Márcio Falcão

Felipe Recondo

Rodrigo Janot pregou diálogo entre os Poderes há quatro anos, quando assumiu o mandato de procurador-geral da República. De olho no retrovisor, Janot viu seus dois antecessores esgarçarem as relações com a política: Antonio Fernando de Souza denunciou o mensalão do PT; Roberto Gurgel instaurou 546 inquéritos contra parlamentares e autoridades com foro. Sua ideia, em setembro de 2013, era reconciliar o Ministério Público, tirá-lo do “isolamento institucional”, como diziam seus apoiadores, e mudar o foco da atuação da Procuradoria – a pauta criminal contra a política não era, nem de longe, uma de suas bandeiras de campanha.
No discurso de posse, tornou pública sua visão ao dizer que o MP deveria se tornar “uma instância de interlocução permanente entre os órgãos da Administração Pública” para atingir os “objetivos comuns a todo Estado brasileiro”. Janot tentou colocar em prática seu discurso de posse e de campanha. Reforçou a atuação de sua assessoria de Articulação Parlamentar no Congresso. Adotou como praxe comunicar aos senadores e deputados que foram alvos de pedidos de investigação no Supremo Tribunal Federal para não serem surpreendidos. Fez o mesmo em algumas ocasiões com o Palácio do Planalto quando os investigados eram ministros de Estado.
“Cheguei carregado de certezas e saio imerso em dúvidas”, disse quatro anos depois em sua carta de despedida. Janot entrega o cargo hoje, rompido com o Executivo, com o Legislativo e criticado pública e veladamente por integrantes do Supremo Tribunal Federal. Janot foi o primeiro procurador-geral a ter a isenção questionada formalmente pelo presidente da República. Sai do cargo sob a mira da Comissão Parlamentar de Inquérito aberta para investigar, essencialmente, o acordo de delação premiada firmado com a JBS. E prepare-se para ser alvo de ações judiciais em razão das investigações, denúncias e acusações que promoveu nos últimos quatro anos.
É tarefa complexa, trabalhosa e arriscada delimitar o que Janot poderia e o que não poderia ter feito de diferente ocupando o cargo de procurador-geral. Não podia – ou não deveria - engavetar investigações se houvesse indícios da prática de crime. Também não podia – ou não deveria – abrir investigações ou oferecer denúncias onde sabia não haver provas ou onde não conseguiria obter provas. As acusações de que teria feito as duas coisas foram levantadas a todo o momento. É nesse campo subjetivo que residem as críticas que Janot recebeu desde o início das investigações e que culminaram nos ataques a ele feitos por figuras da política e pelo ministro Gilmar Mendes especialmente nas últimas semanas.
Um dos alvos da crítica de Mendes foi o inquérito aberto por Janot para investigar dois ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por suspeitas de obstrução de Justiça. Inquérito que foi aberto em maio de 2016 e que foi arquivado a pedido do próprio Janot por não encontrar indícios da prática de crime. “Esse inquérito vai chegar a provar a obstrução de Justiça desses magistrados? É obviamente que não. Não vai provar. Mas o inquérito está lá”, afirmou Mendes. “Qual o objetivo deste inquérito? É castrar iniciativas do STJ, é amedrontá-lo. É esse o objetivo”, afirmou o ministro do Supremo em junho deste ano.
Por opção ou por dever de ofício, Janot ampliou a investigação contra a elite política do país a tal ponto que foi acusado de criminalizar a política. Rechaçou por diversas vezes a afirmação. Numa delas, em mensagem enviada aos colegas. “É preciso ficar absolutamente claro que, seja sob o ponto de vista pessoal – sou um democrata congênito e convicto –, seja sob a ótica da missão constitucional do MP de defender o regime democrático e a ordem jurídica, o trabalho desenvolvido na Lava Jato não tem e jamais poderia ter a finalidade de criminalizar a atividade política”, escreveu Janot em mensagem enviada aos procuradores.
