Luciano Benetti Timm

Thomas Victor Conti

A temática das taxas de juros aplicadas a valores em disputa judicial ou arbitral é de alta complexidade na literatura de Análise Econômica do Direito (AED), de modo que não é espaço adequado aqui revisar o conjunto de todas as taxas alternativas que podem ser aplicadas e seus diferentes custos e benefícios.
No entanto, cabe destacar que a principal consequência avaliada na literatura é para os incentivos às partes de um litígio, afetando, por intermédio deste comportamento, os níveis de judicialização, acordos e de segurança jurídica.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Parte destes efeitos são presumidos de forma implícita quando defensores da posição contrária à jurisprudência do STJ – de aplicação da Selic – alegam que a taxa de 1% a.m. visaria não produzir cenários de “estimuladores de inadimplência”, ou seja, que favoreceriam a parte devedora a atrasar propositalmente a solução do processo.
O argumento é controverso até porque se fosse esse o objetivo, existiriam outros mecanismos mais importantes para litigância do que a taxa de juros de mora, tais como as custas processuais (inclusive a concessão da gratuidade), ausência efetiva de precedentes vinculantes e a litigância.
<blockquote class="jota-article__eye">Logo, existiriam outras ferramentas de política pública mais eficientes para serem utilizadas pelo Poder Judiciário do que alterar a interpretação consolidada sobre juros de mora.</blockquote>
No entato, mesmo na eventualidade que ele fosse aceito pelo seu valor de face, se olharmos para a série histórica da taxa Selic e da taxa de 1% a.m. de juros simples, vemos que nos últimos 26 anos desde a estabilização do Plano Real, nada menos que em 22 anos a taxa Selic teria representado um juro de mora mais elevado que a taxa de 1% a.m. de juros simples.
Este comparativo simples já seria suficiente para descartar que desde a proposição da taxa de 1% a.m. ante à Selic tenha sido com intuito de impor custos comparativamente altos ao inadimplente.
Mas, na verdade, esta comparação está incompleta. Na realidade, como a taxa de 1% a.m. é computada na forma de juro simples, também por decisão das cortes de justiça – e não como juro composto tal como ocorre em quaisquer situações econômicas – quanto mais o tempo passa menor é o juro efetivo implicado por essa taxa.
Nesse diapasão, vemos que transcorridos 5 anos (60 meses) de aplicação de uma taxa de juros simples de 1% ao mês ou 12% ao ano, essa taxa deixa de representar efetivamente 12% ao ano para na verdade representar uma taxa efetiva de 9,85% em juros compostos – que é a que é usada na prática por um agente econômico racional que a queira comparar com taxas naturalmente compostas como Selic, inflação, dívida ou crescimento.
Isto é mais um comportamento difícil de ser explicado. A taxa que supostamente teria como objetivo alegado não incentivar a inadimplência diminui ao longo do tempo. Quanto mais o devedor fica sem pagar, menor será o juro efetivo – composto – que o passivo judicial representa para ele.
Este efeito seria negligenciável se os passivos que podem ser atualizados pelo índice do juros de mora fossem todos resolvidos rapidamente, pois, para os primeiros anos, a diferença entre o juro simples e o juro composto é pequena. Porém, não é o que ocorre na prática.
Segundo estudo do IPEA, processos tributários, por exemplo levam em média 8 anos (96 meses) para serem resolvidos. Isto faria a taxa de juros composta efetiva nestes processos ser de 8,7% ao ano e não 12% ao ano como se imagina. Usando uma estimativa mais conservadora de 5 anos (60 meses), a taxa de juros composta equivalente seria de 9,85%.
Comparando os juros de mora compostos que incidiriam sobre um passivo que ficou na justiça por 5 anos, vemos que nos 26 anos da estabilização do real até hoje apenas nos últimos meses de 2020 e janeiro de 2021 uma taxa fixa de juros simples de 1% ao mês teria implicado um juro de mora mais alto que a taxa Selic anual que incidiria sobre esse passivo a cada ano nesses 5 anos.
Em todos os outros períodos, a taxa Selic teria representado um indicador melhor até mesmo se o objetivo que se esperasse na adoção da taxa fosse “não estimular a inadimplência”. E cada ano a mais com o processo sem conclusão, a relação fica ainda pior para a taxa de 1% ao mês, pois o juro simples passa a representar um valor cada vez menor quando convertido para juros compostos.
Uma vez que o histórico do comparativo dessas duas taxas para efeito de juros de mora em situação real de processos que correm por anos foi colocado de forma clara e direta, podemos reformular a questão jurídica que se coloca sobre se deveríamos ou não mudar o entendimento consolidado do STJ sobre a aplicação da taxa Selic para efeito de juros de mora.
A questão é: deveríamos mudar uma jurisprudência que dá previsibilidade aos mercados e agentes econômicos porque nos últimos poucos meses a taxa Selic média deixou de ser mais onerosa ao devedor? A resposta evidentemente é não.
Embora a Selic definida pelo Copom esteja atualmente em 2% ao ano, não precisamos esperar a passagem dos anos ou adotar modelos de previsão para estimar aproximadamente como será o juro que o mercado está precificando no futuro.
