Daniel Fiszpan Alonso

Aquecimento global, redução de áreas florestais e destruição de habitat são expressões em alta hoje. Não à toa: estão diretamente relacionados com a ameaça de extinção de milhares de espécies e afetam diretamente a sobrevivência humana e sua qualidade de vida no longo prazo. Para reverter esse quadro, uma ferramenta, entre tantas outras, que ganha evidência no país é o IPTU Verde. Trata-se de um incentivo fiscal voltado para a redução da alíquota de <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/iptu-entenda-como-funciona-e-como-e-calculado-por-municipios-13052021">IPTU</a>, que tem como objetivo a promoção de comportamentos sustentáveis por parte dos contribuintes. Mas, com o aprofundamento da pandemia do Covid-19, poderia essa importante política pública ter a sua expansão inviabilizada?
Antes de tudo, o IPTU Verde é um meio de incentivo de comportamento. É concedido um desconto no imposto sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU) da unidade imobiliária a partir do quociente de cobertura nativa preservada em relação à área total do terreno, da adoção de sistema de captação de energia solar e da implantação de telhado verde, por exemplo. Nos últimos anos, diversos municípios brasileiros aderiram a essa política extrafiscal desenhada pelo IPTU Verde, como Salvador e São José dos Campos. Em Salvador, por exemplo, os descontos vão de 5% a 10% do IPTU.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Trazer uma isenção parcial de imposto implica, em última medida, realizar uma renúncia de receita, que, conforme o art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, deve ter, em contrapartida, uma compensação orçamentária. Em relação à adoção do IPTU Verde, Curitiba teve uma queda, ainda que ligeira, na arrecadação por ao menos 6 anos após o início do IPTU Verde na municipalidade (OLIVEIRA; GONÇALVES; CARVALHO; PORSSE, 2019, p.132).
Assim, manter o IPTU Verde, ainda significa pressionar, mesmo que nos primeiros anos de vigência dessa política pública, as outras receitas municipais tributárias, no caso o imposto sobre serviço de qualquer natureza (ISSQN) e o imposto sobre transmissão de bem imóvel (ITBI), além de dificultar a previsão de outras causas de isenção parcial de IPTU.
A redução, por si só, tendo em vista seu baixo impacto sobre as receitas, aparentemente não se mostra demasiadamente onerosa. Todavia, quando se tem em perspectiva as despesas municipais, a situação se agrava. Considerando apenas as receitas originárias e derivadas municipais, 1.856 municípios (34,8% dos municípios brasileiros) não conseguiam custear nem mesmo a integralidade de sua estrutura administrativa (IFGF, 2019, p.8).
Além disso, 3.944 municípios (73,9%) estavam em um estado crítico de gestão, gastando mais da metade do orçamento com agentes públicos (IFGF, 2019, p.7). E mais grave: 1.121 prefeituras terminaram o ano sem dinheiro em caixa suficiente para adimplir o total de restos a pagar (IFGF, 2019, p.12). Nessa lógica, diante das despesas, todo custo ainda é um custo, o que pesa em desfavor do IPTU Verde. Ocorre que os dados são de 2018, antes da pandemia.
<blockquote class="jota-article__eye">Desse modo, se o IPTU Verde já enfrentava o desafio de vencer o aperto das contas públicas municipais, encontrou mais um grande contratempo em 2020, a pandemia do novo coronavírus.</blockquote>
De acordo com a Confederação Nacional de Municípios (CNM), apenas no segundo trimestre de 2020, a queda de arrecadação dos impostos municipais — ISSQN, ITBI e IPTU —, em virtude da pandemia, chega a 3,7 bilhões de reais.
Mas, além dos recursos da própria arrecadação, compõem também as receitas municipais os repasses da União — em razão do imposto sobre propriedade territorial rural (ITR) e sobre a renda (IR) — e dos estados, relativos aos impostos sobre circulação de mercadoria (ICMS) e sobre propriedade de veículos automotores (IPVA). No mês de maio, a receita tributária da União reportou queda próxima de 30% em comparação com o mesmo período em 2019, um ano antes.
Os estados, por sua vez, registraram uma redução de 16 bilhões de reais na arrecadação entre os meses de janeiro e junho de 2020 em comparação com o mesmo período em 2019. Em suma, a conjuntura das contas municipais, já delicada, intensificou-se. Exemplo disso foi a fala do recém-empossado prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, em que afirmou não haver dinheiro suficiente nas contas municipais nem para quitar o 13° salário dos servidores nem para pagar a remuneração de dezembro.
