Tácio Lacerda Gama

Bruce Bastos Martins

Não incide Imposto Sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre as remessas feitas para adquirir licença de uso de software as a service (SaaS) quando feita para país com o qual o Brasil possui acordo de tributação. Essa afirmação está bastante alinhada com o atual entendimento da Receita Federal do Brasil (RFB), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, agora, com eficácia erga omnes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Isso porque o objeto desse contrato é caracterizado predominantemente como prestação de serviço técnico em ambiente de cloud computing ou “nuvem”, o que significa, em termos mais gerais, a obrigação de fazer algo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A remessa em questão é feita com periodicidade, podendo ser mensal ou trimestral, por exemplo, e embora represente a contraprestação de diversos serviços contratados, conforme o acesso ao “pacote de utilidades”, prevalece a obrigação de prestar serviço técnico, uma vez que, conforme a RFB, são contratos “que dependem de conhecimentos especializados em informática e decorrem de estruturas automatizadas com claro conteúdo tecnológico”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. E por isso se exige IRRF e CIDE nesta operação cross-border.
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O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), aliás, parece concordar com essa definição de obrigação de fazer para os contratos de licença de uso de SaaS, eis que, depois de um detido exame deste novo modelo de negócio, cuja relação continuada distancia-se da obrigação de dar dos contratos de licença de uso de software as a product (SaaP), foi enfático ao afirmar que “fica patente tratar-se de prestação de serviço”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Mas, se levarmos em conta a aplicação dos acordos de bitributação, então o cenário jurídico é outro e o entendimento da RFB conflita com a jurisprudência. Também é uma hipótese de identificação do objeto do contrato: por um lado o ADI RFB nº 5/2014 dispõe que a remessa para pagamento de serviço técnico tenha igual tratamento despendido para royalties, se existir protocolo desta equiparação no acordo de bitributação; por outro, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), por exemplo, decidiu que a remessa deve ter igual tratamento despendido para royalties, se além da previsão também existir cláusula de transferência de tecnologia ou “know-how” nesta operação internacional.
Não sendo este o caso – e não era, na operação entre empresas do Brasil e da Itália julgada pelo Tribunal –, “os valores pagos a empresas italianas por prestação de serviços (que não envolvem transferência de tecnologia) integram o lucro destas, o que enseja a aplicação do art. 7º da Convenção Brasil-Itália, que impede a tributação pelo Estado da fonte pagadora”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Como os contratos de SaaS não preveem a transferência do conhecimento tecnológico, ou seja, não possuem cláusula de “know-how”, então o pagamento destinado a país com o qual o Brasil possui acordo de bitributação, sendo contraprestação pelo serviço técnico tomado, deve ser classificado como lucro da empresa estrangeira, cláusula 7 da CM-OCDE, em vez de royalties, cláusula 12 da CM-OCDE, daí a tributação do IR ocorrer no Estado de residência do contribuinte, e não no Estado da fonte da renda.
<blockquote class="jota-article__eye">O entendimento do STJ e do STF, neste ano, ratificam em grande medida a decisão do TRF4, como também o desdobramento desta jurisprudência para as relações tributárias decorrentes dos contratos de licença de uso de SaaS.</blockquote>
No REsp 1618897/RJ, publicado em 26/05/2020, a Corte Superior decidiu que “O termo lucro da empresa estrangeira deve ser interpretado não como lucro real, mas como lucro operacional, como o resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica, incluído, o rendimento pago como contrapartida de serviços prestados”. Por seu turno o STF, na ADI nº 3142, publicado em 06/10/2020, decidiu, com eficácia erga omnes, para determinação da obrigação tributária, a importância de se diferenciar os objetos dos contratos conforme a obrigação contraída: obrigação de dar ou obrigação de fazer.
Visto que o entendimento da RFB é justamente caracterizar os contratos de SaaS como obrigação de fazer, porquanto o serviço que se presta é, predominantemente, técnico, conclui-se com a mesma contundência que se iniciou este texto: não incide IRRF sobre as remessas feitas para adquirir licença de uso de Software as a Service (SaaS) quando feita para país com o qual o Brasil possui acordo de tributação.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A jurisprudência do STF é bastante sólida no sentido de diferenciar, nos contratos, as obrigações que se satisfazem ao dar ou fazer algo, de modo a identificar a partir deste critério as relações tributárias correspondentes.  Esta mesma jurisprudência também se firmou no sentido de reconhecer a prevalência da obrigação de fazer, tributável pelo ISS, para os contratos que englobam diversas prestações (ver RE n. 603.136, RE n. 651.703 e REs n. 547.245 e 592.205). E no recente julgamento da ADI nº 3142, o STF mais uma vez consolidou este entendimento e decidiu pela inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre os contratos de cessão de infraestrutura, justamente por ser uma obrigação contratual que se satisfaz ao dar algo. Mas ressalta a possibilidade de incidência do ISS nos casos em que (i) esta obrigação for cumulada, contratualmente, com uma obrigação de fazer prevista como hipótese tributária; e (ii) não ser divisível o valor da contraprestação pelas obrigações contratuais satisfeitas.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Solução de Consulta COSIT nº 191/2017
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> APELAÇÃO ISS SOFTWARE COMO SERVIÇO "SaaS" MODALIDADE DE COMERCIALIZAÇÃO DE PROGRAMA DE COMPUTADOR RELAÇÃO JURÍDICA CONTINUADA CARACTERISTICA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO -- ISS DEVIDO. RECURSO NÃO PROVIDO (TJSP; Apelação Cível 0006496-32.2013.8.26.0053; Relator (a): Fortes Muniz; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 3ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 25/09/2014; Data de Registro: 06/10/2014)
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> EMENTA: IMPOSTO DE RENDA. RETENÇÃO NA FONTE. SERVIÇOS PRESTADOS POR EMPRESA ESTRANGEIRA. CONVENÇÃO BRASIL-ITÁLIA. RESTITUIÇÃO/COMPENSAÇÃO. ILEGITIMIDADE. 1. Os valores pagos a empresas italianas por prestação de serviços (que não envolvem transferência de tecnologia) integram o lucro das mesmas, o que enseja a aplicação do art. 7º da Convenção Brasil-Itália, que impede a tributação pelo Estado da fonte pagadora. 2. Embora tenha legitimidade para buscar a declaração de inexigibilidade do tributo, não pode a empresa responsável pela retenção do imposto de renda pleitear a restituição dos valores recolhidos, pois foi a empresa estrangeira prestadora dos serviços quem suportou o encargo financeiro do tributo (TRF4, APELREEX 5003717-64.2012.4.04.7113, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 14/08/2013)

icms

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JOTA

Pela aplicação de acordos de bitributação, entendimento da Receita Federal conflita com a jurisprudência

A não incidência do IRRF sobre operações com SaaS: STF e a ADI nº 3142

Se levarmos em conta a aplicação dos acordos de bitributação, o cenário é outro e o entendimento da RFB conflita com a jurisprudência