Paulo Samico

Benedito Villela

Daniel Becker

Responsável por reunir todas as atividades não jurídicas em um escritório ou departamento jurídico, a área de Legal Operations (LegalOps) é fundamental para a gestão do crescimento da área legal. O foco de LegalOps, portanto, é na gestão. Gestão de fornecedores e parcerias, gestão da tecnologia e análise de dados, gestão dos recursos financeiros, gestão de processos, gestão do planejamento estratégico e dos objetivos de todo o time jurídico. Repita-se sem medo de errar: para LegalOps, a palavra de ordem é “gestão”.
Sem gestão, não se harmoniza processos e procedimentos para garantir a fluidez de toda as atividades do departamento e escritório. Como exemplo, lembramos da recente alteração do Código de Processo Civil (CPC) para priorizar a citação por meio eletrônico <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, forçando todo o time de contencioso a rever o procedimento de recebimento de citações e intimações. Considerando a importância do ato processual na contagem de prazo, seria impossível este ajuste em grandes empresas ou escritórios se não houvesse a liderança pela área de LegalOps.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
LegalOps só faz sentido enquanto área se for pensada para criar pontes e conexões. O jurídico deve ter como compromisso a busca pela dicotomia “responsabilidade-ousadia” com a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/legalops-marketing-26052021">área de marketing</a>, pela sinergia com a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/legalops-e-procurement-25082021">área de procurement</a>, pela parceria com a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/legalops-supply-network-empresas-29042021">área de supply chain</a> e pela eficiência que a tecnologia pode conferir, como os <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/legal-business/legalops-e-os-smart-contracts-10082021">Smart Contracts</a>. E essas pontes e conexões somente poderão ser consideradas sólidas se, em primeiro lugar, vierem as pessoas.
As pessoas devem estar no centro, pois são por elas que os projetos são executados, os processos são cumpridos e os resultados são demonstrados. São elas que irão procurar o escritório ou o departamento em caso de necessidade. São pelas pessoas que um clima organizacional favorável é construído, bem como que é a elas que a tecnologia deve servir. Para garantir a eficiência trazida pelo LegalOps e reforçar o conceito de parceria entre o jurídico 4.0 e seus clientes – corporativos ou não –, compartilhamos dez recomendações que podem ser úteis:
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<li>Capacitação e treinamento periódico: conhecimento é o único bem que não pode ser tirado de ninguém. Equipes treinadas e com um sólido fundamento teórico, dificilmente concorrem para erros de procedimento ou prejuízos financeiros por falhas técnicas operacionais. E mais. <a href="https://www.theguardian.com/careers/2017/feb/10/how-to-keep-employees-happy">Uma equipe treinada, é uma equipe mais feliz</a>. Em se tratando de uma equipe jurídica e com constantes reformas legislativas e regulatórias, promova treinamentos periódicos semanais. Muito comum em funções públicas <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, a cultura da valorização do colaborador por meio da promoção de cursos, treinamentos e certificações precisa ser difundida. Se do ponto de vista financeiro é inviável conceder gratificações especiais aos empregados mais titulados, recorra à criatividade para estimular a busca pela capacitação: promova encontros para trocas; crie listas de treinamentos necessários; busque parcerias institucionais e acadêmicas para descontos corporativos em troca de divulgação nas redes sociais; incentive a realização de cursos online e inclua evidências de capacitação para atingimento de objetivos do bônus. A máxima de compliance nunca foi mais verdade que nos tempos atuais, com a chegada definitiva das regras de proteção de dados: treinar, treinar, treinar e treinar.</li>
<li>Atualização da política de recursos humanos: uma política de recursos humanos clara e acessível aos colaboradores pode prevenir demandas judiciais ou até mesmo servir de evidência como preocupação de boas práticas pela empresa. Com o dever de ser revisada periodicamente, a política precisa conter tópicos com a estrutura de cargos; metodologias de remuneração e pacote de benefícios por nível hierárquico; programas de reconhecimento para nortear o clima organizacional; critérios objetivos para avaliação de performance e promoção; regras transparentes para recrutamento e seleção de novos colaboradores. E por que não deixar a política de Recursos Humanos mais visual a acessível a todos? Graças às diversas ferramentas de Visual Law e Legal Design, se tornou possível. Técnicas como a gamificação das políticas e avisos ainda trazem um aumento no engajamento e da sensação de pertencimento.</li>