E essa conta já chega no déficit público. Se por um lado a arrecadação fiscal dos municípios foi afetada não só pela arrecadação local, mas pelas receitas transferidas também; de outro, os entes municipais foram socorridos com a suspensão dos pagamentos das dívidas com a União e com repasses federais advindos do Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus (LC 173/2020), possibilitado pelo regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações (“Orçamento de Guerra”) apenas durante a vigência do estado de calamidade pública nacional (art. 1°, EC 106/2020). Entretanto, o estado de calamidade pública teve seus efeitos cessados em 31 de dezembro de 2020, conforme o art. 1°, decreto legislativo 6/2020.
Além disso, o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, descartou a possibilidade de prorrogação do estado de calamidade e de pauta do tema nos últimos dias de sessão ordinária de 2020 na respectiva Casa. E não por acaso. A dívida bruta do governo geral — que inclui União, estados e municípios — saiu de quase 76% do PIB em dezembro de 2019 para próximo a 91% em outubro de 2020. A dívida pública em um valor expressivo do PIB pode colocar em xeque a capacidade econômica do Estado Federal de adimplir suas dívidas para com os investidores. Dessa forma, uma nova ajuda da União aos municípios aparenta ser remota.
Para controlar essa dívida, o ajuste das contas dos entes federativos, no espaço de tempo durante e no pós-pandemia, aponta para o controle do caixa. Não só o esforço de maximização de receita, mas também a minimização de despesas. Nesse contexto se insere o IPTU Verde. Se por pelo menos 6 anos após sua implementação, como foi o caso de Curitiba, esta política pública significa uma diminuição, mesmo que pequena, da receita com IPTU, qual incentivo os agentes políticos teriam para instituir o IPTU Verde em seu município no curto prazo? Por ora, nenhum.
O interesse imediato está em reverter o balanço financeiro municipal, antes já debilitado na maior parte dos municípios do país e agora agravado pela pandemia, restando no médio e longo prazo a pauta de preservação ambiental. No paradigmático caso da prefeitura do Rio de Janeiro, mesmo as despesas correntes obrigatórias de pagamento de pessoal estão afetadas.
Em suma: não há espaço orçamentário para a renúncia de receita neste momento, pelo menos em uma significativa parcela dos municípios brasileiros. Por outro lado, para os municípios que já têm o IPTU Verde, a discussão sobre ter ou não essa isenção parcial passa a não fazer tanto sentido, pois, ao longo do tempo de vigência do sistema, há a redução gradual da diferença entre a arrecadação se não houvesse a medida e a arrecadação real, tornando-se os entes municipais indiferentes ao incentivo fiscal pelo baixo impacto na sua receita tributária (OLIVEIRA; GONÇALVES; CARVALHO; PORSSE, 2019, p.135).
Apesar da pandemia e dos balanços municipais atualmente, o futuro do IPTU Verde aparenta-se promissor. No momento, a política pública de IPTU Verde está tramitando no Senado Federal para ser elevada à envergadura constitucional com a PEC 13/2019. E não sem razão: é uma medida que não só permite o incentivo da população para uma ocupação ambientalmente correta do solo, mas também auxilia na valorização de imóveis, além de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos (OLIVEIRA; GONÇALVES; CARVALHO; PORSSE, 2019, p.135).
Ademais, no longo prazo, o custo de implantação do IPTU Verde com as receitas renunciadas tende a se equalizar com o aumento arrecadatório, puxado pela própria valorização imobiliária (OLIVEIRA; GONÇALVES; CARVALHO; PORSSE, 2019, p.135). Dessa maneira, mesmo que o curto prazo possa estar nublado, o IPTU Verde é uma medida potencialmente estrutural de aumento do bem-estar das pessoas na localidade em que for colocado em prática e de promoção à sustentabilidade ambiental.
Portanto, por mais que o IPTU Verde tenha uma importância crucial por colocar em voga o debate acerca da adoção de práticas sustentáveis, a sua chegada a mais municípios brasileiros, muitos deles já comprometidos por conta do desequilíbrio fiscal, apresenta-se improvável no curto prazo com o aprofundamento da pandemia no país. Se 73,9% dos municípios tinham um estado crítico de gestão fiscal antes da pandemia, a possibilidade de reversão do quadro em um ou dois anos, no contexto de queda de receitas, mostra-se difícil.
