Rodrigo Brunelli

Flávia Cavalcanti

O art. 155, I, da Constituição Federal (CF/88), atribui competência aos estados e ao Distrito Federal para instituir <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/itcmd-entenda-o-que-como-funciona-20082021">Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)</a>. O inciso III do § 1° do citado dispositivo, entretanto, ressalva que situações envolvendo conexões com outras jurisdições necessitariam ter o exercício de tal competência regulada por lei complementar federal.
A referida lei complementar jamais foi editada. Não obstante, diversos estados,  como São Paulo e Rio de Janeiro, passaram a exigir o recolhimento do ITCMD nessas hipóteses, com fundamento em dispositivos introduzidos em suas legislações internas, gerando um intenso contencioso sobre a matéria. Existe a expectativa, contudo, que esse contencioso possa ser em alguma medida uniformizado a partir do julgamento do RE n° 851.108/SP, sob relatoria do ministro Dias Toffoli e com repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que voltará à pauta do tribunal nesta sexta-feira, 19.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
Citado recurso teve como origem mandado de segurança impetrado em 2011 para questionar a incidência do ITCMD sobre o legado testamentário de de cujus outrora domiciliado na Itália, que fora recebido por pessoa física residente no estado de São Paulo e que era composto por imóvel situado naquele país e determinada quantia pecuniária.
O julgamento do mencionado RE pelo Plenário do STF foi iniciado em 23/10/2020, oportunidade na qual o ministro-relator, Dias Toffoli, proferiu voto no sentido da necessidade de edição de lei complementar e propôs a fixação da seguinte tese: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.” 
Apesar de reconhecer a inconstitucionalidade das legislações estaduais internas em face da necessidade de edição de lei complementar, conforme estabelecido pelo texto constitucional, o relator propôs uma modulação de efeitos da referida tese que neutraliza quase que por completo o direito que o seu próprio voto buscaria resguardar. Com efeito, a modulação foi estipulada no sentido de que “[a tese] produza efeitos apenas quanto aos fatos geradores que venham a ocorrer a partir da publicação do presente acórdão.”
Os fundamentos utilizados pelo relator para a referida proposta de modulação são: (i) o impacto arrecadatório, (ii) a existência de decisão monocrática proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski, no sentido de que seria desnecessária a edição de lei complementar quando a instituição do tributo é pontual e não oferece conflito de competência, e (iii) a omissão legislativa, em razão da ausência de lei complementar regulando a matéria.
<blockquote class="jota-article__eye">Não nos parece que os requisitos autorizadores para modulação de efeitos estejam presentes, uma vez que não há alteração de expectativa da jurisprudência dominante do STF e a validação de cobrança inconstitucional ofende à segurança jurídica e ao interesse social.</blockquote>
Aliás, cabe registrar que a segurança jurídica é justamente um dos principais critérios adotados pelo STF para justificar a modulação (e.g., RE nº 556,664-1, relator Ministro Gilmar Mendes, DJe de 14/11/2008).
É pública e notória — tanto para os contribuintes, quanto para os estados — a existência de jurisprudência consolidada do STF no sentido de que a previsão contida nos arts. 24, § 3º, da CF/88 e 34 do ADCT não é suficiente para afastar a necessidade de edição de lei complementar, quando a cobrança, em tese, do tributo tem chance de gerar conflito de competência (posicionamento adotado no RE nº 136.215/RJ, relator ministro Octavio Galloti, DJ de 16/04/1993; na ADI nº 28-4-SP, relator ministro Sydney Sanches, DJ de 06/10/1993; no RE nº 140.887, relator ministro Moreira Alves, DJ de 14/05/1993, conforme reconhecido expressamente no voto proferido pelo ministro relator Dias Toffoli, e reafirmado em 2003 no bojo ADI nº 1.600, redator para acórdão o ministro Nelson Jobim, DJ de 20/06/2003).
