Pedro Henrique Pessanha Rocha

Em 1966, a Revista Time afirmou que “a compra a distância, apesar de ser completamente possível, irá fracassar – porque a mulher gosta de sair de casa, segurar a mercadoria, gosta de estar apta a mudar sua intenção”. Dados da E-bit apontam que, apenas no Brasil, foram movimentados por meio do comércio eletrônico R$ 43 bilhões em 2015. Mito superado.
Na última quinta-feira, dia 31 de março de 2016, o Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão que possui a finalidade de formular a política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do País, aprovou a Resolução nº. 4.474. Essa norma dispõe sobre a digitalização de documentos (e a sua gestão) relativos às operações e às transações realizadas pelas instituições financeiras e pelas demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (BACEN), bem como sobre o procedimento de descarte das matrizes físicas dos documentos digitalizados e, portanto, o seu armazenamento eletrônico.
A Medida Provisória nº. 615 de 2013, convertida na Lei nº. 12.865, em seu artigo 23, já dispunha que “Nas operações e transações realizadas no sistema financeiro nacional, inclusive por meio de instrumentos regulados por lei específica, o documento digitalizado terá o mesmo valor legal que o documento que lhe deu origem, respeitadas as normas do Conselho Monetário Nacional”. Mas faltava uma regulamentação para isso.
A norma editada pelo CMN na semana passada traz, portanto, maior segurança jurídica aos atos e aos negócios formalizados por meio eletrônico. O seu artigo 4º estabelece que os procedimentos e as tecnologias utilizados na digitalização de documentos e na manutenção desses acervos digitalizados devem assegurar: (i) integridade, autenticidade, confidencialidade e possibilidade de rastreamento do documento digitalizado; (ii) proteção do documento digitalizado contra o acesso, o uso, a alteração, a reprodução e a destruição não autorizados; (iii) rastreamento e auditoria dos procedimentos empregados; (iv) padrão de qualidade da imagem do documento digitalizado que garanta a sua legibilidade e uso; e (v) indexação que possibilite a localização, o gerenciamento e a preservação do documento digitalizado, bem como posterior conferência da regularidade das etapas do processo adotado.
A norma também estabelece que deve ser utilizado o padrão de assinaturas digitais legalmente aceito para assegurar a autenticidade e a integridade do documento digitalizado.
A partir de agora, as instituições financeiras poderão descartar o documento original após a sua digitalização, respeitadas as leis que regem cada operação que deu origem ao documento. Assim, previamente ao descarte as instituições devem averiguar se a eliminação do documento origem poderá, direta ou indiretamente, impedir, prejudicar, dificultar ou mitigar, por qualquer forma, a tutela judicial ou extrajudicial dos direitos e dos interesses que decorram, direta ou indiretamente, do documento origem, inclusive no que diz respeito à produção de provas.
As instituições financeiras necessitarão, contudo, de estabelecer bons planos de classificação, sistemas de informática modernos e de eficientes tabelas de temporalidade, que assegurem a adequada gestão e descarte documental conforme estabelecido na resolução e na legislação arquivística vigente. De modo geral, o setor financeiro com conta com um eficiente aparato de gestão documental. Ademais, a norma garante, por exemplo, que a abertura de uma conta corrente seja mais ágil e tão segura quanto a efetuada por meio de papéis.
Assim o suporte digital passa a ser integrado aos demais que já eram aceitos pelo ordenamento jurídico vigente, pelo menos no que se refere às instituições financeiras. De acordo com a Lei nº. 8.159 de 1991, consideram-se arquivos, para os fins desta Lei, os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades privadas, em decorrência do exercício de atividades específicas, bem como por pessoa física, qualquer que seja o suporte da informação ou a natureza dos documentos.
Percebe-se, assim, que a norma autoriza a digitalização, mas o mais importante é a preservação da autenticidade e da veracidade da informação contida no suporte, seja ele o papel, o microfilme, a fotografia ou o documento digitalizado.
A norma também bebeu dos fundamentos da ciência arquivística focando a estrutura formal do documento, consoante os preceitos da diplomática, bem como a lógica orgânica dos conjuntos documentais, respeitando também o objeto da tipologia documental.
Por fim, esse é mais um passo do Estado brasileiro em prol do reconhecimento de que as tecnologias atuais permitem garantir a segurança, o sigilo, a qualidade, a integridade, confiabilidade e eficiência na recuperação de informações e gestão de arquivos digitalizados.
Essa percepção gera benefícios tanto para o mercado, que poderá otimizar a alocação de recursos econômicos, quanto para o Estado que certamente poderá ganhar ainda mais eficiência na execução de seu papel de fiscalizador, sem falar nos consumidores que terão acesso a serviços de maior qualidade e eficiência.
Logo, é possível ousar a dizer que, em época em que as fintechs crescem em um ritmo acelerado em todo o planeta, esse avanço regulatório nos sinalize que o Estado precisa cada vez mais estimular que o sistema financeiro nacional continue dedicando seus melhores esforços e consideráveis investimentos em tecnologias que facilitem e as relações comerciais.
Esse foguete já decolou. Não podemos apostar como o New York Times, em 1936, que “um foguete jamais será capaz de deixar a atmosfera da Terra”.
Afinal de contas, quem é que não gosta de superar mitos?

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JOTA

A regulamentação do CMN sobre digitalização de documentos

Superando mitos

A regulamentação do CMN sobre digitalização de documentos