Rebeca Drummond de A. Müller

As finanças estão seguindo um fluxo de significativas mudanças, prova disso é o novo mercado bancário que surge junto com a recente onda de imigração nos Estados Unidos e Europa. Com os obstáculos burocráticos impostos pelos bancos tradicionais, abrir uma conta, ou solicitar um crédito, pode ser um desafio para a maioria dos cidadãos. 
Logo no início, é preciso encarar uma extensa lista de documentos e comprovantes das mais variadas naturezas. Sem as papeladas necessárias, somada à ausência de crédito na praça, a jornada é sofrível para um imigrante. Contudo, o novo marco estabelecido pelas inovações tecnológicas tem revolucionado a forma com a qual as instituições financeiras lidam com tais operações. Bancos como o Neighborhood Trust Federal Credit Union, em Nova York, o Monese, em Londres, e até mesmo startups como a Oportun, inauguram um novo tempo onde se tornou possível dispensar as papeladas e emprestar dinheiro de forma simplificada aos imigrantes que precisam recomeçar a vida no novo país. No pacote, além do empréstimo, workshops sobre educação financeira e investimentos são oferecidos.  
Essa introdução é para demonstrar como atores têm surgido para enfrentar os grandes jogadores que há décadas controlam determinados campos. Segundo Moisés Naím, em sua obra "O Fim do Poder", em um passado não tão distante o placar desse jogo já estaria definido de forma favorável ao rival dominante e poderoso, o qual rapidamente esmagaria o despreparado novato. Hoje, os ventos têm soprado em outra direção e atingem a escala geopolítica pela primeira vez.
Apesar da perspectiva macroeconômica, não é exagero comparar esse fenômeno do surgimento de "micro poderes" com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS,  bloco econômico concebido em 2009 e que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O NBD veio para complementar o eixo financeiro global dominado por Estados Unidos e Europa através de suas lideranças no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional, organizações internacionais criadas no pós-guerra a partir do Acordo de Bretton Woods e  acusadas  de não darem voz às economias emergentes.
Com um capital inicial de 50 bilhões de dólares - US$ 10 bilhões em recursos e US$ 40 bilhões em garantias -, o banco dos BRICS, como tem sido chamado, não pretende financiar apenas projetos de seus fundadores, mas também fomentar obras de infraestrutura e desenvolvimento sustentável em países emergentes, membros das Nações Unidas. O Acordo Constitutivo do Novo Banco de Desenvolvimento, assinado pelo bloco na VI Cúpula dos BRICS, em julho de 2014, sediada em Fortaleza/CE, destaca que a nova instituição multilateral complementará as já existentes através do uso de instrumentos financeiros para apoio de projetos públicos ou privados. Na mesma oportunidade, o Tratado para Estabelecimento do Arranjo Contingente de Reserva dos BRICS foi firmado para criar um fundo para momentos de crise econômica, com aportes de US$ 41 bilhões da China, US$ 18 bi do Brasil, Índia e Rússia (cada), e US$ 5 bi da África do Sul.
A criação do banco foi aprovada em 2012 e sua sede foi inaugurada em julho de 2015, em Xangai. Com relação à estrutura, definida também em 2015, na VII Cúpula dos BRICS, na cidade russa de Ufa, o conselho de governadores é composto pelas autoridades fazendárias de cada um dos membros fundadores, e o conselho de diretores é formado pelo presidente do NBD e seus quatro vice presidentes, os quais representarão cada um de seus países. Além disso, ficou acordado que, diferentemente do Banco Mundial e FMI, cada membro terá o mesmo poder de voto dentro do banco, sem direito a veto.
A presidência é rotativa, e o primeiro mandato, estipulado em cinco anos, não renováveis, é do indiano Kundapur Vaman Kamath, ex-presidente de uma das maiores instituições financeiras privadas da Índia. Uma das vagas da vice-presidência foi preenchida pelo economista e ex-diretor executivo do FMI, Paulo Nogueira Batista, conhecido por defender pautas desenvolvimentistas.
A aposta é audaciosa, e Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul precisam atentar para o peso do gerenciamento de uma instituição desse porte. O banco do BRICS se apoiará na gestão de empréstimos soberanos através dos bancos nacionais de desenvolvimento de cada um dos países-membros. No Brasil, por exemplo, um acordo de cooperação já foi assinado com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Outra estratégia de captação monetária consistirá na emissão de bônus e swaps cambiais.
