Roberta Danelon Leonhardt

Roberto Scacchetti

Liliam F. Yoshikawa

Carolina de Almeida Castelo Branco

Bruno Vinciprova Pileggi

Isabella Guerrero

A regulamentação de empreendimentos de impacto ambiental em Minas Gerais, como as barragens de rejeitos e resíduos decorrentes de atividade extrativa e industrial, tem sofrido constante evolução ao longo dos anos, especialmente por conta dos eventos envolvendo tais estruturas nos últimos anos.
As barragens de rejeitos eram reguladas em um contexto macro de “proteção, conservação e melhoria do meio ambiente” pela Lei Estadual nº 7.772/1980 e suas posteriores alterações, bem como pela Lei Estadual nº 21.972/2016 e suas atualizações, que dispõe sobre Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA), tendo introduzido os métodos alternativos de obtenção de licenças<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> − Licenciamento Ambiental Concomitante e Licenciamento Ambiental Simplificado − e, ainda, por seus respectivos decretos regulamentadores (Decretos nºs 21.228/81, 46.937/16, 46.953/16 e 46.967/16)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
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Inicialmente, a competência para concessão das licenças era dos órgãos ambientais estaduais, podendo ser delegada aos Municípios, caso estes possuíssem órgão ambiental que atendesse aos requisitos legais em sua estrutura orgânica.
Contudo, a participação da comunidade no entorno do futuro empreendimento era inexpressiva no processo de aprovação das licenças para instalação da atividade naquele local.
Com o passar dos anos, especialmente em 2016 e 2017, como uma resposta aos acidentes envolvendo barragens de rejeitos de minério no Estado, foi publicado o Decreto Estadual nº 46.993/2016, que instituiu e dispôs sobre a realização de Auditoria Técnica Extraordinária de Segurança de Barragem, regulamentando a Lei Estadual nº 21.972/2016, e a Deliberação Normativa nº 217/2017, a qual altera a classificação de risco de atividades segundo o porte e o potencial poluidor e, consequentemente, a modalidade de enquadramento em diferentes modalidades de licenciamento ambiental.
Mais recentemente, novas exigências foram implementadas, sendo que, em 16 de janeiro de 2021, o Governo de Minas Gerais publicou a Lei Estadual nº 23.795/2021, que institui a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB), a ser observada nos empreendimentos que envolvem barragens de rejeitos ou resíduos, sempre que sua presença apresentar risco, mesmo que potencial, de danos às comunidades locais.
Ato contínuo à edição da PEAB, sobrevieram os Decretos Estaduais nºs 48.133/2021 e 48.140/2021, que têm por objetivo regulamentar a Lei Estadual nº 23.291/2019, responsável por instituir a Política Estadual de Segurança de Barragens (PESB), a qual tem por objetivo trazer exigências mais rígidas quanto à regulamentação para a construção, instalação, ampliação ou alteamento de barragens com comunidade identificada na Zona de Autossalvamento (ZAS)<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, estimulando as medidas que visam ao seu descomissionamento e descaracterização.
O primeiro decreto em referência (Decreto Estadual nº 48.133/2021) apenas alterou a redação de artigos do Decreto nº 48.078/2020, que regulamentou os procedimentos para análise e aprovação do Plano de Ação de Emergência (PAE)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
O Decreto Estadual nº 48.140/2021, por sua vez, tem por objetivo regulamentar dispositivos da PESB e estabelecer medidas de aplicação do art. 29 da Lei Estadual nº 21.972/2016<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, sendo especialmente aplicável aos empreendedores que possuem barragens em Minas Gerais, submetidas à classificação de risco, fiscalização e acompanhamento do SISEMA até sua descaracterização.
O Decreto Estadual nº 48.140/2021, assim, tem por objetivo regulamentar mecanismos de: (i) classificação das barragens por categoria de risco e potencial dano ambiental associado; (ii) etapas da descaracterização de barragens alteadas pelo método a montante – aquela em que os maciços de alteamento se apoiam sobre o próprio rejeito ou sedimento previamente lançado e depositado; (iii) prestação de informações relativas ao volume do reservatório, características do material disposto e monitoramento da qualidade da água e do solo; e (iv) obras e intervenções emergenciais para redução ou eliminação de grave risco para vidas humanas e meio ambiente.
Em relação à classificação de risco das barragens, o Decreto determina que essas serão classificadas de acordo com as informações prestadas pelo empreendedor, por (i) categoria de risco e potencial dano ambiental associado (risco de ruptura); (ii) potencial de perdas de vidas humanas e impactos econômicos, sociais e ambientais em caso de ruptura; e (iii) capacidade de armazenamento do reservatório, segundo as normas do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM).
Caso o empreendedor não apresente as informações necessárias para a classificação de risco da barragem ou justificativa técnica considerada válida pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), será atribuída pontuação máxima de risco − podendo a ausência de informações ser sanada posteriormente.
Em linha com a legislação federal que tem sido revista de modo endereçar a problemática das barragens, a legislação estadual de Minas Gerais foi pioneira na instituição de normas mais criteriosas, sendo que o Decreto Estadual nº 48.140/2021 também prevê a realização de auditorias técnicas para avaliar a segurança nas barragens classificadas.