<li>Inteligência de terceirização: após a modificação da legislação trabalhista que possibilitou a terceirização de atividades-fim, inúmeras empresas reviram seus quadros de colaboradores diretos, terceirizando inúmeras tarefas operacionais que, embora relacionadas com sua atividade econômica principal, não teria significativo impacto se realizado por empresa contratada. Deste fato, surge a necessidade de o jurídico observar nas contratações a realização das terceirizações lícitas (com ausência de pessoalidade e subordinação direta), bem como lembrar ao RH a regra da quarentena de 18 meses <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Ainda, deve o jurídico estimular a capacitação dos gestores ou fiscais de contratos para a correta gestão de fornecedores. Não basta um contrato com cláusulas bem redigidas: é necessário aferição periódica dos níveis de serviços, análise de relatórios e um próximo acompanhamento da execução do objeto.</li>
<li>Apoio irrestrito às regras trabalhistas: o departamento jurídico deve ser o principal guardião tanto no cumprimento à legislação pelos seus advogados internos, quanto no apoio à fiscalização no que se refere aos demais colaboradores. Com a mudança da forma de trabalhar imposta pela pandemia, os pontos eletrônicos foram substituídos pelos softwares, aplicativos de controle de jornada. Todavia, nem todo sistema de gestão de ponto é automatizado e começa a contabilizar a jornada após o logon em um computador. Isso significa dizer que, pela pressão da entrega ou esquecimento do dia a dia, se torna possível ligar o computador, abrir o e-mail e trabalhar sem contabilizar as horas devidas. Estas falhas de processo – que podem ser resolvidas com sistemas inteligentes e vontade da organização em possuir um controle sério de gestão de horas extras e banco de horas – precisam ser acompanhadas pelo jurídico, pois podem ser revertidas em ações trabalhistas e, consequentemente, aumento de passivo e impacto no resultado.</li>
<li>Saúde 4.0 e dados pessoais sensíveis: provocada pela pandemia, a medicina passou a dar uma importância ainda maior na utilização de dados para prevenção de doenças, se antecipando a possíveis crises. As empresas estão indo pelo mesmo caminho, já que cuidar da saúde é mais barato do que gerir doenças. Assim, há uma corrida pela compreensão de como os colaboradores utilizam os benefícios de saúde oferecidos, de modo a entender os motivos de tais ocorrências. Cabe ao jurídico orientar sobre a utilização e a gestão destes dados pessoais – que devem ser utilizados de forma anonimizada e mediante autorização do titular. Assim vai se solidificando a saúde 4.0, que se preocupa em ajudas as pessoas por meio do investimento em tecnologia, prevenindo enfermidades e garantindo o bem-estar dos colaboradores ante a possíveis ocorrências de doenças ocupacionais.</li>
<li>Da análise de dados à previsão do futuro: sendo responsável pelos números e a gestão dos dados, ao fazer uma leitura dos motivos que levaram o ajuizamento das ações trabalhistas, a área de LegalOps, com base nas recorrências dos motivos, ajuda o RH na elaboração de um plano para reformular estratégias internas junto às demais áreas de negócios. Esta ação não só previne o ajuizamento de novas demandas, mas também estimula a construção de um novo clima organizacional e alavanca a produtividade. Afinal, quando se trabalha com prazer e felicidade em pertencer, resultados expressivos são consequências naturais.</li>
<li>Gestão e a leitura de perfil: existem pessoas com maior interesse em atividades de monitoramento de indicadores e gestão de projetos, bem como pessoas com perfil mais ligado à gestão de equipes e pessoas. Fazer a gestão de performance de pessoas exige paciência, tato e tempo. As organizações precisam definitivamente fazer a leitura de colaboradores que não possuem o perfil para ser gestor de pessoas. Não basta promover cursos de liderança e gestão. Antes que seja atribuído a um colaborador a função de superior, deve o RH se certificar se ele possui essa vontade e se o futuro líder está capacitado para receber essa missão. Dois bons termômetros para saber se a empresa está escolhendo bons gestores de pessoas são os canais de denúncia (onde os colaboradores pedem ajuda, já com medo de retaliação) e as reclamações trabalhistas (que relatam os episódios de assédio moral que levaram ao rompimento do vínculo).</li>
