Etienne Jacintho

O que seria diferente no enredo de “Bloodline” se a caçula da família Rayburn não fosse advogada? Quem saberia detalhes do testamento do patriarca e quem cuidaria dos detalhes da execução dessa papelada? E mais: apesar do irmão detetive que foi bem astuto na hora de encobrir as pistas de um crime, Meg Rayburn (Linda Cardellini) usou seus conhecimentos jurídicos para proteger os bens da família quando o primogênito escondeu drogas na pousada dos Rayburn. Ela também auxiliou os irmãos quando uma tragédia maior se instalou no paraíso ensolarado.
“Bloodline” é um dos maiores dramas familiares em cartaz hoje. Produção da Netflix, a série acertou na escalação do elenco - que tem participação especial luxo de Chloe Sevigny ­–, no enredo forte e nas reviravoltas de sentimentos (do público e dos personagens) em relação ao protagonista /antagonista Danny Rayburn (Ben Mendelsohn, indicado ao Emmy). A trama começa quando o primogênito da família Rayburn, Danny, decide voltar para casa, onde aparentemente quer recomeçar a vida. O problema é que o pai, Robert (Sam Shepard), não confia em Danny nem seu irmão caçula Kevin (Norbert Leo Butz). Meg quer acreditar nas boas intenções de Danny, assim como John (Kyle Chandler, também indicado ao Emmy), o aparente bom-moço da história.
Em “Bloodline” tudo é aparência. Até mesmo a matriarca Sally (Sissy Spacek) tem seus segredos obscuros. Danny , borderline, leva a vida no limite, ressentido por um fato ocorrido na infância e que o levou à ruptura dos laços familiares. Sua chegada à pousada da família na Flórida muda o curso de vida de todos à sua volta. Aos poucos, o público percebe que Danny não busca o acolhimento. Ele quer rever o passado e fazer com que todos saibam como é viver com sentimento de culpa. Ele quer que todos sintam na pele o que ele sentiu desde a morte de sua irmã Sarah. E ele consegue atingir seu objetivo de forma impressionante e dramática, abrindo passagem para que os roteiristas criem os mais diferentes cenários para a segunda temporada da série, prometida para o primeiro semestre do ano que vem.
Meg, a advogada, iniciará o novo ciclo trabalhando em uma grande firma em Nova York. Ela conseguiu o emprego mesmo após dizer a uma das associadas que não liga a mínima para a lei. O mesmo não diria o bom-moço Kevin Walker (Matthew Rhys), da extinta série “Brothers &amp; Sisters”. O dramalhão familiar encabeçado pela matriarca Nora Walker (Sally Field) também tem a morte do patriarca como ponto de ebulição de conflitos, com a descoberta de uma amante, uma possível filha bastarda, desvio de dinheiro na firma da família...
Em “Brothers &amp; Sisters”, Kevin é o advogado bem-sucedido cuja vida particular também vai muito bem. Assim como Meg, ele também fica encarregado da partilha dos bens da família após a morte do pai. É ele quem tem de lidar primeiro com o rombo nos negócios da família e com os direitos da amante recém-descoberta do pai. Gay assumido, Kevin lida com as questões de sua sexualidade sem muitos dramas especialmente depois de conhecer Scotty (Luke Macfarlane), seu companheiro por muitos episódios. O casal fictício ganhou diversos prêmios de organizações dos direitos GLBT e caiu no gosto do público.
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“Parenthood”, outra boa série dramática com trama familiar também tinha sua advogada. Julia Braverman (Erika Christensen) trabalhava em uma importante firma onde exercia um alto cargo. Ambiciosa, ela nunca relaxava e tinha uma relação difícil com sua filha Sidney. Isso porque a menina era muito mais ligada ao pai, que ficava em casa cuidando de tudo. A dinâmica não muito convencional era uma das questões abordadas na extinta série. Nas temporadas que se seguiram, Julia foi centro de outras questões como a adoção e suas implicações legais.
Advogados e reles mortais
Duas séries tiveram advogados singelos em meio a famílias afortunadas. Diferentemente de atrações como “Suits”, “The Good Wife” ou “Boston Legal” em que os advogados são poderosos, bem vestidos e quase da realeza, essas duas séries colocam os “doutores” numa posição bem menos imponente. Na primeira temporada de “Downton Abbey”, Matthew Crawley (Dan Stevens) é advogado de “classe média” – ou “classe média alta”, como crê sua mãe –, primo em terceiro grau do conde de Grantham, Robert Crawley, senhor da propriedade de Downton Abbey. A série tem início com a tragédia do Titanic, que matou dois dos herdeiros mais diretos da propriedade em Yorkshire, no Reino Unido. Já que Robert possui apenas filhas, o herdeiro mais próximo vem a ser o advogado que renega os costumes aristocráticos e sofre para se adequar às tradições de um lugar com dezenas de criados. Sim, perto dos Crawley, o advogado não passa mesmo de um reles mortal. Nada a ver com os advogados quase deuses que povoam as séries americanas hoje em dia.
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Nas temporadas que se seguem, Matthew continua como ponto de conflito de interesses em Downton Abbey. A série está indo para a sexta temporada e, por aqui já esteve em cartaz no GNT, na TV Cultura e está disponível no Netflix.
Outro reles mortal com diploma de Direito é Nick George (Peter Krause), de “Dirty Sexy Money”, série que durou apenas duas temporadas. Na série, Nick assume o lugar do pai como advogado da bilionária família Darling, cujo patriarca é Tripp (Donald Sutherland). Aos poucos, Nick descobre que tem de passar por cima da ética para trabalhar para essa complicada família de pobres meninos ricos. O advogado não desiste, pois mais do que dinheiro, sua motivação é muito mais complexa: ele quer descobrir a verdade sobre a morte repentina de seu pai. Para ele, algum Darling pode estar envolvido no possível assassinato.
Parece que os advogados não são somente aqueles que conhecem todos os segredos de famílias, por lidarem com testamentos e inventários. Ao menos na ficção, eles estão envolvidos em mistérios e segredos de suas famílias. O ponto é que as séries não seriam assim tão dramáticas se esses personagens não exercessem essa profissão.
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JOTA

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Por que há sempre um advogado nos dramas familiares?

“Bloodline” seria diferente sem advogada na família Rayburn; “Downton Abbey” transformou advogado em reles mortal de classe média