Renata Gil de Alcantara Videira

Fellipe Matheus da Cunha Gonçalves

Natalie Alves

Recentemente, foi sancionado pela Presidência da República o Projeto de Lei n.º 5977/2019, o qual deu origem à <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.253-de-30-de-novembro-de-2021-363455669">Lei n.º 14.253/2021</a>, que amplia o número de membros dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), o que se fez mediante a extinção de alguns cargos vagos de juiz federal substituto, de modo a evitar-se aumento de despesas. Com a promulgação da lei, o número de membros do TRF1 passa de 27 para 43; do TRF2, de 27 para 35; do TRF3, de 43 para 55; do TRF4, de 27 para 39; e do TRF5, de 15 para 24.
Para além do mérito em si dessa lei, outro aspecto importante — que envolveu articulação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) junto aos parlamentares — diz respeito à nova designação por ela conferida aos membros dos TRFs, que eram tratados como “juízes” e passaram a ser tratados como “desembargadores”. A Lei 14.253/2021 alterou as Leis 9.967/2000 e 9.968/2000, de modo que onde se fazia referência a “juízes” de TRF passou-se a fazer referência a “desembargadores” de TRF.
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De acordo com o art. 34 da Lei Complementar n.º 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura), os membros do Supremo Tribunal Federal (STF), do Tribunal Federal de Recursos, do Superior Tribunal Militar (STM), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) têm o título de ministro; os dos Tribunais de Justiça, o de desembargador; sendo o de juiz privativo dos outros tribunais e da magistratura de primeira instância. Dessa forma, segundo os termos desse dispositivo — que é pretérito à Constituição de 1988, ressalte-se —, o título de desembargador caberia apenas aos membros dos Tribunais de Justiça dos estados.
Muito embora tenha dado à Justiça Federal uma organização absolutamente distinta daquela prevista na Constituição de 1967, o constituinte de 1988 ainda manteve, inadvertidamente, a mesma disciplina contemplada na Lei Orgânica da Magistratura, pela qual se reserva o título de desembargador aos membros dos Tribunais de Justiça. É o que revela o art. 107 da Constituição de 1988, que dispõe que os TRFs se compõem de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo presidente da República dentre brasileiros com mais de 30 e menos de 65 anos.
Ocorre, contudo, que essa distinção entre o título conferido aos membros dos Tribunais de Justiça e o título conferido aos membros dos Tribunais Regionais Federais não se justifica, especialmente à luz do princípio da igualdade, que rege a magistratura, e da unidade do poder jurisdicional, além de que essa distinção quebra a lógica de organização do Judiciário. Diante disso, a reforma legislativa promovida pela Lei 14.253/2021 afigura-se importante, porquanto torna mais coerente a organização do Poder Judiciário e confere maior densidade e eficácia aos princípios constitucionais da igualdade e da unidade da jurisdição.
Sabe-se que a jurisdição, enquanto dimensão e manifestação da soberania do Estado, caracteriza-se pela unidade e indivisibilidade. As disposições constitucionais que distribuem competências entre os diferentes órgãos do Judiciário denotam exclusivamente um aspecto organizacional, erigido com o propósito tanto de garantir a eficiência na prestação jurisdicional quanto de viabilizar o exercício da ampla defesa, com diferentes instâncias recursais.
Nesse sentido, têm-se as lições de Cândido Dinamarco et al., para os quais “a jurisdição é uma só, ela não é nem federal nem estadual: como expressão do poder estatal, que é uno, ela é eminentemente nacional e não comporta divisões. No entanto, para a divisão racional do trabalho, é conveniente que se instituam organismos distintos, outorgando-se a cada um deles um setor da grande massa de causas que devem ser processadas no país”.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Essa unidade e indivisibilidade manifestam-se, por exemplo, no art. 92 da Constituição Federal, de acordo com o qual absolutamente todos os juízes e tribunais do país constituem, sem qualquer distinção, órgãos do Judiciário, inclusive, por evidente, os Tribunais Regionais Federais (inciso III). Portanto, dentro dessa estrutura unitária que caracteriza o Judiciário, não parece haver espaço para que os membros dos TRFs recebam uma designação distinta daquela que recebem os membros dos Tribunais de Justiça.
