outras palavras, os benefícios fiscais concedidos de forma irregular pelos estados e pelo Distrito Federal sem a autorização do CONFAZ poderiam ser regularizados, desde que aprovados por maioria qualificada de dois terços das unidades federadas, compreendido um terço das unidades de cada região do país.
Entretanto, a referida lei complementar, cujo escopo era encerrar com a insegurança jurídica, apenas a fortaleceu em relação a determinados pontos. Vejamos o disposto em seu art. 5.º:
<blockquote class="jota-article__citation">Art. 5.º  A remissão ou a não constituição de créditos concedidas por lei da unidade federada de origem da mercadoria, do bem ou do serviço afastam as sanções previstas no art. 8.º da Lei Complementar n.º 24, de 7 de janeiro de 1975, retroativamente à data original de concessão da isenção, do incentivo ou do benefício fiscal ou financeiro-fiscal, vedadas a restituição e a compensação de tributo e a apropriação de crédito extemporâneo por sujeito passivo (destacamos).</blockquote>
Como se pode perceber, o contribuinte que se apropriou de créditos a menor antes da edição da Lei Complementar 160/2017, em obediência à legislação estadual (§ 3.º do art. 36 da Lei 6.374/1989, em São Paulo), não poderá se apropriar de forma extemporânea da integralidade do crédito.
Por outro lado, aquele que se apropriou integralmente do crédito de ICMS antes da edição da Lei Complementar 160/2017, no tocante às mesmas operações, não sofrerá qualquer sanção a respeito desse creditamento.
Nesse contexto, ao atribuir essa vantagem ao contribuinte que se creditou integralmente do ICMS, entendemos que a legislação criou uma restrição que afrontou diretamente o Princípio da Igualdade Tributária.
Senão, vejamos.
Com relação às aquisições interestaduais, podemos encontrar dois tipos de contribuintes: (i) o que não seguiu o disposto na legislação fiscal do estado e utilizou o crédito integral de ICMS proveniente de benefício fiscal irregular, inclusive correndo o risco de sofrer a glosa daquele crédito; ou (ii) o contribuinte que usou somente os créditos de ICMS no montante do imposto recolhido à origem, obedecendo ao que determinou a redação da legislação estadual.
Na linha do exposto pelo art. 5.º da Lei Complementar 160/2017, apenas é reconhecida a regularidade do creditamento integral de ICMS realizado pelo contribuinte na época da aquisição que gerou o respectivo crédito, mas não existe a permissão para os contribuintes, que seguiram a legislação vigente nessa época, creditarem-se extemporaneamente dessa diferença.
Nesse sentido, ao atribuir essa vantagem somente ao contribuinte que não seguiu a legislação estadual (por entender que ela é inconstitucional) e optou por se creditar integralmente e não permitir que o contribuinte que não se creditou integralmente apure-o de maneira extemporânea, a legislação afrontou diretamente o Princípio da Igualdade Tributária, pois gerou uma situação desigual em prejuízo daqueles que, de boa-fé, escolheram seguir o que determinava a legislação estadual, ainda que sua constitucionalidade fosse suspeita.
No entanto, essa medida não pode gerar uma desigualdade injustificável entre os contribuintes, principalmente em desfavor do contribuinte prudente e diligente que sempre procurou respeitar as normas tributárias vigentes, ainda que de constitucionalidade duvidosa. O efeito dessa decisão legislativa torna-se devastadora e gera uma concorrência desleal em detrimento dos contribuintes fiéis à legislação.
Segundo o professor Humberto Ávila,<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> pode-se definir a igualdade “como sendo relação entre dois ou mais sujeitos, com base em medida(s) ou critério(s) de comparação, aferido(s) por meio de elemento(s) indicativo(s), que serve(m) de instrumento para a realização de uma determinada finalidade”.
Note-se que a medida de comparação é válida somente quando ela é pertinente à finalidade que justifica sua utilização.
Ora, qual a finalidade constitucional que o legislador buscou atingir ao promover a discriminação em comento? Ao analisar a Lei Complementar 160/2017, não encontramos nada que possa justificar, do ponto de vista constitucional, essa diferenciação promovida entre contribuintes que se encontram em uma mesma situação. Na verdade, a finalidade da Lei Complementar 160/2017 foi propiciar segurança jurídica aos contribuintes diante da “guerra fiscal”, logo, não há justificativa para o tratamento desigual entre os sujeitos que promoveram a aquisição interestadual de mercadorias de fornecedores beneficiados com incentivos fiscais concedidos unilateralmente.
Ao permitir o creditamento integral do ICMS somente para os contribuintes que tomaram esse crédito na época da aquisição interestadual, compreendemos que a legislação complementar criou uma diferenciação desarrazoada, prejudicando os sujeitos que, para buscar alguma segurança jurídica diante da “guerra fiscal”, seguiram o disposto na legislação fiscal (como a paulista) e não se creditaram integralmente. Clara, portanto, a patente inconstitucionalidade do art. 5.º da Lei Complementar 160/2017, por afronta aos arts. 5.º, I, e 150, II, todos da Constituição Federal.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “Art. 36. O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação é não-cumulativo, compensando-se o imposto que seja devido em cada operação ou prestação com o anteriormente cobrado por este, outro Estado ou pelo Distrito Federal, relativamente a mercadoria entrada ou a prestação de serviço recebida, acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco.
[...]
<ul>
<li>
3.º Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no Artigo 155, § 2.º, inciso XII, alínea ‘g’, da Constituição Federal.”
</li>
</ul>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 45.

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JOTA

Texto que buscava encerrar insegurança jurídica da 'guerra fiscal' apenas a fortaleceu em determinados pontos

Lei Complementar 160/2017 viola princípio da igualdade tributária

Lei Complementar 160/2017, que buscava encerrar insegurança jurídica da 'guerra fiscal', apenas a fortaleceu em determinados pontos