Paulo Cesar Conrado

Victor Hugo Macedo do Nascimento

Certa vez, o líder comunista Lenin, ao comentar sobre os acontecimentos que envolviam a Revolução Russa de 1917, disse que existiam “décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem” para se referir aos episódios que se sucederam naquele determinado período da história.
Nos últimos meses, em que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ficaram impedidos de se reunirem fisicamente em razão da pandemia da Covid-19, uma verdadeira revolução silenciosa ocorreu na Suprema Corte, alterando de forma substancial as tradições e o ritmo de seu trabalho.
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Parte dessa mudança transcorre dada a possibilidade de temas submetidos à repercussão geral serem analisados em sessões virtuais, sem que os ministros tenham que se reunir em sessões presenciais para discutir determinada controvérsia jurídica.
Como resultado dessa mudança, nos dez primeiros meses desse ano foi julgado o mérito de 115 temas, enquanto nos anos de 2019 e 2018 esses números foram, respectivamente, de 32 e 27, conforme relatório disponibilizado pelo próprio Supremo.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Especificamente sobre matéria tributária, estudos preliminares apontam que os julgamentos nesse ano podem ser equivalentes à soma dos últimos doze anos.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Foram ao menos 20 temas julgados pelo STF, muitos dos quais permaneciam aguardando julgamento por mais de dez anos – como ocorrido, por exemplo, com os temas 160<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> e 176,<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> cuja análise de mérito pendia de análise desde 2009.
<blockquote class="jota-article__eye">No entanto, apesar dos avanços do Tribunal para a redução de seu estoque, particularmente o que envolve matéria tributária, não são poucas as críticas decorrentes desse novo mecanismo de julgamento.</blockquote>
Grandes nomes da advocacia, incluindo ex-ministros da própria Corte, chegaram a endereçar uma Carta<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> ao então presidente Dias Toffoli questionando essas alterações e requerendo mudanças que resguardassem os princípios da ampla defesa, contraditório e publicidade, especialmente para evitar situações em que o julgamento “não pode ser acompanhado pelo advogado enquanto se realiza”, em “que não [se] admite a interferência do advogado, seja para realizar sustentação oral ao vivo, seja para pedir a palavra para realizar esclarecimentos sobre matéria de fato”.
Todas as colocações postas nos parecem de grande pertinência e podem auxiliar em muito no aprimoramento do atual sistema vigente. No entanto, não se pode negar as melhoras advindas dessas alterações.
Como toda mudança que ocorre de forma muita abrupta, é natural que sobrevenham reações por parte daqueles que até então se beneficiaram do status quo, lucrando com a litigância e a insegurança jurídica em matéria tributária. Exemplo: empresas que até então se beneficiaram desse ambiente para obter vantagens tributárias e competitivas em relação a seus concorrentes, hoje naturalmente temem serem instadas a pagar vultosas quantias decorrentes de anos de aproveitamento de uma condição tributária posteriormente reconhecida como indevida.
Da mesma forma, advogados que aproveitaram o momento para vender ações com o objetivo de resguardar eventuais interesses de seus clientes na recuperação de créditos tributários, muitas vezes sendo remunerados de acordo com êxito obtido nessa ação, naturalmente ficam apreensivos com uma possível redução no número de processos de suas carteiras, bem como nos eventuais ganhos que poderiam daí advir.
Todavia, apesar do sempre legítimo direito de se questionar e participar do debate público, é necessário também buscar ver o problema de forma mais ampla, até mesmo para que possamos compreender e absorver os inúmeros benefícios gerados aos contribuintes e à sociedade por força do encerramento de uma lide e, por consequência, de uma controvérsia jurídica em matéria tributária.
Isso porque o contribuinte que hoje se depara com uma situação de insegurança financeira decorrente de um julgamento pelo Supremo, provavelmente se aproveitou durante anos de uma vantagem tributária em relação aos seus concorrentes, possivelmente obtendo maior penetração em determinado mercado e/ou margens de lucro maiores. O encerramento de uma lide, nesse contexto, nada mais representa que uma equiparação jurídico-econômica desse contribuinte em relação a seus concorrentes.
Adicionalmente, o encerramento de controvérsias jurídico-tributárias traz segurança, criando ambiente de negócios mais favorável à participação de novos agentes econômicos. Um empresário que busque desenvolver determinada atividade econômica necessariamente precisará planejar e estimar quais serão as suas receitas, custos e despesas, de forma que possa analisar a viabilidade desse negócio para gerar lucro e retornar o capital investido – o confronto com a incerteza sobre a tributação incidente nesse investimento/operação, porém, precipita o abandono de projetos ou, na melhor das hipóteses, reduz os investimentos originalmente pretendidos.
Em outras palavras, o encerramento de determinada controvérsia jurídico-tributária se traduz em um cenário de neutralidade fiscal, de livre concorrência e de segurança jurídica.
Dentro dessa perspectiva, ao se levantar questionamentos sobre a efetividade (e continuidade) dos julgamentos virtuais, devem ser considerados não apenas os efeitos para as partes litigantes, mas também os aspectos positivos para a coletividade, sobretudo os que se projetam sobre os agentes econômicos que podem não estar envolvidos diretamente nesses processos, mas que são impactados negativamente com a postergação desarrazoada dessas controvérsias.
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O episódio 43 do podcast Sem Precedentes analisa a nova rotina do STF, que hoje tem julgado apenas 1% dos processos de forma presencial. Ouça:
https://youtu.be/a6M2upbiCFY
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt;<a href="http://portal.stf.jus.br/repercussaogeral/">http://portal.stf.jus.br/repercussaogeral/</a>&gt;. Acesso em 26 de outubro de 2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: &lt;https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abdf/12-anos-em-1-o-plenario-virtual-do-stf-e-o-furacao-de-precedentes-tributarios-10082020&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Contribuição previdenciária sobre pensões e proventos e militares inativos entre a Emenda Constitucional nº 20/98 e a Emenda Constitucional nº 41/2003.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Inclusão dos valores pagos a título de “demanda contratada” na base de cálculo do ICMS sobre operações envolvendo energia elétrica.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Disponível em: &lt;https://www.jota.info/stf/do-supremo/advogados-dentre-os-quais-6-ex-ministros-do-stf-peticionam-contra-plenario-virtual-16042020&gt;.

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JOTA

A pauta do Supremo e os princípios da razoável duração, ampla defesa, segurança jurídica e livre concorrência

Julgamentos tributários virtuais no STF

A pauta do Supremo e os princípios da razoável duração, ampla defesa, segurança jurídica e livre concorrência