A configuração de conflito de competência em relação ao tema pode ocorrer em uma multiplicidade de cenários fáticos. A título exemplificativo, basta cogitar-se de pessoa física domiciliada no estado do Rio de Janeiro, que detém ativos no exterior e que falece deixando herdeiros residentes no estado de São Paulo. Nesse cenário haveria potencialmente a cobrança de ITCMD incidente sobre um único fato gerador por ambos estados, na medida em que: (i) a legislação do estado do Rio de Janeiro determina que o ITCMD é devido ao estado do Rio de Janeiro, por ter sido o domicílio do falecido (5º, II, c da Lei nº 7.174/15); e (ii) a legislação do estado de São Paulo determina que o ITCMD seria devido ao estado de São Paulo, porque onde domiciliado o herdeiro (art. 4º, II, b da Lei nº 10.705/00).
Dessa forma, na hipótese sob análise, que é capaz de gerar conflito de competência entre os estados, não há alteração de expectativa em relação ao entendimento do STF; ao contrário, a decisão reafirma o entendimento do STF manifestado em anos anteriores.
Além disso, a existência da decisão monocrática proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski jamais poderia ser utilizada como justificativa para modulação dos efeitos, porque, como visto, é contrária à jurisprudência firmada pelo Plenário do STF e a Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já havia reconhecido a inconstitucionalidade da cobrança em 2011 (Incidente de Inconstitucionalidade 0004604-24.2011.8.26.0000, relator desembargador Guerrieri Rezende, 30.03.2011). Portanto, a decisão pela inconstitucionalidade certamente não surpreenderia a Fazenda Estadual.
No tocante ao argumento de eventual impacto arrecadatório para os estados, este é decorrência lógica de todo e qualquer julgamento em matéria tributária e não pode ser utilizado como fundamento autônomo para justificar a atribuição de efeitos não retroativos à decisão do STF, sob pena de validação, ainda que por um período determinado, de um sistema tributário inconstitucional.
Ainda nesse contexto, é de se destacar que a modulação proposta pelo relator poderia ser interpretada distorcidamente para poder alcançar não apenas montantes já recolhidos aos cofres estaduais com base em legislação inconstitucional, mas também recolhimentos que já estão sendo questionados administrativa ou judicialmente e até mesmo créditos sequer constituídos (em relação aos quais nem se poderia haver qualquer expectativa) - pois a modulação em termos tão amplos poderia chegar ao absurdo de permitir que autoridades fazendárias venham a lançar imposições no futuro sobre eventuais transferências realizadas em períodos anteriores à publicação do indigitado acórdão.
Dessa forma, o que se verifica na presente hipótese é justamente uma inversão lógica na aplicação do instituto da modulação, porquanto (i) a proposta de modulação de efeitos no caso concreto surpreende o contribuinte, o Congresso Nacional e subverte o princípio da legalidade, estimulando a autoridade a cobrar tributo sem lei, em desacordo com a CF/88 e a jurisprudência do STF e (ii) jamais a cobrança de um tributo inconstitucional atenderá à segurança jurídica e ao interesse social, requisitos legais autorizativos da modulação dos efeitos de decisão tomada pelo STF.
O ministro Edson Facchin foi o segundo a votar no julgamento do recurso e acompanhou a tese proposta pelo relator. Em seguida, pediu vista dos autos o ministro Alexandre de Moraes, razão pela qual foi suspensa a análise do caso até a devolução dos autos para julgamento o que, como adiantado, está pautado para a próxima sexta-feira.
Embora nove ministros ainda precisem se manifestar sobre a matéria, é possível cogitar-se de um desfecho final de mérito favorável às pretensões dos contribuintes — destaque-se, contudo, que para uma adequada projeção dos efeitos de uma decisão nesse sentido as questões acima apontadas relativas à modulação proposta pelo relator precisarão ser revertidas. Como se vê, é fundamental que se acompanhe de perto o tema sob análise, em especial para transmissões, realizadas nos últimos anos, de quaisquer ativos recebidos de doador residente no exterior e/ou de ativos situados no exterior a título de herança.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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assinatura de contrato; stfj

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JOTA

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