Mediante a compra e venda de títulos da dívida pública com diferentes prazos de maturação, o mercado precifica qual o prêmio de juros Selic acima da inflação e por consequência qual a inflação futura implícita para a economia brasileira. Estas expectativas formam a Estrutura a Termo da Taxa de Juros e a Curva de Juros. Usando os dados da Anbima disponíveis até dia 5 de fevereiro de 2021
Vemos que já com informações que dispomos hoje não é esperado que a Selic chegue a uma média de 2% ao ano em médio e longo prazo. O menor valor registrado na média de 5 anos seria de 4,3% ao ano (juros compostos).
Embora a taxa de 1% seria significativamente mais alta nos próximos anos, a diferença não é tão grande quanto se supõe e a Selic comporta ainda a possibilidade de se adaptar conforme muda a realidade econômica do país, ficando maior ou menor conforme as estimativas de risco-país, liquidez, crescimento e inflação se alteram.
A questão que se coloca é de como compensar o litigante pelo valor do tempo de esperar até que receba o valor pendente na justiça ao invés de ter acesso ao valor monetário desse dano assim que tomou as medidas cabíveis. Como o litigante entra na justiça, ele não consegue receber o que lhe é devido imediatamente, mas apenas quando vence a causa, quando ele receberá um montante adicional por conta de juros de mora, dentre outros fatores.
Assim, a justificativa para a existência destes juros é a de compensar pelo atraso do procedimento. Caso o procedimento e o pagamento fossem instantâneos, não haveria necessidade de juros de mora.
Dessa forma, a taxa mais correta para aplicar nessa atualização é a taxa que faria o agente ser indiferente entre as opções de (1) receber o pagamento do valor x no ato, ou (2) receber o pagamento de x atualizado em outro momento.
O que é decisivo nessa comparação é que a escolha entre os pagamentos dos valores nas opções (1) e (2) são escolhas com certeza, sem estarem sujeitas a considerações de risco e probabilidades.
Uma taxa fixa artificialmente alta para os juros de mora faria o autor preferir receber os valores mais tarde, pois o passivo judicial estaria sendo remunerado a um percentual inalcançável hoje no mercado (como aconteceu, em alguns momentos, com a Justiça do Trabalho antes da Reforma, diga-se de passagem).
Seria um investimento e uma forma de enriquecimento, e não uma mera atualização para que fique indiferente entre receber hoje ou depois. Ele preferirá receber depois.
Já uma taxa artificialmente baixa como os 1%, na maior parte da história brasileira pós-Plano Real, o faria preferir receber os valores hoje e não no futuro e justamente faria o réu pretender atrasar o processo.
Isto é, apenas por um golpe de sorte uma taxa artificialmente estipulada em 1% de juros simples ao mês tornaria qualquer uma das partes (que não deixa de ser um agente econômico limitadamente racional, como visto anteriormente) indiferente entre ser compensado hoje ou no futuro. O resultado mais provável é que ela dará margens para uso da justiça como meio de auferir ganhos ou mitigar perdas.
A taxa básica de juros da economia (Selic) é muito mais adequada para cumprir essa função do que uma taxa estipulada em 1% ao mês de juros simples. Isto porque:
1. Ela reflete o estado da economia do país, dificultando estar excessivamente alta ou baixa e fora da realidade econômica vigente;
2. Ao contrário do que muitos supõem, ela incorpora alguns riscos como risco-país<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e spread de liquidez;
3. Ela não falha em compensar o recebedor por oportunidades perdidas de investimento, porque ela não incorpora o risco de perda que esses investimentos carregariam no mundo real;
4. Ela é facilmente acessível para as partes e incontroversa, sendo os riscos associados à sua flutuação riscos inevitáveis da realidade de mercado;
5. Nos casos em que a Selic fica “muito baixa”, não se traduz em baixa compensação, pois as alternativas de rendimento também não estão atrativas;
6. O oposto também é verdadeiro. Quando a Selic estiver “muito alta”, não se traduz em alta compensação, pois existem muitas alternativas de rendimento disponíveis às duas partes do litígio;
7. A taxa de juros básica da economia não compensa reclamantes ou reclamadas por quaisquer riscos jurídicos associados ao litígio – e não deveria, pois esta não é sua função.
Assim, enquanto é possível que a adoção da Selic faça com que um agente racional (uma parte no processo judicial) fique indiferente entre receber os valores hoje ou no futuro, a adoção de uma taxa fixa de 1% ao mês de juros simples provavelmente incentivará uma das partes envolvidas no litígido a enxergar o processo como um investimento, atrasando assim sua conclusão e eventual interesse em um acordo.
<hr />
O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://youtu.be/b9z7dDRHnrg
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Edifício-Sede do Banco Central do Brasil em Brasília

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JOTA

Qual a mais adequada taxa de juros que deve ser aplicada aos valores em disputa judicial ou arbitral?

Juros e litigância: Selic versus 1%

Qual a mais adequada taxa de juros que deve ser aplicada aos valores em disputa judicial ou arbitral?