Vicente Braga

No dia 9 de fevereiro, o CEO do Deutsch Bank – o maior banco alemão e um dos maiores do mundo –, John Cryan, foi a público afirmar que a instituição financeira permanecia <a href="http://www.valor.com.br/financas/4428536/deutsche-bank-permanece-absolutamente-solido-avisa-executivo">“sólida como uma rocha”</a>. Nesse momento, impossível não lembrar do que disse Walter Bagehot – ex-editor-chefe e principal propulsor da revista The Economist – em  1873, na sua clássica obra sobre os mercados financeiros, “Lombard Street”: “todo banqueiro sabe que se tiver que provar que é merecedor de crédito, independentemente de quão bons sejam seus argumentos, na verdade seu crédito já se perdeu”.
A situação dos bancos europeus é delicada e as perspectivas da economia global não são especialmente animadoras, mas isso não é novidade. O que, então, teria feito com que as ações do Deutsche Bank <a href="http://www.valor.com.br/financas/4428362/bolsas-de-ny-fecham-em-baixa-com-investidores-em-busca-de-seguranca">caíssem 9,5%</a> no dia anterior ao referido pronunciamento de seu CEO? A resposta está em uma espécie de instrumento financeiro de nome pouco atraente: os CoCo’s. Isso porque, a desconfiança de que os juros sobre esses instrumentos <a href="http://www.bloomberg.com/news/articles/2016-02-08/deutsche-bank-s-woes-threaten-coco-coupons-creditsights-says">poderiam não ser pagos</a> pelo Deustche Bank fez com que eles passassem a ser negociados por <a href="http://www.economist.com/news/finance-and-economics/21692933-investors-are-reassessing-yet-another-complicated-financial">70% do seu valor de face</a>, gerando uma espiral de desconfiança no mercado em relação à solidez financeira do banco.
O que são os CoCo’s?
CoCo’s é o acrônimo pelo qual são conhecidos os contingent convertible bonds (títulos conversíveis contingentes, em tradução livre). Como qualquer título de dívida, eles dão direito a uma remuneração fixa. Mas o que eles têm de especial é que, na hipótese de as reservas de capital do banco emissor caírem abaixo de determinado limiar, esses títulos automaticamente se transformam em ações do banco – passando a incorporar a reserva de capital, portanto. Ou seja, quando as reservas – o “colchão” – dos bancos ficam escassas, os créditos detidos pelos portadores de CoCo’s se transformam em ações do banco, transformando credores em acionistas. Essa prática é uma das medidas do que se conhece como <a href="http://www.valor.com.br/opiniao/3171754/bail">bail-in</a>, conceito sobre o qual se falará mais adiante.
A existência desse instrumento financeiro se dá, basicamente, por duas razões.
Primeiro, porque a regulação bancária exige cada mais que os bancos tenham expressivas reservas de capital, pois são essas que absorvem as perdas na hipótese de uma crise, aumentando a resiliência e evitando a quebra dos bancos. Contudo, em períodos de normalidade econômica, manter reservas muito elevadas de capital é custoso e pouco eficiente. Assim, se em períodos de crise é melhor ter capital do que dívida e se em períodos de normalidade é mais eficiente ter dívida do que capital, a solução encontrada foi arquitetar um instrumento financeiro híbrido, que funcionasse como um camaleão.
Em segundo lugar, após a crise de 2008, o custo político de salvar bancos com dinheiro público se mostrou imenso. Com isso, houve clamor público pela criação de alternativas que ao menos compartilhassem o custo dos resgates com os acionistas e credores do próprio banco. Para responder essa demanda, começou a se operacionalizar a ideia de bail-in, expressão utilizada em contraposição ao famoso bail-out, para simbolizar um resgate que vem de dentro (acionistas e credores) e não de fora (pagadores de impostos). A criação de CoCo’s faz parte dessa iniciativa.
Estamos falando, portanto, de um instrumento criado para atender desígnios regulatórios e que visa tornar o sistema financeiro mais seguro. Mais do que isso, trata-se de uma iniciativa já vista com entusiasmo pela comunidade internacional – vide a ênfase em bail-in dada pelo <a href="http://www.fsb.org/2014/10/r_141015/">principal conjunto de princípios internacionais</a> sobre como lidar com crises bancária e sua aceitação como capital complementar pelas regras da Basileia –, <a href="http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=res&amp;ano=2013&amp;numero=4279">já prevista na regulação bancária brasileira</a> e considerada parte importante de uma <a href="http://www.valor.com.br/financas/3111776/bc-propoe-que-acionista-resgate-banco-insolvente">iminente reforma regulatória</a> pelo Banco Central do Brasil.
Sendo assim, como explicar seu recente protagonismo não na contenção, mas na promoção do episódio crítico do Deutsche Bank? Ora, uma das críticas mais recorrentes às medidas de regulação bancária é a imprevisibilidade de seus efeitos, que muitas vezes podem ser diametralmente opostos aos seus desígnios. Nesse sentido, o ex-Secretário do Tesouro dos EUA Timothy Geithner alertou em suas memórias recentemente publicadas que “como toda a história a das crises financeiras demonstra com clareza, impor perdas a credores de bancos durante pânicos sistêmicos é receita certa para acelerar esse pânico”.
Ou seja, se por um lado os argumentos apresentados em favor dos CoCo’s são convincentes, por outro, já não se pode ignorar que esses instrumentos serão objeto de especulação antecipada acerca da saúde financeira dos bancos emissores. 
Desafios à vista
Posto isso, fato é que esses novos instrumentos impõem desafios simultâneos a reguladores, bancos e investidores. 
Em termos regulatórios, a experiência sugere cuidados para se evitar que os CoCo’s sirvam para fomentar ou alastrar indícios de pânico. Para isso, ajustar os detalhes na confecção desses instrumentos é essencial. Por parte dos bancos, planos de contingência – envolvendo <a href="http://oglobo.globo.com/economia/deutsche-bank-vai-recomprar-us-54-bi-em-titulos-para-conter-liquidacao-18661254">ofertas de recompra</a>, por exemplo – são importantes para evitar que um simples ataque especulativo coloque em cheque a estabilidade financeira da instituição. Por fim, aos investidores cabe entender quais são as características inerentes dos CoCo’s, que foram criados justamente para atuar como uma primeira linha de defesa.
Em outras palavras, considerando que só o mercado europeu de CoCo’s já <a href="http://www.valuewalk.com/2015/04/european-banks-coco/">ultrapassa 100 bilhões de euros</a>, o que precisa haver é uma melhor compreensão do funcionamento e das características desses instrumentos, a fim de se evitar episódios de pânico pouco fundamentados, tais como o verificado no dia 9 de fevereiro. Afinal, como a <a href="http://www.valor.com.br/financas/4430220/bolsas-sobem-na-europa-com-setor-bancario">revalorização súbita</a> das ações do Deutsche Bank demonstrou, na prática o episódio se prestou apenas a impor perdas aos investidores mais impressionáveis.

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O elusivo caso dos CoCo's

Novos instrumentos impõem desafios a reguladores, bancos e investidores