Os responsáveis técnicos pelas auditorias deverão ser credenciados e não poderão possuir vínculo empregatício ou ter prestado serviços de natureza similar aos empreendedores nos três anos que antecederem a auditoria, estendendo-se o requisito às subsidiárias ou coligadas. Nos termos do decreto, os custos relativos à contratação do auditor pela FEAM, às auditorias e à elaboração dos relatórios correrão às expensas do empreendedor.
<blockquote class="jota-article__eye">Em caso de barragens a montante que apresentem risco grave ou iminente a vidas humanas e ao meio ambiente em seu entorno, cabe ao empreendedor adotar as medidas emergenciais necessárias, de forma imediata, independentemente de prévio licenciamento ambiental ou autorização para intervenção.</blockquote>
Ainda em relação ao Decreto Estadual nº 48.140/2021, cumpre evidenciar as inclusões promovidas ao decreto anterior (Decreto Estadual nº 47.383/2018<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>), notadamente quanto aos novos critérios para cálculo das multas aplicadas aos empreendedores de barragens.
Pelas novas regras, as multas serão auferidas de acordo com o potencial de dano ambiental da barragem e a capacidade econômica do infrator, de sorte que 50% dos valores arrecadados a título de multa administrativa serão destinadas aos Municípios que tenham sido atingidos pelo rompimento de barragens.
Ademais, sabe-se que, conforme determinação veiculada pela PESB, todas as barragens de Minas Gerais que tenham sido construídas pelo método a montante possuem uma previsão de descaracterização até fevereiro de 2022<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Para tanto, a Resolução nº 13/2019 da Agência Nacional de Mineração (ANM) estabelece prazos e condições específicos em âmbito nacional, considerando o volume da barragem<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>, devendo ser observadas, também, as disposições do Decreto Estadual nº 48.140/2021.
A legislação de Minas Gerais prevê especificamente etapas e critérios que devem ser concluídos para fins de descaracterização das barragens a montante, que envolvem fatores de segurança da estrutura, protocolos para reduzir os impactos de um eventual rompimento durante as obras de descaracterização e eventuais impactos ambientais causados por referidas obras<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Tais circunstâncias podem trazer consequências ao prazo para descaracterização, especialmente ao se exigir uma manifestação formal da FEAM para que a estrutura possa ser considerada descaracterizada<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Somando-se à PESB, sob a ótica social dos empreendimentos envolvendo barragens em Minas Gerais, cumpre relembrar a recente instituição da PEAB. O conjunto de dispositivos da Lei Estadual nº 23.795/2021 prevê a obrigatoriedade do Estado de prestar assistência aos atingidos por barragens antes, durante e depois da instalação e manutenção dessas estruturas, incluindo o momento de desativação.
Nesse contexto, importante destacar, também a recente Resolução da ANM que dispõe sobre regras referentes ao Plano de Fechamento de Mina (PFM), editada em 30 de abril de 2021, e entrará em vigor em 1º de junho de 2021.
Ainda, a PEAB prevê a criação do Plano de Recuperação Econômico e Social (PRDES), a fim de que toda e qualquer barragem instalada em Minas Gerais seja acompanhada de um plano que preveja ações de elaboração, gestão, execução e financiamento dos recursos para remediar os danos socioeconômicos, culturais ou ambientais causados por barragens, cujo acompanhamento será realizado por um comitê representativo, composto por técnicos da Administração Pública e por membros da comunidade atingida.
Considerando que a referida lei estadual trouxe diversos conceitos abertos e indeterminados, a expectativa é a de que ainda haja a publicação de um terceiro decreto envolvendo a regulamentação de barragens em Minas Gerais relacionado a aspectos socioeconômicos que envolvem a implantação e manutenção de barragens, tais como a possibilidade e a forma de contratação de assessoria técnica independente aos atingidos, a definição de outros beneficiários do PEAB e a delimitação das atribuições do comitê representativo para acompanhamento das ações do PEAB.
Assim, a partir de uma análise conjunta das normas estaduais publicadas desde meados de 2016, e especialmente a partir de 2019, percebe-se que há tendência de maior rigor nas exigências dos órgãos públicos federais e estaduais, assim como nos meios de fiscalização e nas penalidades aplicadas àqueles empreendedores que possuem barragens irregulares que possam colocar em risco não apenas fauna e flora, mas também todos que as operam e que podem ser impactados pela atividade.
O constante acompanhamento da vida útil de uma mina e o planejamento de seu respectivo descomissionamento, o que envolve o plano de fechamento de uma mina e de suas infraestruturas, são essenciais para evitar situações críticas a empreendedores e comunidade da região do entorno das minas.
Parece-nos que o maior rigor e exigência legais podem ser verificados especialmente por meio de dois vieses: (i) a exigência de critérios técnicos rígidos e práticas assertivas de segurança tanto para barragens mais sofisticadas, trazidas pelo PESB, quanto para  barragens com métodos construtivos mais antigos, como a montante; e (ii) a preocupação social e econômica com a comunidade e o meio ambiente do entorno dos empreendimentos, que foi validada pelo PAEB.
