Paulo Henrique Ligori Figueiredo

Douglas Mota

Priscila Faricelli

Com a promulgação das Leis Complementares 192 e 194 em 2022 (LC 192 e LC 194), o Congresso Nacional trouxe algumas balizas para os estados no que diz respeito à incidência do ICMS sobre produtos essenciais, em especial os combustíveis, a energia elétrica e os serviços de telecomunicações e transporte coletivo.
Em meio às diversas alterações (dentre as quais se destacam a limitação das alíquotas dos produtos essenciais e a tentativa de implementar a monofasia do ICMS para combustíveis), a LC 194 determinou que as tarifas decorrentes dos serviços de transmissão e distribuição de energia elétrica (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tust">TUST</a> e <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tusd">TUSD</a>) não sofreriam a incidência do ICMS.
Entretanto, pouco antes da publicação da LC 194, a Presidência da República ajuizou Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 984 em face das legislações dos estados e do Distrito Federal que estipularam alíquotas de ICMS sobre combustíveis superiores à alíquota padrão de cada estado.
Por sua vez, alguns estados moveram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7191 em face da LC 192, arguindo que a monofasia do ICMS traria grandes impactos para suas contas públicas.
Veja-se que, inicialmente, não houve qualquer questionamento acerca da não incidência do ICMS sobre a TUST e a TUSD. Afinal, ambas as ações (ADPF 984 e ADI 7191) contestaram apenas a LC 192, pois foram ajuizadas antes da publicação da LC 194.
Ocorre que a LC 194 trouxe mais temores sobre as contas dos estados, de modo que o ministro Gilmar Mendes, relator de ambas as ações, optou por convidar os litigantes (isto é, os estados e a União) para uma grande conciliação, envolvendo tanto a LC 192 quanto a LC 194.
Dentre os pontos que foram trazidos para a conciliação, a questão envolvendo a não incidência do ICMS sobre a TUST e a TUSD veio à tona. Então, os litigantes optaram por instituir um “grupo de trabalho” para discutir o assunto, composto apenas pelos próprios entes federativos. Ainda, indicaram não se opor à concessão de medida cautelar para suspender a não incidência do ICMS sobre a TUST e a TUSD, que vinha sendo discutida em outra ADI, a 7195, relatada pelo ministro Luiz Fux.
Ato contínuo, no âmbito da mencionada ADI 7195, o ministro Fux concedeu a cautelar pleiteada, arguindo que a União teria “exorbitado seu poder constitucional” ao dispor sobre os elementos que compõem a base de cálculo do ICMS. Ou seja, teria ocorrido um suposto excesso do legislador complementar, que serviu de “fumaça do bom direito” para fundamentar a medida cautelar. A cautelar deferida foi referendada pelo plenário do STF.
Ocorre que incumbe precisamente à lei complementar, segundo a Constituição Federal, estabelecer normas gerais em matéria tributária, dentre as quais a definição sobre seus fatos geradores e sobre suas bases de cálculo. Inclusive, especificamente sobre o ICMS, o texto constitucional prevê que cabe à lei complementar fixar a base de cálculo.
Como se isso não bastasse, é falacioso o argumento de que a União teria se imiscuído na competência dos estados ao dispor sobre tributos de competência estaduais. Isso porque as leis emanam do Congresso Nacional, que é caracterizado pelo seu bicameralismo, isto é, sua divisão em duas casas, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Nessa divisão, o Senado é composto por representantes dos estados e do Distrito Federal, sendo conferido a cada estado a possibilidade de eleger três senadores.
Isso significa que, quando uma lei é publicada, os estados foram devidamente representados ao longo do processo legislativo prévio. No caso das leis complementares, a situação fica ainda mais evidente, dado que exigem um quórum diferenciado, sendo apenas aprovadas pela maioria absoluta do Congresso Nacional.
No mérito da discussão, sempre foi bastante controversa a questão sobre a incidência do ICMS sobre a TUST e a TUSD. De um lado, entende-se que são tarifas relacionadas a serviços e que não podem ser incluídos na base de cálculo do ICMS, pois não haveria previsão legal para tal. De outro, há quem entenda que os serviços devem ser incluídos no preço da operação com energia, pois compõem o seu valor.
Há decisões do STJ em ambos os sentidos, razão pela qual a 1ª Seção daquela corte se propôs a definir o tema, sob o rito dos recursos repetitivos. Mas o fato é que a LC 194 trouxe um componente extra à discussão, determinando definitivamente a impossibilidade de cobrança do ICMS sobre tais valores.
A despeito disso, vê-se que, no afã de conciliar os interesses divergentes da União, estados e municípios, o STF está prestes a solapar o que há de mais elementar no Estado democrático de Direito: a representatividade do cidadão no Congresso Nacional e a primazia da lei.
É dizer, o Judiciário se sentou numa mesa de negociação com o Executivo, mas se esqueceu de convidar o legislador, que representa diretamente os interesses da sociedade, que é quem contribui com os cofres públicos. Isso representa uma total afronta à lógica de que a tributação apenas deve decorrer da lei (“no taxation without representation”), além de colocar em xeque a separação dos Três Poderes.
A propósito, o STF sempre alegou que a questão dizia respeito à legislação infraconstitucional. Agora que uma nova lei – igualmente infraconstitucional – dispôs sobre o tema, eles avocaram a competência para julgá-lo?
Com isso, resta-nos esperar que os demais ministros da nossa Suprema Corte deem o devido respeito à lei complementar, para que o contribuinte não seja obrigado a suportar o pagamento de tributos ainda maiores sobre suas faturas de energia elétrica.

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JOTA

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