Porém, para os municípios que instauraram essa medida de benefício fiscal antes da pandemia, em especial os que já o fizeram há mais tempo, o custo de manutenção da política tende a ser irrelevante — isso se os benefícios, como a elevação no valor dos imóveis com o aumento de bem-estar advindo da arborização, por exemplo, não superarem tais custos. Saindo da conjuntura atual, o IPTU Verde representa uma grande possibilidade de incentivar agentes privados de pautas atuais e ainda proporcionar o aumento do bem-estar social. Não por menos, se a chave para a sustentabilidade está na atitude humana, o IPTU Verde pode ser uma esperança.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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Referências
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<li>GONÇALVES, Rodrigo da Rocha; OLIVEIRA, Cassius Rocha de; CARVALHO, Andréa Bento; SANTOS, Regina Ávila. O IMPACTO DA POLÍTICA PÚBLICA DE IPTU VERDE NO MUNICÍPIO DE CURITIBA. Revista Iberoamericana de Economia Ecológica, 2019. Vol.30. N°1. Pp.120-137. Disponível em: &lt;https://ddd.uab.cat/pub/revibec/revibec_a2019v30/revibec_a2019v30p120.pdf&gt;</li>
<li>Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF). Rio de Janeiro: Firjan, 2019. Disponível em:&lt;<a href="https://www.firjan.com.br/data/files/8F/50/19/81/B2E1E610B71B21E6A8A809C2/IFGF-2019_estudo-completo.pdf">https://www.firjan.com.br/data/files/8F/50/19/81/B2E1E610B71B21E6A8A809C2/IFGF-2019_estudo-completo.pdf</a>&gt;</li>
<li>&lt;<a href="https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/com-pandemia-impostos-municipais-somam-queda-de-r-3-7-bilhoes-no-segundo-trimestre">https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/com-pandemia-impostos-municipais-somam-queda-de-r-3-7-bilhoes-no-segundo-trimestre</a>&gt;</li>
<li>&lt;<a href="https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/06/24/internas_economia,866349/pandemia-derruba-em-um-terco-a-arrecadacao-de-tributos-federais.shtml">https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/06/24/internas_economia,866349/pandemia-derruba-em-um-terco-a-arrecadacao-de-tributos-federais.shtml</a>&gt;</li>
<li>&lt;<a href="https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/08/estados-perdem-r-16-bilhoes-em-arrecadacao-no-1o-semestre.shtml#:~:text=Ao%20todo%2C%20os%20estados%20tiveram,%3B%20uma%20queda%20de%206%25">https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/08/estados-perdem-r-16-bilhoes-em-arrecadacao-no-1o-semestre.shtml#:~:text=Ao%20todo%2C%20os%20estados%20tiveram,%3B%20uma%20queda%20de%206%25</a>&gt;</li>
<li>&lt;<a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/01/02/secretario-de-fazenda-do-rio-cogita-parcelar-13o-e-diz-que-pagamento-de-janeiro-pode-atrasar.ghtml">https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/01/02/secretario-de-fazenda-do-rio-cogita-parcelar-13o-e-diz-que-pagamento-de-janeiro-pode-atrasar.ghtml</a>&gt;</li>
<li>&lt;<a href="https://www.camara.leg.br/noticias/714353-maia-descarta-prorrogacao-do-orcamento-de-guerra-e-do-estado-de-calamidade/">https://www.camara.leg.br/noticias/714353-maia-descarta-prorrogacao-do-orcamento-de-guerra-e-do-estado-de-calamidade/</a>&gt;</li>
<li>&lt;<a href="https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/01/31/internas_economia,824672/divida-bruta-do-governo-geral-fecha-2019-em-75-8-do-pib-revela-bc.shtml">https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/01/31/internas_economia,824672/divida-bruta-do-governo-geral-fecha-2019-em-75-8-do-pib-revela-bc.shtml</a>&gt;</li>
<li>&lt;https://istoe.com.br/divida-bruta-do-governo-geral-fica-em-907-do-pib-em-outubro-diz-bc/#:~:text=Economia-,D%C3%ADvida%20bruta%20do%20Governo%20Geral%20fica%20em%2090%2C7%25%20do,PIB%20em%20outubro%2C%20diz%20BC&amp;text=O%20BC%20informou%20ainda%20que,DLSP%20atingiu%20R%24%204%2C436%20trilh%C3%B5es.&gt;</li>
<li>&lt;<a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/01/29/pec-do-iptu-verde-ja-esta-pronta-para-ser-votada-pelo-senado">https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/01/29/pec-do-iptu-verde-ja-esta-pronta-para-ser-votada-pelo-senado</a>&gt;</li>
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