<li>Análise e adoção de inovações bem sucedidas: se por um lado é fundamental inteligência ao terceirizar (e nunca terceirizar a inteligência), pelo outro, é fundamental estar antenado às boas novidades que podem ajudar a trazer eficiência ao Departamento Jurídico na posição não de Business Partner, mas de Legal Partner. E o avanço das chamadas <a href="https://www.ey.com/en_gl/tax/why-alternative-legal-service-providers-are-on-the-rise">alternative legal service providers</a> (ALSP) mostra que não só no Brasil como no mundo, saber terceirizar, seja pela utilização de secondments, seja pela contratação de lawtechs mostra que novos modelos podem e devem ser utilizados.</li>
<li>Vivência da atividade fim: tirando um escritório de advocacia, e mesmo nela, a advocacia não é um fim em si mesma, e sem uma atividade para se atingir um fim. E qual é esse fim? Qualquer que seja aquele escolhido pela organização. Assim, só é possível a criação de índices e métricas eficientes em Legal Operations quando se entende quais são as métricas que outros departamentos utilizam para avaliar seus serviços: tempo de resposta, custo, desperdício, quantidade de clientes atendidos? Entender os valores da organização é criar valor para o Jurídico como um todo e para LegalOps mais especificamente.</li>
<li>A experiência do usuário como centro das decisões: a existência de um Departamento Jurídico pressupõe, quase de maneira intrínseca, a criação de regras e procedimentos internos, seja para se buscar um melhor resultado, ou para diminuir um risco. Mas quantas vezes a modelagem de qualquer procedimento ignora totalmente o usuário final? Sistemas que são contratados sem a opinião ou sequer conhecimento do usuário final? A Gestão, pilar essencial de LegalOps, tem que passar necessariamente pela Gestão de pessoas, de como elas se sentem e quais são os impactos que uma inovação do Jurídico tem na vida delas. Na era da UX (experiência do usuário, no jargão), o sucesso passa necessariamente pela inclusão e atendimento dos usuários finais em qualquer decisão significativa.</li>
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As dez recomendações acima são apenas alguns exemplos que nos levam a reforçar a importância de ter as pessoas no centro dos processos, das tomadas de decisão e de qualquer adoção de novas tecnologias. São as pessoas que atingem os resultados e que entregam a força de trabalho, seja por meio da atividade puramente operacional ou intelectual. O mundo BANI do pós-pandemia ainda está sendo desenhado e <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, se quisermos uma verdadeira mudança, deve o jurídico lembrar constantemente de sua atuação responsável e do papel em apoiar a construção de uma realidade humana, focada em pessoas e ligada à perenidade do negócio.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A Lei nº 14.195/2021 alterou o CPC, determinando que a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até dois dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no branco de dados do Poder Judiciário. Caso ocorra ausência de confirmação, em até três dias úteis a contar do recebimento da citação eletrônica, opera-se a citação por creio, por oficial de justiça, pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório e por edital. Disponível em &lt;<a href="https://www.migalhas.com.br/quentes/350824/lei-sancionada-altera-o-cpc-e-prioriza-citacao-por-meio-eletronico">https://www.migalhas.com.br/quentes/350824/lei-sancionada-altera-o-cpc-e-prioriza-citacao-por-meio-eletronico</a>&gt;. Acesso em 04/09/2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Tal prática é mais comum em concursos públicos, onde para algumas posições se pontua o candidato melhor certificado por meio da prova de títulos, como pós-graduação, mestrado e até doutorado. Já no exercício da função, há ainda alguns órgãos da administração pública direta e indireta que oferecem gratificações especiais para as pessoas com determinadas certificações, tratando-se de uma interessante estratégia para melhorar o nível intelectual dos quadros de seus funcionários e, consequentemente, excelência em seus resultados.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Artigo 5º-C e Artigo 5º-D da Lei Nº 6.019/1974, que reforça que o colaborador demitido só poderá prestar serviços para a ex-empresa na qualidade de empregado da prestadora de serviços depois do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir de sua demissão.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Cunhado pelo antropólogo americano Jamais Cascio, o conceito de Bani se tornou popular em 2020, após a eclosão da pandemia Covid-19. BANI é a evolução natural do mundo VUCA e é o acrônimo de Frágil, Ansioso, Não Linear e Incompreensível, em tradução livre do inglês (Brittle, Anxious, Nonlinear e Incomprehensible).

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JOTA

Legal Operations só faz sentido enquanto área se for pensada para criar pontes e conexões

LegalOps: o papel do jurídico na gestão de pessoas

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