Alberto Bueno

O termo “primeiros cem dias” foi cunhado em 1933, no início do governo do presidente americano Franklin Delano Roosevelt, para descrever o prazo que os congressistas tiveram para aprovar as leis que viabilizariam o New Deal. Grande parte do sucesso do plano de Roosevelt para tirar os Estados Unidos da grande depressão foi resultado de sua capacidade de rapidamente infundir seu irredutível otimismo no país, garantindo apoio às diferentes medidas que foram tomadas ao longo da década de 30. Desde então, tornou-se um costume avaliar os primeiros cem dias de governo dos presidentes americanos como de líderes de outros países do mundo, incluindo o Brasil.
Os primeiros cem dias são importantes porque é neste período que o novo presidente tem a maior chance de construir momentum, catalisar forças e dar os primeiros passos de um ciclo virtuoso tanto na economia quanto na política. Michael Watknis, especialista nos chamados turnarounds empresariais, argumenta que novos líderes têm que viver no mundo que herdaram, um mundo onde o que fazem em seus primeiros dias terá um impacto desproporcional em tudo o que virá em seguida.<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a> Para Watkins, a melhor estratégia para o novo líder é atingir ganhos precoces que possam rapidamente render credibilidade e capital político, ao invés de deixar que os problemas cresçam e demandem uma escalada ainda mais íngreme adiante.
O processo de impeachment de um presidente em um regime presidencialista costuma ser uma catarse coletiva que canaliza as emoções resultantes na figura daquele que assume a Presidência. Querendo ou não, merecendo ou não, quem assume possui o apoio de praticamente todos aqueles que foram favoráveis ao afastamento do antigo presidente. Este apoio cria condições políticas inaugurais muito semelhantes àquelas de um presidente que acaba de assumir novo mandato. Portanto, não há por que não o submeter ao mesmo escrutínio dos primeiros cem dias.
Itamar Franco teve um início de governo desastroso, marcado por indecisões, trocas de ministros e falta de autoridade. Sua determinação em ressuscitar o fusca tornou-se símbolo da morosidade na tomada de decisões de seu governo. Por fim, Itamar tomou um ou outra medida marcante como o Decreto dos Genéricos e a Lei Orgânica de Assistência Social que abriria o caminho para programas como o Bolsa Escola e o Bolsa Família. No entanto, o grande feito de seu governo, o Plano Real, foi creditado à liderança de FHC.
Em seus primeiros cem dias como presidente interino, Michel Temer também mostrou um certo grau de hesitação ao recuar de algumas de suas posições como corte de ministérios e criação de novos cargos públicos. Em poucos dias foi obrigado a substituir três ministros envolvidos em escândalos de corrupção. Já o quarto ministro substituído recentemente, saiu afirmando que foi demitido para que o governo pudesse evitar a queda de outros ministros que também estavam sendo investigados.
Os discursos de Temer e de seus ministros, apesar de por vezes desencontrados, foram capazes de recuperar temporariamente parte da confiança dos investidores. Também é fato que o governo tem conseguido aprovar projetos de média importância mesmo que nos limites de seus prazos e, em alguns casos, com margens apertadas.
Porém, diversos cargos de segundo escalão seguem sem indicação porque a negociação política para nomeá-los não destrava. Temer não demonstra ter um alinhamento tão estreito com o Rodrigo Maia quem será determinante na aprovação até o final do ano, ao menos na Câmara, da Proposta de Emenda à Constituição que limita os gastos públicos (PEC 241). Tido como grande conhecedor do funcionamento do parlamento, Temer tampouco age de forma clara para desarticular o centrão ou para fortalecê-lo. Parece querer ganhar tempo para que os 27 partidos com representantes no Congresso encontrem sozinhos um novo equilíbrio e elejam novos presidentes da Câmara e do Senado que o ajudarão a aprovar a reforma da previdência em 2017. Ao não tomar riscos no relacionamento com o Congresso, Temer talvez esteja se iludindo de que as primeiras interações de qualquer relacionamento não sejam cruciais para determinar a dinâmica do convívio porvir.
Haverá sempre a discussão se o que vale são os primeiros cem dias como presidente interino ou apenas após tomar posse efetiva do cargo. Ouvi de mais de um interlocutor próximo ao Presidente Michel Temer que “há um limite ao que um governo interino é capaz de fazer”. Estavam clamando paciência com a situação política uma vez que não havia impedimentos legais para que quaisquer ações fossem tomadas.
Defender que a avaliação do novo governo só comece após a votação do impeachment no Senado pareceria mais justa no caso de Itamar, que assumiu a Presidência quase tão nu quanto Liliam Ramos, que o acompanhava no Carnaval de 1994. Por outro lado, Temer tomou posse após ser protagonista tanto na crise que antecedeu a queda da Presidente Dilma como durante o processo de impeachment. Nesse ínterim, Temer e seu partido agiram como se estivessem em campanha eleitoral, propuseram a “Uma Ponte para o Futuro” e “A Travessa Social”, e prometeram inúmeras guinadas de comportamento aos empresários que estavam dispostos a ouvi-los.
Parece, portanto, indiscutível que Temer não conseguiu, em seu período como interino, cumprir com suas promessas e obter as vitórias rápidas recomendadas por Watkins. Resta, agora, a esperança que até o final do ano – poucos dias após a marca de cem dias como efetivo – ele consiga convencer a maioria dos brasileiros (e estrangeiros) de que está tomando as medidas necessárias nos prazos corretos para colocar em movimento um novo ciclo econômico virtuoso. Caso contrário, há ampla probabilidade de Temer entregar a seu sucessor em 2018 um país em condições quase tão ruins quanto ao que ele herdou.
Infelizmente, no Brasil atual, um país dividido entre petistas e antipetistas, parece que a maioria carece de objetividade para se preocupar em fazer tal análise e pressionar o atual governo. Para os petistas, cem dias após o golpe só florescerão botões murchos, e para os antipetistas todos os 800 dias até 2018, por pior que sejam, serão mais floridos do que a terra arrasada em que vivíamos até então.
Ainda há tempo para que Temer exerça o protagonismo que não teve sob a liderança de Dilma, evitando lamentar em seu diário que foi figurativo também no exercício da Presidência. Mas sua principal janela de oportunidade se fechará em menos de cem dias.
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Artigo escrito por Michael Watkins à Harvard Business Review em março de 2009.

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JOTA

Temer talvez esteja se iludindo de que as primeiras interações de qualquer relacionamento não sejam cruciais para determinar a dinâmica do convívio porvir.

Janela de oportunidade política: menos de cem dias

Temer talvez esteja se iludindo de que as primeiras interações de qualquer relacionamento não sejam cruciais para determinar a dinâmica do convívio porvir.