Vasi Werner

O CNJ divulgou a minuta de uma nova resolução que irá inaugurar a possibilidade de permuta entre juízes de direito de Estados diferentes. “Legal!”, dirão os juízes do Brasil inteiro. “Quero morar em Floripa!” Ou no Rio, ou em Sampa, ou perto de uma praia nordestina. O que pode significar esse documento?
Sem falar nas questões jurídicas que se levantam em face da pretensa medida no plano administrativo (vencimentos, inserção em quadros de carreira, direitos adquiridos, sistemas de previdência, posição na antiguidade, requisitos de merecimento), a minuta pode revelar mais um movimento em direção à nacionalização do Judiciário, que já fora verbalizada em outras ocasiões e concretizada em diversas normas.
No julgamento da ADI nº 3.367, em que o Supremo declarou a constitucionalidade do CNJ, o ministro Peluso afirmou o “caráter nacional da magistratura” e desde a Reforma do Judiciário e a criação do CNJ, diversas medidas de uniformização do tratamento da magistratura e dos judiciários estaduais vêm sendo adotadas a partir do Planalto Central.
Tais medidas são amparadas em resoluções do CNJ, ou seja, um órgão da União, composto por membros indicados por Tribunais da União, pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, câmaras do Congresso Federal, pelo Ministério Público Federal e pelo Conselho Federal da OAB.
Muitos dirão que temos um direito nacional e, portanto, a estrutura burocrática para sua aplicação também deveria ser nacional. É um forte argumento e por isso a hierarquização das decisões obtida com a Reforma de 2004 e com a instituição das súmulas vinculantes, da ADC e da ADPF. As decisões de qualquer juiz em qualquer canto do Brasil já podem ser controladas, via infindáveis recursos, por nossos tribunais superiores e pelo STF, mas quanto à administração dos tribunais e às peculiaridades de questões locais, isso é novidade.
Brasília passou a determinar que todos os tribunais do país, mesmo aqueles que integram poderes de unidades federadas, os tribunais de Justiça e os juízes de direito, sigam as mesmas regras em relação a: (i) de que modo serão estruturados os cargos do judiciário estadual, (ii) como deve ser a organização das varas e juízos, independentemente das características das demandas em cada Estado; (iii) como devem ser movimentados os juízes pelos cargos vagos e quais devem ir auxiliar o julgamento de recursos e a administração dos tribunais; (iv) como devem ser organizados os serviços extrajudiciais; (v) como devem ser os concursos; (vi) quais devem ou não ser promovidos; (vii) como devem ser os plantões e muito mais. Todos os aspectos da administração do Poder Judiciário dos Estados estão concentrados em Brasília. Não é preciso muito para concluir que 15 pessoas (os membros do CNJ) ou 25 se contarmos com os membros do STF passam a dar as cartas no que se refere a uma ampla parcela do Poder dos Estados e a mais de 17 mil  juízes.
A capacidade de o CNJ editar atos normativos para vincular os tribunais do país já foi confirmada pelo STF no julgamento da Resolução que proibiu o nepotismo. Louvável. Essa medida exemplar parece justificar que o CNJ continue a corrigir os problemas no Judiciário pelo Brasil afora. Será?
Os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte em 1987 e 1988 resolveram que a República seria Federativa, composta pela união indissolúvel de Estados, municípios e Distrito Federal. Resolveram também (após chegarem a considerar a criação de um Judiciário uno, apenas com juízes da União), que cada Estado seria formado por 3 Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Até que ponto uma determinação de Brasília vincula o Estado de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de Minas Gerais? E os estados do Piauí ou do Acre ou do Maranhão?
Há um espaço de competências entre os entes federativos que foram distribuídas pelos constituintes por duas razões principais: eficiência e estratégia de divisão de poder. Como pesá-las? A eficiência sempre justificará a invasão de competências deixadas por eles aos Estados? O fenômeno do agigantamento da União na Federação vem sendo observado há anos. Será a unificação do Judiciário mais um reflexo dessa tendência? Queremos dar a Brasília, à presidente, ao Congresso Nacional e ao Supremo os botões de comando de tudo o que há no País? Não terão sido sábios o suficiente os idealizadores das federações ao criar um mecanismo para evitar uma concentração excessiva do poder no governo central? É claro que não queremos que a República Velha se repita e sejamos todos dominados por oligarquias locais intransponíveis, mas a solução que adotamos desde 1934 com a convivência entre uma Federação de Estados com tríplice repartição de funções e um estatuto constitucional para a magistratura não concilia esses interesses? Os Estados são iguais ou devem ser tratados igualmente conforme suas diferenças? O Amapá precisa de juízes com o mesmo perfil de um juiz paulista?
O próximo passo deverá ser a unificação e nacionalização dos concursos para a magistratura, possibilidade que também já foi verbalizada por antigos conselheiros do CNJ. Os programas dos concursos já estão unificados pela Resolução nº 75 do CNJ e os dos cursos de formação de juízes pela Escola Nacional da Magistratura, também de Brasília. Teremos juízes pensando da mesma forma do Oiapoque ao Chuí e do rio Moa à Ponta do Seixas. É o que o povo quer? Não é apenas alguém que o entenda?

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JOTA

O que a permuta entre juízes de direito de Estados distintos pode significar para a divisão federativa.

Juízes de Direito federais?

O que a permuta entre juízes de direito de Estados distintos pode significar para a divisão federativa.