Vanessa Santos do Canto

Paola Goulart de Souza Spikes

O presente texto apresenta a atuação da Coalizão Negra por Direitos através de carta dirigida ao Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>), no mês de março deste ano de 2022, na qual solicita que sejam racializadas as ações constitucionais que versam sobre justiça climática. Ou seja, pedem a inclusão do conceito de racismo ambiental na agenda da Corte sobre justiça ambiental.
Neste sentido, abordamos os conceitos de justiça ambiental e de racismo ambiental, pois consideramos que o debate acerca da justiça climática ambiental não prescinde da inclusão do racismo ambiental na agenda jurídica brasileira, tendo em vista que estudos do norte-americano Robert Bullard<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e da professora aposentada da Universidade Federal Fluminense Selene Herculano<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, uma das precursoras da utilização do conceito de racismo ambiental no Brasil, têm demonstrado que são as populações racializadas e subalternizadas são as que mais suportam os efeitos nocivos dos danos causados ao meio ambiente.
Em termos históricos, a expressão justiça ambiental origina-se nos movimentos sociais norte-americanos que, na década de 1960, passaram a reivindicar direitos civis às populações afrodescendentes existentes nos Estados Unidos, bem como a protestar contra a exposição humana à contaminação tóxica de origem industrial, cujas fontes localizavam-se em áreas próximas a certas comunidades.
A justiça ambiental tem por propósito impedir que determinados segmentos da sociedade sejam os principais ou exclusivos grupos a arcar com a precarização e danificação das condições ambientais do seu entorno. Esse conceito acabou sendo particularizado para mobilizar grupos de minorias étnicas, tais como negros e indígenas, e, dessa forma, surgiu o conceito de racismo ambiental.  Por outro lado, o termo justiça ambiental ficou restrito a contextos onde havia um público mais amplo e heterogêneo a ser engajado.
O movimento por justiça ambiental nos Estados Unidos da América (EUA), dos anos 1960 aos anos 1980 é marcado pela mobilização política de pessoas brancas de classe média no que se refere às demandas relativas ao meio ambiente. O movimento negro por direitos civis nos EUA tem uma participação, inicialmente, refratária às questões relativas a justiça ambiental, pois, a justiça social e o fim da institucionalização do racismo eram objetivos do movimento pelos direitos civis.
Entretanto, a partir dos anos de 1980, o movimento negro norte-americano passou a perceber cada vez mais que as consequências nocivas dos danos causados ao meio ambiente eram suportadas por suas comunidades. Ou seja, existia a injustiça ambiental suportadas pelas comunidades negras. A discriminação ambiental, portanto, pode ser descrita como o tratamento díspar de determinado grupo ou comunidade com base na raça, classe, ou outra característica distintiva.
O conceito de racismo ambiental foi cunhado pelo ativista por direitos civis norte- americano, Benjamin Franklin Chavis Júnior, no ano de 1981, em um contexto de manifestações contra injustiças ambientais. Segundo Robert Bullard, o racismo ambiental se refere a políticas, práticas ou diretrizes ambientais que afetam diferentemente ou de forma desvantajosa (seja intencionalmente ou não) indivíduos, grupos ou comunidades com base na cor ou raça, podendo ser reforçadas por instituições governamentais, jurídicas, econômicas, políticas e militares.
No Brasil, o debate acerca de racismo ambiental e justiça climática é bastante recente, e, data do final dos anos de 1980. Começa a se expandir nos anos de 1990 com a constitucionalização do Direito Ambiental. Além disso, o debate é uma demanda do movimento negro que se voltava basicamente para a discussão acerca das comunidades negras rurais que passaram a ter a possibilidade de serem reconhecidas como remanescentes de quilombos por força do <a href="https://cpisp.org.br/constituicao-federal-de-1988-artigo-68/">art. 68</a>, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/adct">ADCT</a>).
No que se refere aos temas aqui abordados, a Coalizão Negra por Direitos (CNPD) aglutina um conjunto de organizações, entidades, grupos e coletivos do movimento negro brasileiro, que reafirmam seu legado de resistência, luta, produção de saberes e de vida. Historicamente a Coalizão tem por objetivo enfrentar o racismo e as desigualdades decorrentes dele.
Um dos pontos de sua agenda é a erradicação do racismo ambiental com promoção de políticas que garantam o acesso universal das populações urbanas e rurais à moradia digna, à cidade, à terra, à água potável, ao saneamento básico; bem como a promoção da soberania alimentar e o acesso à alimentação saudável, adequada e com qualidade, livre de agrotóxicos e transgênicos, a defesa dos bens comuns e proteção contra a mercantilização dos recursos naturais – inclusive as águas e as florestas;
A atuação dessa organização é importante para o exercício da participação política no Brasil e nos órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos, tais como a Organização das Nações Unidas (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/onu">ONU</a>) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cidh">CIDH</a>), na qual realizam incidência política para a defesa dos interesses dos povos racializados e subalternizados que compõem a história deste país.
A Carta Aberta da CNPD aos Excelentíssimos e Excelentíssimas Ministros e Ministras do STF, tem como assunto a agenda de justiça climática e ambiental na pauta de julgamento das ações constitucionais ADPF nº 760; ADPF nº 735; ADPF nº 651; ADO nº 54; ADO nº 59; ADI nº 6148, e ADI nº 6808.
O objetivo da carta é, então, fazer com que o racismo ambiental seja posto como pauta central nos debates sobre litígio climático por este Egrégio STF e que o debate sobre litígio climático construído na Corte constitucional brasileira seja centralizado em questões raciais.
Essas ações judiciais versam sobre relevantes temas de cunho socioambientais e mudanças climáticas, no âmbito do denominado “Pacote Verde”, que recebeu essa denominação devido às ações que o STF recebeu no ano de 2022. Através delas, a Corte analisará a governança ambiental a partir de parâmetros constitucionais e poderá de maneira emblemática consolidar entendimento sobre o papel do Poder Executivo no tema de meio ambiente e clima.
Diante de todo o exposto, consideramos que o debate acerca da relação existente entre racismo ambiental e justiça climática necessita ser ampliado e consolidado no Brasil, pois como vimos, ao abordar essas questões, historicamente, as populações racializadas e vulnerabilizadas são as que mais suportam as consequências nocivas dos danos ambientais.
Além disso, a racialização do debate acerca de Direito Ambiental é importante porque, no Brasil, a maior parte da população é negra e apresenta os piores índices de qualidade de vida, conforme dados apresentados pelo IPEA no ano de 2011, nos quais as mulheres negras se encontram na base das comunidades pobres que têm seus direitos humanos violados, segundo relatório publicado em conjunto pelas ONG´s de mulheres negras, Criola e Geledés no ano de 2015.
Dessa maneira, o Direito Ambiental pode ser considerado um importante mecanismo para a realização dos direitos humanos fundamentais da maioria da população brasileira que é negra e pobre, segundo dados preliminares divulgados pelo IBGE, no dia 11 de novembro de 2022, e, pode auxiliar na problematização do racismo estrutural presente no Brasil, através da atuação do STF, no âmbito do controle constitucional concentrado sobre justiça climática.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> BULLARD, R. D. Dumping in Dixie: race, class and environmental equality. 3a ed. Colorado: Westview Press, 2000.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> HERCULANO, S. O clamor por justiça ambiental e contra o racismo ambiental. Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente; v. 3, n. 1, Artigo 2, jan./abril, 2008.
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JOTA

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