Economia

Declarações presidenciais sobre estabilidade fiscal podem custar caro

Antagonismo entre equilíbrio fiscal e políticas sociais não existe

arbitragem tributária, juros
Crédito: Unsplash

No dia 10 de novembro do ano passado o então recém-eleito presidente do Brasil declarou num discurso: “Por que é que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que é que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gasto, é preciso fazer superávit, é preciso fazer teto de gasto? Por que é que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gastos não discutem a questão social nesse país? Por que é que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Por que é que a gente tem meta de inflação, e não tem meta de crescimento?”.

A fala revelou que na visão econômica do grupo vencedor das eleições há um antagonismo entre equilíbrio fiscal e execução de políticas de bem-estar social. E que diante desse antagonismo, a segunda será priorizada sobre o primeiro.  

O discurso teve consequências. O índice Ibovespa fechou com uma queda de 3,61%, enquanto o dólar subia mais de 4%, num dia bastante calmo nos mercados internacionais. O Dow Jones, por exemplo, terminou o dia com alta de 3,7%. Talvez a consequência mais importante do discurso, e que passou relativamente despercebida da grande imprensa na época, foi o comportamento dos juros nos leilões de títulos públicos do Tesouro Nacional. A taxa de juros desses títulos subiu em torno de 1,5 ponto percentual nos dias que se seguiram ao discurso, permanecendo nesse patamar mais elevado. O gráfico mostra os juros dos títulos LTN prefixados com vencimento em 2024. Algo bem parecido aconteceu também nos títulos com vencimento em 2025, 2026 e 2029.

Taxa de juros dos títulos LTN prefixados com vencimento em 1º/7/2024

Mas por que um aumento nas taxas de juros sobre os títulos da dívida importa tanto? Importa porque o Brasil é um país com uma dívida pública considerada alta para os padrões das economias emergentes. O último Relatório Mensal da Dívida Pública Federal, publicado pelo Tesouro Nacional em 23 de janeiro de 2023, reporta uma dívida pública federal no valor de R$ 5,95 trilhões, em dezembro de 2022.

Cerca de 22% do estoque da dívida em dezembro de 2022 vence num prazo de 12 meses. Ou seja, ao longo de 2023, R$ 1,31 trilhão deverá ser pago na quitação desses papéis, e o Tesouro Nacional deverá realizar novas emissões em valor equivalente. Se tiver que pagar 1,5 ponto percentual a mais de juros nessa rolagem da dívida, o custo para os cofres públicos terá sido de R$ 19,65 bilhões. Somente nas emissões feitas em 2023.

Para efeito de comparação, trata-se de um valor cerca de 1.100 vezes superior aos custos ao erário das depredações ocorridas na Praça dos Três Poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro, estimados em algo em torno de R$ 18 milhões. 

Essa conta assume que o choque representado pelo discurso presidencial sobre os juros não se dissipa no tempo. Ao contrário, é incorporado de forma permanente nos juros. Seria essa uma hipótese razoável? Num artigo muito influente publicado no Journal of Monetary Economics em 1982, Nelson e Plosser mostram que no caso dos juros há esse acúmulo dos choques de forma permanente (ou em linguagem econômica, os juros possuem raiz unitária). Helder Mendonça e Manoel Pires mostram, num trabalho de 2007, que essa característica de acúmulo permanente de choques que não se dissipam também está presente na taxa de juros brasileira.  

Juros maiores encarecem o custo de rolagem da dívida, drenando recursos que poderiam ser utilizados para o provimento de bens públicos geradores de bem-estar, como a construção de hospitais, rodovias, escolas etc. Os R$ 19,65 bilhões extras a serem pagos no serviço da dívida representam R$ 19,65 bilhões disponíveis para os gastos sociais do governo.

Esse é exatamente o ponto crucial da questão. Uma eventual deterioração fiscal desenhada com o objetivo de criar mais recursos para as políticas sociais causa uma piora tão grande nas condições de rolagem da dívida, dado o elevado endividamento, que no final tem-se menos dinheiro disponível para os próprios gastos sociais. Por isso o antagonismo entre equilíbrio fiscal e políticas sociais não existe.

Há também um efeito de concentração de renda toda vez que os juros da dívida pública aumentam. Isso porque há uma transferência implícita de renda dos que não têm nada, e vão pagar mais impostos no pouco que compram, com isso financiando os pagamentos maiores de juros aos que têm tudo, inclusive papéis da dívida pública. É no mínimo paradoxal que o presidente, ao fazer um discurso exaltando a distribuição de renda via políticas sociais, esteja causando o efeito exatamente contrário, o de concentrar mais a renda em favor dos mais ricos, os detentores de títulos públicos.

É fácil fazer declarações não realistas, que não são baseadas em evidências, ou apenas fanfarronices nunca transformadas em ações. Nos Estados Unidos, o ditado popular para isso é o de que “falar sai barato” (talk is cheap). No contexto de declarações presidenciais sobre a estabilidade fiscal no Brasil percebe-se que meras palavras podem custar muito caro. Nesse caso, talk ain’t cheap.