Francisco Javier Sánchez Gallardo

A não cumulatividade é uma das características fundamentais do Imposto sobre o Valor Adicionado (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/iva">IVA</a>) e tem como fundamento o princípio da neutralidade econômica, segundo o qual a aplicação do IVA não deve originar diferenças de tratamento entre contribuintes que concorrem entre si.
A dedução de créditos relativos ao imposto pago tem por finalidade desonerar completamente o sujeito passivo da carga do IVA na atividade econômica, garantindo assim a neutralidade quanto à carga fiscal de todos os setores e atividades, sejam quais forem os seus fins ou resultados, desde que estejam sujeitas a IVA. 
Para respeitar o princípio da neutralidade, a não cumulatividade do IVA deve ser plena – todo e qualquer tributo pago por sujeito passivo do IVA deve dar direito ao crédito, com exceção de aquisições que correspondam a consumo final do sujeito passivo – o exemplo clássico é o vinho adquirido pela empresa para aproveitamento do seu sócio.  
O maior desafio, em todos os países que adotam o modelo IVA, é como garantir a neutralidade no desenho da não cumulatividade através da previsão de um creditamento pleno e, ao mesmo tempo, inibir ao máximo as possibilidades de fraudes. Esta série de artigos tratará sobre os modelos internacionais da neutralidade e das regras de não cumulatividade. Neste primeiro texto, será apresentado o modelo europeu; no segundo; os modelos de IVA mais recentes, como na Nova Zelândia, no Canadá e na Índia. 
<h3>IVA e neutralidade na União Europeia </h3>
O direito à dedução do IVA é uma das peças básicas do IVA na União Europeia (UE), como é assim estabelecido no artigo 1.º(2) da Diretiva Comunitária do IVA. O modelo de IVA da UE se assenta na dedução integral do IVA pago pelos sujeitos passivos. 
É preciso esclarecer que o IVA na UE é regulado pelas leis nacionais de seus Estados, as quais devem respeitar as disposições da Diretiva Comunitária, que é, portanto, a regra básica do IVA na UE.  
O Tribunal Europeu, TJUE doravante, tem reiteradamente referido este princípio e a importância do direito à dedução (acórdãos de 14-2-1985, assunto C-268/83; ou 14-10-2021, assuntos C-45/20 e C-46/20, entre outros muitos).  
O princípio da neutralidade não é o único relevante, coexistindo com outros, como o de eficácia, que visa garantir a real aplicação dos direitos conferidos aos cidadãos, a segurança jurídica e o combate à fraude tributária. 
O direito à dedução se reconhece assim apenas a quem tem a qualidade de sujeito passivo de IVA. Na UE, sujeito passivo é definido como qualquer pessoa que exerça, de modo independente – assumindo o correspondente risco financeiro –, uma atividade económica. Pessoas físicas que sejam consumidoras finais não tem direito ao creditamento, pois não são consideradas sujeitos passivos. A questão pode ser um pouco mais complexa para outros tipos de entidades. O critério geral, porém, é sempre o mesmo: somente terão direito à dedução se, pela atividade que exercem, puderem ser considerados sujeitos passivos de IVA. 
O uso ou consumo privado impede o direito à dedução. Não há, na UE, uma definição de consumo ou uso privado; no entanto, existem julgamentos do TJUE admitindo a dedução do IVA correspondente a despesas gerais da empresa -bens e serviços não relacionados diretamente aos produtos específicos da empresa, mas custos de caráter geral-, com uma definição bastante ampla. Inversamente, cabe considerar como consumo privado tudo aquilo que nem sequer admite a sua classificação como despesa geral da atividade. 
No modelo europeu, a dedução do IVA não está subordinada a que o fornecedor tenha cumprido adequadamente as suas obrigações fiscais, ou seja, ao pagamento do imposto. Assim tem sido reiteradamente afirmado pelo TJUE (começando com o acordão de 12-1-2006, assuntos C-354/03, C-355/03 e C-484/03). 
Essa relativa independência entre o fornecedor e seu adquirente, entretanto, não é total. Assim, quando se prove, através de dados objetivos, que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que, através da sua compra, participava de uma operação fraudulenta de IVA, o IVA pago não será dedutível (acórdãos de 6-7-2006, assuntos, C-439/04 e C-440/04; 21-6-2012, assuntos C-80/11 e C-142/11; 27-6-2018, ou 21-11-22, assunto C-596/21). 
