Marília Ferraz Teixeira

Em cenários de crise, é comum a criação de alternativas aos sistemas tradicionais vigentes. Foi assim que, em 1844, nasceu o cooperativismo moderno na Inglaterra, com a abertura da cooperativa de consumo denominada Rochdale Society of Equitable Pioneers. Da necessidade encontrada pela classe trabalhadora de combater os problemas sociais advindos da Revolução Industrial, surgiu também a ideia de que quem contribui para criar a riqueza deve, igualmente, participar da sua distribuição.
Neste contexto, e quase dez anos mais tarde, a primeira cooperativa de crédito urbana surgiu na Alemanha, sucedida pela criação das cooperativas de crédito rural no interior do país, onde cresceram aceleradamente por solucionarem o problema do afastamento existente então entre a população do interior alemão e mercado financeiro convencional. O sucesso do cooperativismo financeiro nessas localidades fez com que ele se espalhasse pelo mundo, tornando-o, inclusive, maior do que as instituições financeiras clássicas em alguns países, como a França, onde as sociedades cooperativas alcançam quase 70% do mercado. 
Na Itália, 36% do volume de recursos do país é movimentado em cooperativas de crédito, enquanto, nos Estados Unidos, 45% da população economicamente ativa é associada a esse tipo de instituição. O maior conglomerado financeiro da Holanda é representado pelo Rabobank, considerado o 29º banco em volume de ativos do mundo.
Segundo dados disponibilizados pela Aliança Cooperativa Internacional, o organismo máximo do cooperativismo mundial, o continente africano não possui uma cooperativa sequer entre as 300 maiores do mundo em volume de negócios. O Brasil, único representante latino-americano do grupo, conta com apenas uma cooperativa de crédito entre as 5 do país que compõem a lista, frente à mais de 80 sociedades norte-americanas dos mais diversos ramos ou 43 francesas. 
No Brasil, o cooperativismo financeiro corresponde, hoje, a apenas 3,49% do Sistema Financeiro Nacional, mas se vê em franca expansão, pois é também na crise que as luzes se voltam a setores antes desconhecidos, como forma de encontrar soluções que permitam retomar o crescimento. 
Para se ter uma ideia, o Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil, o Sicoob, cresceu 12% em carteira de crédito e 20% em depósitos, entre junho de 2015 e junho de 2016, enquanto o crescimento do Sistema de Crédito Cooperativo, o Sicred, foi de 11% e 23%, sob os mesmos parâmetros no respectivo período. Segundo estudo realizado pela consultoria alemã Roland Berger, o cooperativismo, dentro do Sistema Financeiro Nacional, cresce, em média, 20% ao ano, 4% a mais do que os grandes bancos ou 9% a mais do que aqueles de médio porte.
Não é apenas o contexto de aparecimento que diferenciam as cooperativas financeiras dos bancos. O regime jurídico das cooperativas foi instituído, em 1971, pela Lei nº 5.764. Anos mais tarde, a Constituição Federal brasileira tratou de proteger o cooperativismo, permitindo a criação de cooperativas sem a necessidade de autorização estatal e vedando a interferência no seu funcionamento logo em seu artigo 5º.
Ainda dentro da Carta Magna está o esclarecimento de que as cooperativas de crédito são abrangidas pelo Sistema Financeiro Nacional, matéria especificada pela Lei Complementar nº 130, de 17 de abril de 2009. É ela que determina a obrigatoriedade de captação de recursos e a concessão de créditos e restritas aos associados, com ressalvas às operações realizadas com outras instituições financeiras e aos recursos obtidos de pessoas jurídicas, em caráter eventual.
Aqui, é importante reportar à Lei geral do cooperativismo no Brasil, pois a limitação acima destacada relaciona-se diretamente com o artigo 79 da Lei nº 5.764, que explica serem os atos cooperativos aqueles “praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais” que, no caso do ramo crédito, é o de “prover, por meio da mutualidade, a prestação de serviços financeiros a seus associados, sendo-lhes assegurado o acesso aos instrumentos do mercado financeiro”.
Significa dizer, de forma simplificada, que os associados das cooperativas financeiras são ao mesmo tempo donos do negócio e usuários dos serviços oferecidos pela própria instituição. Como consequência lógica, os órgãos de administração serão compostos exclusivamente por associados eleitos democraticamente em Assembleia Geral, o órgão máximo da sociedade. 
A Resolução nº 4.434, de 5 de agosto de 2015, do Conselho Monetário Nacional, também traz à tona algumas particularidades quanto à forma de atuação destas instituições financeiras. Dentre elas, está a previsão de quais são as operações autorizadas pelo Banco Central a serem realizadas pelas cooperativas financeiras, como a concessão de crédito e prestação de garantias a associados ou a distribuição de cotas de fundos de investimento administrados por instituições autorizadas, observada a regulamentação aplicável editada pela Comissão de Valores Mobiliários. 
Ademais, há que se observar, ainda, os itens que tratam do capital, do patrimônio e dos limites de exposição de risco por cliente. Isso porque apesar de apresentarem valores distintos daqueles exigidos pelo Banco Central dos bancos, também sujeitam as cooperativas e seus administradores às penalidades de advertência, multa e/ou inabilitação temporária, impostas pela Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, no caso de descumprimento da norma administrativa.
Dito isso, é notável a necessidade de falar sobre o cooperativismo financeiro em função de dois aspectos fundamentais. O primeiro deles – como afirma o próprio Banco Central no manual “Cooperativismo de Crédito: boas práticas no Brasil e no mundo”, lançado em setembro deste ano – está ligado diretamente à imperatividade de gerar conhecimento capaz de fortalecer um setor responsável pela inclusão financeira e social do brasileiro, além de prover educação para seus associados e ser, segundo a Organização das Nações Unidas, essencial para o desenvolvimento sustentável da nação.
O segundo aspecto relaciona-se com a relevância de se conhecer melhor o ramo seja para que os associados participem ativamente da administração da instituição, como donos da cooperativa que são, seja para geri-la dentro daquilo que a legislação prevê para ela de forma especial ou, ainda, para que os responsáveis pela fiscalização e eventual punição dessas instituições financeiras tenham sempre em mente seu histórico e especificidades no momento da aplicação da lei.
É perceptível o potencial brasileiro para acompanhar os países onde o cooperativismo, em especial o financeiro, tem a força proporcional ao seu grau de desenvolvimento econômico no mundo, bem como de ser exemplo de investimentos no setor tanto para a América latina quanto para a África. Nosso propósito ao tratar do tema será, portanto, o de voltar as luzes a este campo e auxiliar na sua compreensão, como forma de ampliar o conhecimento relacionado às cooperativas financeiras e, consequentemente, ao Sistema Financeiro Nacional.

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JOTA

É também na crise que as luzes se voltam a setores antes desconhecidos

Cooperativas de crédito

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