Em relação à parte técnica dos empreendimentos, verifica-se a tentativa do legislador estadual em promover e estimular tecnologias mais modernas no que se refere à disposição dos rejeitos e resíduos.
Com isso, há incentivo à descaracterização de barragens oriundas das técnicas úmidas de disposição, especialmente as com metodologia mais antiga, que aumentam o risco de ruptura e de impactos na região ao entorno, buscando-se alternativas mais seguras e ambientalmente mais sustentáveis.
No tocante ao segundo viés apontado, observa-se a tentativa de trazer mais protagonismo e voz às comunidades que possam ser atingidas por uma eventual ruptura de barragem de rejeitos, que se verifica também nos casos de desocupação preventiva da ZAS em caso de elevação de seu nível de emergência.
Nesse mesmo sentido, o PEAB busca assegurar que a população atingida será assistida econômica e socialmente, caso fique desalojada e/ou perca as condições para o exercício de suas atividades econômicas.
Há a preocupação, ademais, com o meio ambiente e com a infraestrutura pública existente no entorno da barragem e que, potencialmente, sofreria impactos em casos de ruptura, buscando-se identificar quais seriam os danos socioambientais e socioeconômicos que seriam causados em caso de ruptura ou emergência da barragem existente ou a ser implementada, assim como a extensão de tais danos.
Como pontuado anteriormente, a motivação da nova regulamentação sobre barragens, publicada a partir de fevereiro de 2019, não parece ser outra senão a tentativa do Estado em dar uma resposta à sociedade em relação aos eventos envolvendo barragens de minérios, ocorridos nos últimos anos em Minas Gerais, especialmente aquelas construídas pelo método a montante.
Mesmo com essas medidas, permanecem lacunas importantes na implementação das determinações trazidas. Ainda há a necessidade de serem fixados prazos e procedimentos específicos para que os regulamentos sejam incorporados pelos empreendedores e, consequentemente, o Poder Público fiscalizar de forma efetiva o cumprimento de suas determinações.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O Licenciamento Ambiental Concomitante refere-se à possibilidade de algumas ou todas as licenças serem expedidas ao mesmo tempo. Por sua vez, o Licenciamento Ambiental Simplificado é aquele realizado eletronicamente, em uma única fase, por meio de cadastro ou da apresentação do Relatório Ambiental Simplificado pelo empreendedor, segundo critérios e pré-condições estabelecidos pelo órgão ambiental competente.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Note-se que mencionamos apenas as normas que tratam de forma ampla sobre o tema das barragens de rejeitos, sendo que há legislação que versa sobre aspectos específicos de proteção ambiental e que não interessam ao escopo e à análise que pretendemos promover no presente trabalho, como a Lei nº 14.309/02, Decreto nº 43.278/03, Lei nº 15.399/04, a Lei 18.031/09, o Decreto nº 45.181/09, o Decreto nº 44.844/08, que foi revogado pelo inciso I do art. 145 do Decreto nº 47.383/18, a Lei nº 18.085/09, Lei nº 20.922/13 e seus respectivos decretos regulamentadores, Decreto nº 48.107/20, dentre outras normatizações ambientais específicas.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Região que está até 10 km ou 30 minutos do ponto de potencial ruptura da barragem.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Constarão no PAE a previsão de instalação de sistema, de alerta sonoro ou outra solução tecnológica de maior eficiência, capaz de alertar e viabilizar o resgate das populações passíveis de serem diretamente atingidas pela mancha de inundação, bem como as medidas específicas para resgatar atingidos, pessoas e animais, mitigar impactos ambientais, assegurar o abastecimento de água potável às comunidades afetadas e resgatar e salvaguardar o patrimônio cultural.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> A Lei Estadual nº 21.972/2016 trata do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA) e dá outras providências. Para fins do presente artigo, o art. 29 dispõe que: “Entre as medidas de controle ambiental determinadas para o licenciamento ambiental de atividade ou empreendimento que possa colocar em grave risco vidas humanas ou o meio ambiente, assim caracterizados pelo órgão ambiental competente, será exigida do empreendedor a elaboração e implementação de Plano de Ação de Emergência, Plano de Contingência e Plano de Comunicação de Risco.”.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Estabelece normas para licenciamento ambiental, tipifica e classifica infrações às normas de proteção ao meio ambiente e aos recursos hídricos e estabelece procedimentos administrativos de fiscalização e aplicação das penalidades.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Conforme prazo estabelecido no Artigo 13, parágrafo 2º, da Lei Estadual nº 23.291/2019.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Art. 8º, III da Resolução ANM nº 13/2019.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Previsão trazida nos arts. 18 a 21 do Decreto Estadual nº 48.140/2021.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Conforme art. 22 do Decreto Estadual nº 48.140/2021.

Os tropeços da justiça brasileira no caso do desastre em Mariana e Rio Doce

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JOTA

Mudanças recentes e análise das tendências futuras de regulamentação

Legislação sobre barragens em Minas Gerais

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