Marjorie Marona
Professora da UFMG, coordenadora do Observatório da Justiça no Brasil e na América Latina e pesquisadora do INCT-IDDC. Graduada e mestre em direito, possui doutorado em ciência política. É coorganizadora de “Democracia e justiça na América Latina: para onde vamos?” e coautora de “A política no banco dos réus: a Lava Jato e a erosão da democracia no Brasil”.
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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acaba de barrar a candidatura de José Roberto Arruda (PL) a deputado federal, acolhendo, por unanimidade, o recurso do Ministério Público Eleitoral contra a decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF). O TSE ainda não tem data, no entanto, para julgar a candidatura de Eduardo Cunha (PTB), também para deputado federal, por São Paulo. Cunha teve o mandato cassado pelo plenário da Câmara dos Deputados em 2016 e Arruda foi condenado pelo TJDF por improbidade administrativa, em 2009. De acordo com a legislação eleitoral, esses eventos poderiam impactar a elegibilidade de ambos, mas até aqui os desfechos são distintos.
A análise das candidaturas às eleições é uma das muitas atribuições da Justiça Eleitoral no Brasil. Talvez a mais importante, quando se considera o impacto que pode exercer sobre a dinâmica da disputa eleitoral e sobre seu resultado. Neste ano, a Justiça Eleitoral recebeu um total de 29.261 pedidos de registro de candidaturas, somados todos os cargos em disputa: presidente e vice, governador(a) e vice, senador(a) e suplentes, deputado(a) federal, estadual e distrital. Quase 93% do total de candidaturas apresentadas (27.174) foram aprovadas. Dentre as 2.087 consideradas inaptas, foram, de fato, indeferidas apenas 1.036 candidaturas – 3,5% do total.
Embora o número de candidaturas apresentadas à Justiça Eleitoral venha aumentando eleição após eleição, os indeferimentos seguem tendência oposta: já estiveram quase na casa dos 3.000 em 2010. O gráfico abaixo apresenta a evolução.
Gráfico 1: Evolução da apresentação e indeferimento de candidaturas (n) na Justiça Eleitoral por eleição (2010-2022)
É difícil apontar uma única causa para isso. O desempenho da Justiça Eleitoral é impactado por fatores institucionais e pelo perfil dos magistrados, mas também pela dinâmica de mobilização estratégica dos tribunais que extrapola seus quadros e convida a observar fatores sociopolíticos e econômicos da própria disputa eleitoral. Vale a pena, contudo, observar os principais motivos do indeferimento e a distribuição regional, partidária e por cargos do impacto das decisões judiciais que enterram as candidaturas para levantar, pelo menos, algumas hipóteses sobre a judicialização das candidaturas no Brasil.
Em todas as regiões do país, os indeferimentos recaem sobretudo sobre as candidaturas a cargos proporcionais: 53,48% das decisões barraram candidaturas a deputado estadual (553) e 40,23% impediram que candidaturas a deputado federal vingassem (416). Trata-se, obviamente, de um volume maior de candidaturas quando comparadas às majoritárias (presidente e vice, governador e vice, senador e suplentes). Foram apresentadas em 2022, por exemplo, 10.629 candidaturas às 513 vagas para deputado federal e 16.737 candidaturas às 1.035 vagas para deputado estadual, e apenas 13 para a vaga de presidente, 224 para as 27 vagas de governador e 245 para as 27 vagas no Senado.
Ademais, os cargos em disputa não estão igualmente distribuídos no território; tampouco as candidaturas. Comparativamente, no Centro-Oeste a concorrência é mais acirrada para deputado federal, enquanto no Sudeste a disputa para um cargo de deputado estadual se destaca como a mais competitiva do país.
Quadro 1: Competitividade e padrão de atuação da Justiça Eleitoral por região para os cargos de deputado federal e deputado estadual (2022)
Candidaturas/Vagas
Indeferimento (%) |
Norte | Nordeste | Centro-Oeste | Sudeste | Sul |
Deputado federal | 19,7 | 19,8 | 22,6 | 21,9 | 19,3 |
13,8% | 49,3% | 7,17% | 23,4% | 6,25% | |
Deputado estadual | 16,0 | 12,4 | 17,1 | 20,8 | 15,7 |
19,4% | 39,8% | 8,9% | 24,3% | 7,36% |
Fonte: TSE
Os indeferimentos de candidaturas da Justiça Eleitoral, no entanto, se concentraram na região Nordeste (452), acumulando 49,3% do total de indeferimentos de candidaturas a deputado federal e 39,8% das vedações das candidaturas a deputado estadual.
A região Centro-Oeste, que apresenta cenário altamente competitivo na disputa dos cargos de deputado federal, sofreu baixa intervenção da Justiça Eleitoral no registro das candidaturas: do total de indeferimentos para o cargo, apenas 7,17% foram proferidos na região.
O Sudeste, por sua vez, onde a disputa é quente para deputado estadual, recebeu atenção destacada no registro das candidaturas pela Justiça Eleitoral – atrás apenas do Nordeste –, acumulando 24,3% do total de indeferimentos de candidaturas a deputado estadual. Ao que tudo indica a concorrência eleitoral não tem qualquer impacto sobre o padrão de atuação da Justiça Eleitoral no que diz respeito ao julgamento das candidaturas.
