Marcos Drummond Malvar

Em tempos de crise, empresas endividadas correm risco de insolvência ou passam por problemas de liquidez. Precisam, frequentemente, ser socorridas financeiramente e os mais interessados nesse resgate costumam ser seus acionistas e seus credores, que precisam se atentar para as implicações dessas medidas no ambiente concorrencial.
A injeção de recursos nessas empresas via aumento de capital social ou empréstimo com parte relacionada é solução usualmente mais simples e não suscita grandes problemas concorrenciais, salvo em situações muito específicas. Quando a solução envolve credores não acionistas dispostos a injetar mais capital aumentando a dívida da companhia, o problema concorrencial também não costuma existir.
A preocupação com a defesa da concorrência surge quando há a entrada de um novo acionista, seja via aumento de capital ou alienação de ações, seja via conversão de dívida em ações. Em se tratando de aquisição de participação societária, por qualquer dessas modalidades mencionadas, é obrigatória a submissão da operação de resgate à aprovação prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade sempre que, em uma operação com efeitos no Brasil: 
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<li style="font-weight: 400;">os grupos econômicos das partes envolvidas na operação tiverem, de um lado, pelo menos R$ 750 milhões de faturamento no ano anterior à operação (o que facilmente ocorre se uma instituição financeira com relevante presença no país estiver envolvida) e, de outro, pelo menos R$ 75 milhões [1]; e, cumulativamente,</li>
<li style="font-weight: 400;">o novo acionista (ou aquele que aumenta o capital) passar a participar, de forma isolada ou compartilhada, do controle ou tornar-se titular de mais de 20% das ações ou dos direitos de voto ou elevar sua participação, pelo menos, no mesmo percentual (que é reduzido para 5% se o acionista ou outra empresa de seu grupo econômico for concorrente da empresa socorrida ou atuar em mercado verticalmente relacionado); </li>
</ol>
A obrigação de notificação ao Cade pode se aplicar a diversos instrumentos conhecidos no mercado financeiro, como a conversão de debêntures em ações e outras medidas de bail-in (<a href="https://www.jota.info/jota-inside-o-elusivo-caso-dos-cocos)">um exemplo recente são as CoCo’s</a> e bail-out, sempre que, estruturada a operação de resgate, for verificado que os critérios foram atingidos.
Essa necessidade de notificação pode atrasar a operação de resgate, pois o regime de notificação de operações ao Cade é o de análise prévia. Ou seja, as operações só podem ser consumadas, com pagamento do preço ou transferência da titularidade de ações, após a aprovação do órgão e o esgotamento do prazo para eventual recurso administrativo. Em se tratando de empresas em dificuldade financeira e que precisam de rápida injeção de capital, esse tempo de espera pode ser crítico.
A boa notícia é que o Cade tem sido muito ágil na análise de operações mais simples. Embora o prazo legal de análise seja de 240 dias, prorrogáveis por mais 90, os casos analisados sob o rito sumário, que representam 86% do total, têm sido aprovados pelo órgão em 19 dias corridos, em média. Somando-se a esse prazo de análise os 15 dias para recurso da decisão de aprovação, tem-se que a maioria das operações analisadas pelo Cade pode ser fechada em menos de 40 dias da notificação. Além disso, o Cade não é insensível à urgência justificada das partes em fechar a operação, especialmente em operações simples do ponto de vista concorrencial. Há caso de aprovação de operação pelo órgão em apenas 4 (quatro) dias úteis.
Vale destacar também que o Cade já analisou, no ano de 2015, algumas operações envolvendo operações de resgate via entrada de novo acionistas de ou de implementação de parte do plano de recuperação judicial de empresas (AC nº 08700.004537/2015-58, Parte: Eneva; AC nº 08700.003664/2015-30, Parte: Camera; AC nº 08700.009104/2015-99, Parte: Passaredo; AC nº 08700.009625/2015-46, MMX Sudeste; AC nº 08700.011342/2015-64, parte: Grupo Arantes; AC nº 08700.000373/2016-71, Parte: OSX). Em tais análises, chegou a levar em consideração que a operação “auxiliará na [...] manutenção [da empresa em dificuldade financeira] como uma empresa adicional atuante no mercado” [2].
O importante para os envolvidos nessas operações de resgate financeiro é ter em mente a possível necessidade de notificação dessas operações ao Cade e já contemplar no cronograma o tempo necessário para análise, ainda que a operação não envolva um concorrente ou grupo que atue em mercado verticalmente relacionado.
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[1] Como regra, o Cade considera ser do mesmo grupo econômico empresas em que as envolvidas tenham participação, direta ou indireta, de, pelo menos, 20% no capital total ou votante, assim como aquelas que detêm, direta ou indiretamente, o mesmo percentual de participação na empresa envolvida. Ou seja, é preciso analisar o organograma societário de todos os envolvidos, tanto para verificar o faturamento daquelas em que as envolvidas participam, quanto para verificar o faturamento daquelas que têm participação nas empresas envolvidas. Em caso de fundos de investimento, há uma regra especial: o próprio fundo envolvido na operação é considerado integrante do grupo econômico de um cotista apenas se este detiver 50% ou mais das cotas, sendo irrelevante quem é o gestor do fundo.
[2] AC nº 08700.009104/2015-99, Parte: Passaredo

Movida

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JOTA

Algumas operações exigem aval da agência antitruste

Crise econômica, resgate de empresas e notificação ao Cade

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