Thiago Ferreira Almeida

O Direito Internacional do Investimento se qualifica como o ordenamento jurídico internacional a regular os investimentos internacionais e suas relações entre Estados soberanos, organizações internacionais e investidores estrangeiros. Enquadra-se como parte do Direito Internacional Econômico e, por sua vez, no Direito Internacional Público.
A interpretação histórica dessa disciplina jurídica demonstra uma valorização da proteção do investidor estrangeiro, em prejuízo do Estado receptor de capital, em sua maioria, países em desenvolvimento.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>O debate contemporâneo dos investimentos internacionais reconhece a necessidade de incorporar regras mais equilibradas entre investidores e Estados, ressignificando modelos de acordos bilaterais e regionais de investimento, largamente veiculados por Estados exportadores de capital externo.
O reconhecimento dessas estruturas desiguais é debatido na abordagem terceiro mundista do Direito Internacional (em inglês, Third World Approach to International Law – TWAIL).
Apesar de parte da doutrina especializada julgar como anacrônico o termo “Terceiro Mundo”, a sua utilização contemporânea afasta-se de uma categorização da Guerra Fria dos mundos capitalista, socialista e neutro, para adquirir uma característica econômica de subdesenvolvimento.
Dessa forma, os países do Terceiro Mundo seriam aqueles em desenvolvimento.
<blockquote class="jota-article__eye">Assim, a abordagem terceiro mundista assenta-se no reconhecimento de estruturas jurídicas desiguais, decorrentes de práticas coloniais que ainda persistem hodiernamente.</blockquote>
Analisando o contexto das relações entre as nações africanas, observa-se a existência da União Africana, formada por 54 países, à exceção do Marrocos, tendo sido fundada em 2001 com o objetivo de promover a integração social e econômica do continente, a união dos povos africanos e o desenvolvimento sustentável da África.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Outro exemplo é a criação, em janeiro de 2021, da Área de Livre-Comércio Continental Africana (African Continental Free Trade Area – AfCFTA), assinado por 54 países africanos, à exceção da Eritreia, e ratificado por 31 desse total. O AfCFTA trata do comércio de bens, serviços, investimentos, propriedade intelectual, concorrência e resolução de conflitos.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Analisando dados de comércio dentro do continente, somente 17% das trocas comerciais ocorrem entre os países africanos, enquanto que o percentual é de 59% entre países asiáticos e de 68% entre os países europeus. No comércio internacional, os países africanos respondem por 2% das trocas transnacionais.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
No contexto de um panorama dos investimentos no continente africano, os países africanos definiram um modelo de acordo de investimento próprio, chamado de Código de Investimento Pan-Africano (Pan-African Investment Code – PAIC).<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Segundo Mbengue e Schacherer (2017, p. 415), trata-se da criação inédita de um modelo de acordo de investimento elaborado pelas nações africanas, sob a perspectiva dos países em desenvolvimento com o foco nos objetivos de desenvolvimento sustentável, definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Ainda segundo Mbengue e Schacherer (2017, p. 416), os países africanos, com o intuito de criar um ambiente de maior estabilidade para o setor privado, aderiram ao modelo de acordos bilaterais de investimento, celebrados principalmente com países não-africanos durante as décadas de 1990 e 2000. Foram celebrados 881 acordos, sendo que 722 ocorreram com as partes não-africanas e 159 entre países do continente africano.
Além disso, nos acordos regionais existentes entre algumas nações africanas, observam-se também disposições sobre investimentos externos. Contudo, os mesmos autores ressaltam a existência de sobreposição de regras regionais que se aplicam a nações partícipes de mais de um acordo regional, o que causa conflito e desarmonia de normas.
A criação de um código de investimento africano teve seu início em 2008, sendo que, a partir de 2015, foram realizadas reuniões ministeriais debatendo a minuta elaborada por especialistas africanos. No ano de 2016, em Nairobi, Quênia, foi aprovado o modelo de tratado de investimento africano no formato não-vinculativo (MBENGUE e SCHACHERER, 2017, p. 420).
Observa-se que o código de investimento pan-africano, apesar de não-vinculativo, apresenta determinadas inovações, tais como: (i) a previsão de direitos e obrigações direcionadas expressamente para investidores externos e não apenas para os Estados-partes; (ii) exceções ao tratamento da Nação Mais Favorecida e ao tratamento nacional, com o intuito de assegurar a defesa do interesse público; e (iii) requisitos nacionais de perfomance de empresas investidoras nos Estados receptores de investimentos. Por outro lado, o código manteve o modelo de solução de controvérsias de investimentos na modalidade arbitral ad hoc investidor-Estado.
A definição de um código de investimento pan-africano é relevante ao incorporar as críticas do modelo tradicional de acordos bilaterais de investimentos (conhecidos pelo termo em inglês: Bilateral Investment Treaty – BIT). Essa iniciativa poderia ser replicada em outras regiões do Terceiro Mundo, como na América Latina.
Historicamente, a região latino-americana possui reconhecido desenvolvimento de institutos no Direito Internacional e em políticas econômicas de desenvolvimento, como a Doutrina Calvo no século XIX e a Teoria da Deterioração dos Termos de Troca, do Raul Prebisch, além dos trabalhos do brasileiro Celso Furtado.
Na atualidade, o modelo brasileiro de acordo de investimento, adotado a partir de 2015, chamado de Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI), configura-se como alternativa ao tradicional modelo de BIT propagado pelas nações exportadoras de capital.
Faz-se necessário, portanto, a análise pormenorizada no código de investimento pan-africano e no modelo brasileiro (ACFI), a fim de reconhecer inovações e similaridades nos institutos jurídicos desses instrumentos. Além disso, deve-se analisar se tais inovações promovem maior desenvolvimento e atração de investimentos aos países do Terceiro Mundo.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> AFRICAN UNION – AU. Constitutive Act of the African Union. 11 de julho de 2000. Lomé, Togo. Disponível em: &lt;<a href="https://au.int/sites/default/files/pages/34873-file-constitutiveact_en.pdf">https://au.int/sites/default/files/pages/34873-file-constitutiveact_en.pdf</a>&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> AFRICAN UNION – AU. African Continental Free Trade Area (AfCFTA). Disponível em: &lt;https://africa-eu-partnership.org/en/afcfta&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> KENDE-ROBB. 6 reasons why Africa's new free trade area is a global game changer. World Economic Forum. 9 de fevereiro de 2021. Disponível em: &lt;https://www.weforum.org/agenda/2021/02/afcfta-africa-free-trade-global-game-changer/&gt;.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> UNITED NATIONS ECONOMIC COMMISSION FOR AFRICA – UNECA. Draft Pan-African Investment Code. E/ECA/COE/35/18 AU/STC/FMEPI/EXP/18(II). Publicado em 26 de março de 2016. Disponível em: &lt;https://repository.uneca.org/bitstream/handle/10855/23009/b11560526.pdf?sequence=1&amp;isAllowed=y&gt;.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> MBENGUE, Makane Moïse; SCHACHERER, Stefanie. The ‘Africanization' of International Investment Law: The Pan-African Investment Code and the Reform of the International Investment Regime. The Journal of World Investment &amp; Trade, 2017, vol. 18, n° 3, p. 414-448. doi: 10.1163/22119000-12340047 Disponível em: &lt;https://archive-ouverte.unige.ch/unige:107043&gt;.

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