Os números ajudam a compreender o porquê da reação que veio da política: 6 ações penais foram abertas no STF contra políticos envolvidos na Lava Jato; há 131 inquéritos em curso; 63 deputados e 30 senadores são investigados, incluindo os presidentes dos cinco maiores partidos políticos; o presidente da República foi denunciado duas vezes; quatro ex-presidentes da República também foram denunciados; 159 acordos de delação premiada foram firmados na PGR. Janot lançou suas flechadas na maior investigação de combate à corrupção da história do país. De volta, ele sabia, receberia tiros de grosso calibre.
Da leitura dos números, há casos que insuflaram a acusação de que Janot agia de forma política. Em 2015, o procurador-geral pediu o afastamento cautelar do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), do cargo. O procurador elencou 11 fatos que justificariam seu pedido, mas o que mais chamou a atenção foi o momento da provocação ao Supremo: quando Cunha decidiu iniciar o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff. A ação de Janot foi lida como uma tentativa aberta de interceder em favor do governo.
Nada se compara, contudo, com as acusações que sofreu – e deixará o cargo tendo de se defender delas – por ter denunciado duas vezes o presidente Michel Temer. Para isso, fechou um acordo de delação premiada com a JBS que garantiu imunidade total aos donos – Wesley e Joesley Batista e executivos da empresa. Joesley Batista gravou uma conversa comprometedora com o presidente da República. Uma mala de R$ 500 mil foi entregue a Rodrigo Rocha Loures, homem de confiança de Temer. Aécio Neves, presidente do PSDB, foi gravado pedindo dinheiro ao dono da JBS.
Com base nas informações do acordo, Janot denunciou Temer. Mas de arqueiro, passou a alvo. Os benefícios aos irmãos Batista receberam críticas generalizadas. E o procurador teve de se explicar: "Eu tinha tomado conhecimento que altíssimas autoridades da república estavam praticado crimes, os crimes estavam em curso e crimes graves. Se eu não aceitasse esse acordo, não teria como apurar estes crimes. Eu teria que fingir que nada tinha ouvido, que nada tinha acontecido, e essas pessoas continuariam a cometer crimes", buscou justificar.
Depois, veio a suspeita de que um auxiliar de Janot na PGR, o procurador Marcelo Miller, fez jogo duplo, trabalhando na Procuradoria, instruindo a JBS e recebendo honorários do escritório de advocacia que defendia a empresa. A credibilidade das investigações foi atingida. Para piorar, a gravação de uma conversa entre Joesley Batista e o ex-executivo Ricardo Saud revelou que ambos podem ter omitido fatos da PGR e aprofundaram as suspeitas de que Miller atuou como procurador e como advogado da JBS ao mesmo tempo.
Janot abriu processo para investigar as suspeitas e rescindiu o acordo com a JBS. “A confiança é uma via de mão dupla, devendo o investigado assimilar e assumir a sua condição de colaborador da justiça, falando tudo o que sabe e não omitindo qualquer fato relevante, ainda mais quando este fato pode configurar crime. Não cabe ao colaborador fazer juízo de valor ou escolher os fatos que pretende entregar”, afirmou.
No mesmo ato, denunciou pela segunda vez Temer pelos crimes de obstrução à Justiça e organização criminosa, classificando o peemedebista como líder do grupo integrado ainda pelos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, o ex-ministro Geddel Vieira Lima e os ex-presidentes da Câmara, Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves, além do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures. A denúncia deverá ser remetida nos próximos dias à Câmara. Deverá ter o mesmo destino da primeira: os deputados não autorizarão o prosseguimento das investigações contra o presidente da República.
Janot deixa hoje o cargo, entregando o Ministério Público institucionalmente mais isolado do que nunca. Raquel Dodge pôde aprender com os erros e acertos de Janot. Prometeu, assim como ele, restabelecer o diálogo com os demais poderes e de dar continuidade ao combate à corrupção. Conseguirá? Ou são metas inconciliáveis?

Janot

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JOTA

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