Ananda Tostes Isoni

Do total de membros do Poder Judiciário, apenas 38% são mulheres. No segundo grau de jurisdição, o percentual de magistradas cai para 25% e, nos tribunais superiores, para 18%. Os dados, extraídos do relatório da Participação Feminina na Magistratura 2023, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cnj">CNJ</a>), revelam decréscimo de representatividade em relação à apuração de 2019, contrariando a tese de que as distorções serão dissipadas em horizonte próximo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Para fazer frente à sub-representação de mulheres no Judiciário, juízas de todo o país, organizadas em movimento espontâneo e independente<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, lotaram o plenário do CNJ nesta terça-feira (19), quando se iniciou a deliberação sobre proposta de ação afirmativa voltada à paridade de gênero nos tribunais<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Nas roupas, bottons com os dizeres “Paridade no Judiciário”; nos olhares, a expectativa de mudança.
Destoando do público feminino que acompanhava a sessão, a composição majoritariamente masculina do Conselho era também ali a confirmação das dificuldades de inserção de mulheres em espaços de poder e da potência transformadora da participação daquelas que conseguiram alcançá-los. Dos(as) 15 conselheiros(as) do CNJ, apenas 3 são mulheres.
Uma delas, a presidente e ministra do STF Rosa Weber, foi a responsável por pautar o julgamento e lembrou, diante de requerimentos de adiamento, que não deve haver temas tabus em uma sociedade democrática. Já a conselheira Salise Sanchotene foi a relatora do processo e responsável pela supervisão do Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.
A proposta em debate envolve medida temporária que prevê acesso alternado a cargos em tribunais de segundo grau, a partir de duas listas de antiguidade (uma mista e uma composta exclusivamente por mulheres), até que seja alcançada a paridade nos tribunais, definida em 40% a 60% por gênero.
Gestada a partir das deliberações do comitê e também de estudos, encontros, oficinas, painéis e eventos científicos com participação efetiva de associações e integrantes de todos os ramos do Judiciário, a proposta busca dar materialidade à Política de Participação Institucional Feminina, instituída pela <a href="https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2670">Resolução CNJ 255/2018</a>, que no último 2 completou cinco anos.
O voto da relatora é repleto de estatísticas, resultados de pesquisas científicas e formulações doutrinárias de autoras como Noemia Porto e Flávia Pessoa, Mariana Yoshida, Karen Louise Souza, Sayonara Mattos e Tani Maria Wurster. Alude, ainda, ao parecer jurídico pro bono do professor Daniel Sarmento, segundo o qual a adoção da política de ação afirmativa em questão “mais do que uma faculdade, configura verdadeira obrigação constitucional”.
O debate está posto. A desigualdade de gênero nas cadeiras do Judiciário é uma realidade e sobejam fundamentos jurídicos para a aprovação da proposta. É tempo de dar concretude ao discurso da equidade e instituir respostas de reparação a essa injustiça histórica.
O desafio? Que “os magistrados homens abram pequenas brechas em seus espaços de poder para possibilitar que as mulheres com eles compartilhem as escadas que permitem a ascensão na carreira”, como ressaltado por Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, conselheiro e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que seguiu a relatora.
Com <a href="https://www.jota.info/justica/cnj-tem-tres-votos-pela-implementacao-de-cotas-femininas-na-magistratura-19092023">três votos favoráveis</a>, a deliberação no CNJ foi suspensa a pedido do conselheiro Richard Pae Kimretomado e será retomada na próxima terça-feira (26). Em todo o país, aguarda-se a definição do tema, com manifestações de apoio e levantes em oposição. O embate era esperado, assim como se espera dos(as) conselheiros(as) a compreensão do papel contramajoritário do CNJ na proteção de minorias.
Passo necessário à superação da retórica, a implementação de ações afirmativas ganha força em todo o sistema de justiça. Ainda este mês, o Conselho Superior da Defensoria Pública da União instituiu, por meio da Resolução 215/2023, políticas afirmativas de paridade de gênero que abrangem promoções por merecimento mediante formação de listas alternadas, mistas e exclusivas de mulheres, paridade na composição do próprio conselho, dentre outras medidas.
A urgência na aprovação da ação afirmativa no CNJ vai muito além da necessidade de viabilizar a ascensão profissional de magistradas. Os processos decisórios em uma democracia demandam a diversidade de identidades e vozes. Ao reconhecer, interpretar e aplicar o Direito, juízes e juízas são atravessados por suas experiências e compreensões de mundo e as diferentes perspectivas devem refletir uma sociedade plural.
Assegurar a paridade de gênero nas cortes brasileiras é tornar o Judiciário mais representativo e responsivo à diversidade das demandas sociais. É também parte da resposta à crise de legitimidade em cujo âmago também está a seguinte questão: um Poder Judiciário com 72% de cargos ocupados por homens assegura justiça para quem?
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Segundo o relatório, a série histórica “não permite estabelecer qualquer tipo de tendência de crescimento e, portanto, nem projeções de quando seria possível alcançar o patamar de equidade de gênero na magistratura ou mesmo entre os(as) ingressantes”.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> O coletivo, integrado por magistradas de todos os ramos do Poder Judiciário, identifica-se como Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Ato Normativo CNJ 0005605-48.2023.2.00.0000

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JOTA

Paridade de gênero e legitimidade democrática do Poder Judiciário

Justiça para quem?

Assegurar paridade de gênero nas cortes brasileiras é tornar o Judiciário mais representativo e responsivo à diversidade das demandas sociais