Para ilustrar, a África do Sul já sinalizou que pedirá US$ 250 milhões para investimentos direcionados ao setor elétrico. Nada obstante, os primeiros financiamentos estão previstos para serem anunciados em abril, quando da próxima reunião do conselho de diretores. Por ora, o foco inicial será em projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável de cada um dos membros do bloco.
É a África do Sul, uma das maiores potências industriais do continente africano, que sediará, em Joanesburgo, uma das filiais do Banco, o Centro Regional da África. Pravin Gordhon, atual ministro das finanças, anunciou, semana passada, que o primeiro aporte de US$ 132 milhões foi transferido em dezembro de 2015. A sede será inaugurada em abril e promete ser uma ponte para o acesso de investidores e instituições africanas no mercado financeiro global.
Juntos, os cinco países do BRICS representam aproximadamente 46% da população mundial e são responsáveis por mais de 25% do PIB global. Apesar dos números expressivos, o momento é de desaceleração do ciclo das commodities, o que tem afetado substancialmente as economias russa, brasileira e sul africana, somadas as últimas revisões das notas de crédito desses três países, fatores que exigem do grupo uma atuação firme e cautelosa em busca de uma nota de rating satisfatória para o NBD. De acordo com Paulo Nogueira Batista, a primeira emissão será em iuanes, moeda chinesa que tem ganhado força no mercado financeiro. 
Sobre o Brasil, ainda pesam os escândalos de corrupção, que atingem as maiores empreiteiras nacionais, e a falta de um ajuste fiscal convincente. A África do Sul temia um novo downgrade pelas agências de classificação de risco, mas as medidas fiscais anunciadas pelo ministro das finanças, no último dia 24, em seu discurso de apresentação do orçamento público para 2016, acalmaram as animosidades do mercado. Atualmente, China, segunda maior economia do mundo, e Índia, parecem mostrar o melhor desempenho econômico, mesmo diante do desaquecimento das commodities e da queda dos preços do petróleo. Kamath, presidente do Banco, afirma que o déficit da Índia está sob controle e o país espera um crescimento de 7% para esse ano.
O Novo Banco de Desenvolvimento é, sem dúvidas, a concepção de uma nova política internacional com capacidade de apresentar ao mercado financeiro global, hoje dominado pelo Banco Mundial e FMI, uma nova opção. E opção não faz mal. É uma iniciativa nobre, mas é preciso assegurar rapidez na análise de empréstimos. Também é fundamental o cumprimento das regras de transparência entre os contratos de fomento e o afastamento de ideologias apaixonadas, hábeis a minar o propósito de cooperação da instituição e a transformá-la em um palanque revolucionário ou de supremacia de algum dos países-membros sobre outros, daí a importância do mesmo poder de voto dentro do board do NBD.
No mais, essa corrida tem tudo para ser ainda mais interessante após algumas mudanças estruturais inéditas efetuadas pelo Banco Mundial. No dia 11 de janeiro desse ano, em Washington, o presidente do grupo, Jim Yong Kim, anunciou a nomeação de Joaquim Levy como diretor financeiro e do chinês Shaolin Yang,  para o cargo de diretor administrativo. Agora, as nações emergentes parecem ganhar mais força e representatividade. Ainda é cedo para atribuir o mérito dessa transformação ao banco dos BRICS, mas é inegável o potencial da nova era que está só começando. Nas palavras de Moisés Naím, "(u)m pequeno grupo de países que não são necessariamente vizinhos ou vinculados por uma história comum pode obter resultados mais rapidamente pelo simples fato de decidirem trabalhar juntos em vez de aderir a lentas e enfadonhas organizações internacionais." É a hora de uma releitura dos conceitos tradicionais de poder e o BRICS é capaz de criar as ferramentas necessárias para isso.

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JOTA

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O novo Banco de Desenvolvimento do BRICS

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