Com base nessa ideia de unidade do Poder Judiciário, o STF já julgou inconstitucional disposição da EC n.º 41/2003, que pretendia conferir um tratamento remuneratório distinto entre os magistrados da Justiça estadual e os magistrados da Justiça Federal. A emenda em questão alterava a redação do art. 37, inciso XI, de modo a delimitar tetos remuneratórios diferenciados para ambos os segmentos de Justiça. Na compreensão da Corte, no entanto, conforme constou do voto do ministro Cezar Peluso, esse tratamento discrepante contraria o caráter nacional e unitário do Judiciário, bem como a isonomia entre os magistrados.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Portanto, o caráter unitário do Judiciário e a necessidade de assegurar isonomia no seio da magistratura não comportam a distinção de título entre os magistrados de segunda instância, razão pela qual todos devem ser chamados de desembargador, independentemente do segmento de Justiça a que pertençam.
Além disso, outro fator a corroborar essa ideia diz respeito à equivalência de funções que exercem os magistrados de segunda instância, sejam eles da Justiça estadual, sejam eles da Justiça Federal. Em linhas gerais, assim como ocorre na Justiça estadual, a função mais elementar dos TRFs é o julgamento de recursos com natureza ordinária, ou seja, funcionam primordialmente enquanto instância revisora — tanto em relação a aspectos fático-probatórios quanto em relação a aspectos jurídicos — das decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição. Com isso, torna-se ainda menos compreensível a distinção que existe atualmente entre a denominação dos membros dos TRFs e a denominação dos membros dos Tribunais de Justiça estaduais.
Para além de exercerem funções equivalentes, cumpre observar que os magistrados de segunda instância, independentemente do ramo do Poder Judiciário a que pertençam, gozam das mesmas garantias (art. 95, incisos I, II e III), estão sujeitos aos mesmos impedimentos (art. 95, parágrafo único), submetem-se ao mesmo teto remuneratório e percebem, por consequência, a mesma remuneração. Note-se, então, que não há nada que diferencie — em termos de direitos, garantias, impedimentos, atribuições e remuneração — os membros dos Tribunais de Justiça estaduais dos membros dos TRFs.
Disso exsurge um terceiro fundamento, que exprime tanto uma necessidade de coerência organizacional do Poder Judiciário quanto um caráter pragmático. O termo “magistrado” costuma designar um gênero do qual são espécies os juízes, os desembargadores e os ministros. Essas espécies, por uma questão de coerência, deveriam designar a primeira instância com os juízes, a segunda instância com os desembargadores e a instância extraordinária com os ministros dos Tribunais Superiores. No entanto, embora todos os magistrados de primeiro grau sejam juízes e todos os magistrados da instância extraordinária sejam ministros, ainda existe uma diferenciação de título entre os magistrados da segunda instância — algo que quebra a lógica e a coerência organizacional do Poder Judiciário.
Diante desses fundamentos, torna-se notório o mérito da Lei 14.253/2021, que traz maior densidade e eficácia aos princípios constitucionais da igualdade e da unidade do Poder Judiciário, pois uniformiza o título conferido aos magistrados de segunda instância, garantindo-se aos membros dos Tribunais Regionais Federais a denominação de desembargador, tal como ocorre nos Tribunais de Justiça dos estados. Agora, resta estender essa providência à Justiça do Trabalho, de sorte que os membros dos Tribunais Regionais do Trabalho também passem a ser titulados como desembargadores.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> DINAMARCO, Cândido Rangel et al. Teoria Geral do Processo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 212.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> ADI 3854 MC, Relator(a): CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2007, DJe-047 DIVULG 28-06-2007 PUBLIC 29-06-2007 DJ 29-06-2007 PP-00022 EMENT VOL-02282-04 PP-00723 RTJ VOL-00203-01 PP-00184.

TRF4

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JOTA

Lei 14.253/2021 tem o mérito de uniformizar denominação, e juízes dos TRFs passam a ser desembargadores

Isonomia não comporta distinção de título na magistratura de 2ª instância

Lei 14.253/2021 tem o mérito de uniformizar denominação na magistratura, e juízes dos TRFs passam a ser desembargadores