O sistema de dedução de IVA na UE é um regime de dedução financeira, em que o IVA por bens e serviços comprados é dedutível sem ter de esperar que a empresa venda os seus próprios bens e serviços. 
Quando as operações são isentas, não há dedução. Um elemento decorrente, e polêmico, é a especificação desta limitação, nomeadamente, quando o sujeito passivo realiza conjuntamente operações isentas e outras que não. Esta especificação é normalmente feita através da aplicação de algum tipo de dedução proporcional. 
Importa não confundir o anterior com a possibilidade de limitar o direito à dedução pelo simples auferimento de outras receitas não sujeitas a IVA por não constituir a contrapartida de bens ou serviços tributados. O TJUE tem negado essa possibilidade, mesmo nos casos em que a regulamentação de alguns Estados da União assim o tinha estabelecido (começando pelo acordão de 21.9.1988, assunto C-50/87). 
Configurado o direito à dedução na UE como sistema de dedução financeira, como já dissemos, importa definir o momento em que esse direito surge, isto é, o momento a partir do qual o IVA pode ser deduzido e, assim, efetivado o princípio da não cumulatividade no tempo. Este momento está vinculado normalmente à realização do fato gerador correspondente às compras realizadas ou quando os fornecedores emitem suas faturas de venda, o que ocorrer primeiro. 
A neutralidade no tempo também é garantida em relação ao desenvolvimento das atividades econômicas. Consequentemente, o IVA incorrido na aquisição de bens e serviços que vão ser utilizados em atividades ainda não iniciadas é imediatamente dedutível, sem ter que esperar pelo seu início efetivo (o primeiro acordão é o de 14.2.1985, assunto C-268/83). 
O momento da restituição de saldos a favor dos contribuintes é o complemento do anterior. Quando o montante das deduções for superior ao do IVA acumulado durante um período, os Estados da UE são obrigados à devolução ou, no máximo, a transferir o excedente para o período de tributação seguinte. 
No caso de contribuintes confiáveis, já conhecidos pelo fisco, a devolução costuma não demorar mais do que algumas semanas. Quando a devolução for superior a um prazo razoável, os Estados devem indenizar o contribuinte com juros de mora. 
A generalização da tributação no destino na UE faz com que sejam raros os casos em que contribuintes de uns Estados tenham de pagar IVA em outros Estados; no entanto, quando tal ocorre (por exemplo, um empresário alemão se desloca a Espanha para assistir a um congresso e se aloja num hotel), existe um procedimento para o reembolso do IVA assim pago. Este IVA é sempre devolvido pelo Estado que o recolheu. 
A justificação do direito à dedução se baseia nos documentos formais de suporte correspondentes. A jurisprudência é coerente em apontar a necessidade de as faturas que documentam as operações permitirem à Administração verificar se estão preenchidos os requisitos materiais do direito à dedução. No entanto, simples infrações formais, por si só, não podem justificar a recusa do direito à dedução (acórdãos de 11.12.2014, assunto C-590/13; ou de 15.11.2017, assuntos C-374/16 e C-375/16). 
Nos parágrafos anteriores indicamos algumas das áreas em que se manifesta o papel desempenhado pelo direito à dedução no modelo de IVA existente na UE. Terminaremos insistindo na sua importância como especificação do princípio de neutralidade — não cumulatividade —, como declara o direito comunitário, que não admite mais limitações a este respeito do que as expressamente previstas na Directiva IVA.

money-637767_960_720

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Os modelos de Imposto sobre o Valor Adicionado em outros países e as regras de não cumulatividade

IVA e neutralidade nas experiências internacionais &#8211; parte 1

IVA e neutralidade nas experiências internacionais - parte 1

Reforma tributária: os modelos de Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) em outros países e as regras de não cumulatividade