O PROS foi o partido mais atingido pelos indeferimentos de candidaturas proporcionais: 104 para deputado estadual e 43 para deputado federal. O PMB e o PRTB também tiveram baixas consideráveis nas candidaturas para deputado estadual. Dentre os grandes partidos, apenas PL e PP, com 61 e 54 indeferimentos de candidaturas a deputado federal, respectivamente, figuram no rol dos mais atingidos. PDT, PSD, PT e Republicanos tiveram, cada um, em torno de 20 candidaturas a deputado federal atingidas pela Justiça Eleitoral. O PSDB, por sua vez, viu 23 candidaturas a deputado estadual serem indeferidas, embora apenas 9 para deputado federal tenham sido barradas. Já o MDB teve apenas 23 candidaturas indeferidas, sendo 18 a deputado federal e 5 a deputado estadual.
Gráfico 2: Candidaturas (deputado federal e deputado estadual) indeferidas por partido (2022)
Os principais motivos de indeferimento e/ou cassação das candidaturas pela Justiça Eleitoral são a ausência de requisito de registro (806), seguido pelo indeferimento de partido, federação ou coligação (198). Juntas, representam 93,66% das razões legais que subsidiaram as decisões de indeferimento e/ou cassação de candidatura. A Lei da Ficha Limpa, portanto, está longe de ser o principal motivo de indeferimento das candidaturas na Justiça Eleitoral. Neste ano, apenas 5,5% dos indeferimentos, totalizando 59 decisões, apoiaram-se naquela legislação.
Quando se observam os motivos de indeferimento para as candidaturas de deputado/a federal e deputado/a estadual por partido político, seguem se destacando negativamente o PROS e o PRTB nos dois seguimentos de candidaturas e fundamentalmente em razão da ausência de requisito de registro e indeferimento de partido, federação ou coligação. Esses dados sugerem que os partidos políticos menos estruturados encontram maiores dificuldades no processamento adequado do registro das candidaturas. A hipótese é, portanto, a de que por serem menos profissionalizados sofrem mais com a burocracia que envolve o registro das candidaturas.
Gráfico 3: Principais motivos de indeferimento de candidaturas (deputado estadual e federal) por partido (2022)
Quando se observam apenas os motivos de indeferimento relacionados à conduta pretérita dos candidatos (ficha limpa, abuso de poder e conduta vedada), independentemente do cargo, o cenário é bastante diferente: Republicanos e Solidariedade são os mais atingidos, seguidos do PRTB – que parece enfrentar dificuldades também de ordem operacional – e do PSD. Destacam-se também o PTB e o PL, com três candidaturas cada um barradas em função da ficha limpa.
Gráfico 4: Motivos de indeferimento (conduta dos candidatos) por partido (2022)
Por fim, vale a pena observar a capacidade dos partidos reagirem às decisões da Justiça Eleitoral no que diz respeito às candidaturas apresentadas. Do total de 1.036 candidaturas indeferidas, 791 seguem adiante pendendo de julgamento de recurso, o que equivale a 76,3%. Isso significa que muito provavelmente candidatos eleitos (nas urnas) poderão não assumir em razão de decisão judicial posterior. Ainda que o volume de candidaturas que chegam precariamente às urnas possa parecer inexpressivo diante do todo – apenas 2,7% –, a capacidade de sustentar um processo judicial não é igual para todos(as).
Mais da metade dos recursos (53,73%) dizem respeito às candidaturas a deputado estadual. Em seguida vêm os recursos contra indeferimento de candidaturas a deputado federal (36,54%). O PROS é o segundo partido mais combativo, respondendo por 68 recursos – atrás apenas do PCO (71), o que chega a ser curioso já que este último não figura na lista dos mais atingidos pela atuação da Justiça Eleitoral.
É interessante observar, ainda, que a Lei da Ficha Limpa, que embasa um percentual inexpressivo de indeferimentos, mobiliza um volume expressivo de recursos. Quase 15% do total de recursos impetrados dizem respeito a indeferimentos baseados naquela legislação. Isso sugere a persistência do incômodo gerado na interseção entre a agenda anticorrupção e a soberania popular.
Por fim, existem as candidaturas que foram deferidas na origem, mas pendem de decisão definitiva do TSE, em razão de recurso impetrado, geralmente, pelo Ministério Público Eleitoral. Se Arruda foi retirado desse grupo, Cunha segue nessa situação. Como ele, mais 22 candidatos a deputado federal, 31 a deputado estadual, quatro a governador e três ao Senado aguardam decisão definitiva da Justiça Eleitoral sobre suas candidaturas.
Dentre os 54 candidatos ao Legislativo federal que ainda lutam por autorização judicial para disputar as eleições, 5 buscam reeleição: Arthur Lira (PP-AL) é um deles. Aqui é briga de cachorro grande, os partidos mais tradicionais aparecem: PL (10), MDB (6), PP (6), PSD (5) e União Brasil (5) são os mais atingidos. No entanto, a judicialização das candidaturas convida a reflexões mais complexas acerca da interferência da Justiça Eleitoral na disputa e no resultado das eleições. É a estrutura partidária, que impacta no nível de profissionalização das agremiações, que parece ser o mais forte indutor da primeira vitória eleitoral de qualquer candidato, aquela que vem dos tribunais e não das urnas: o deferimento do registro de sua candidatura.
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Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br