Vivian Rocha

José Augusto Fontoura Costa

No final de janeiro de 2020, a União Europeia e o Canadá adotaram quatro decisões sobre o tão aguardado tribunal de investimentos previsto no EU-Canada Comprehensive Economic and Trade Agreement (CETA), regulamentado no art. 8.23 do acordo.
Essas decisões dizem respeito a:
<ol>
<li>Regras sobre o funcionamento do Tribunal de Apelação</li>
<li>Código de conduta para os juízes do Tribunal de Investimentos</li>
<li>Regras de mediação;</li>
<li>Regras sobre interpretações vinculantes a serem adotadas pelo Comitê Conjunto do CETA.</li>
</ol>
<a href="http://conteudo.jota.info/aprovometro-jota"><img class="aligncenter wp-image-292714 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/aprovometro.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
O CETA é um acordo de livre comércio de bens e serviços entre União Europeia e Canadá. Foi assinado em 2016, mas nem todos os países do bloco europeu o ratificaram até o presente. Continua, portanto, em vigor provisoriamente desde setembro de 2017. Possui capítulo sobre investimentos, com disposições que seguem os moldes dos tradicionais acordos de promoção e proteção de investimentos, criados essencialmente para proteger os investidores nacionais de uma das partes no território da outra.
<blockquote class="jota-article__eye">A grande inovação desse capítulo é a criação de uma forma de solução de disputas inédita no Direito Internacional de Investimentos: a corte com jurisdição para a matéria é um tribunal permanente e há competência recursal.</blockquote>
Questões envolvendo investimentos estrangeiros, sob o amparo de acordos de investimento, são normalmente resolvidas por meio da arbitragem internacional de investimentos. Suas principais características são: (i) a resolução de controvérsias por meio de tribunais compostos por árbitros indicados pelas partes; (ii) as decisões são imediatamente vinculantes e (iii) não há possibilidade de apelação das decisões.
As arbitragens de investimentos, em sua maioria, são administradas pelo International Centre for Settlement of Investment Disputes (ICSID). Instituição do sistema do Banco Mundial e com sede em Washington, o Centro tem regras específicas para as arbitragens e conta com um roster de árbitros. Não se trata, porém, de um tribunal internacional, pois não conta com um conjunto estável de juízes. Por conseguinte, o conjunto de sentenças não chega a compor jurisprudência, pois não resultam do trabalho de um único tribunal e sequer se referem a uma única base normativa, sendo prolatadas com fulcro em vários tratados, diferentes entre si.
A inovação é importante pois, conforme os defensores do tribunal, traria maior previsibilidade às decisões e, ao mesmo tempo, afastaria vieses sistêmicos em favor dos investidores. Nenhum desses argumentos é particularmente contundente, pois é provável não surgir um corpo de decisões significativo em razão da provável baixa utilização do sistema e, por outro lado, os eventuais incentivos e desvios sistêmicos não desaparecem com o afastamento da arbitragem.
A constituição do tribunal de apelação se dará por indicações dos Estados, compondo um plenário de seis membros, sendo designadas para os casos turmas de três juízes. Estes serão indicados por Canadá (dois), União Europeia (dois) e, com nacionalidades diversas das Partes, dois juízes escolhidos pelos demais indicados; os princípios da diversidade e da igualdade de gêneros serão respeitados. O Comitê Conjunto do CETA, espécie de instância de governança do acordo, poderá decidir aumentar o número de juízes no futuro em múltiplos de 3. O mandato desses juízes será de 9 anos, não prorrogáveis, e após o encerramento do mandato, o juiz poderá continuar trabalhando nos casos até que se encerrem, a não ser que o Presidente do tribunal de apelação decida o contrário.
Fazendo um paralelo com o Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC), uma das principais críticas dos EUA<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> ao bloquear a indicação de membros para o órgão foi a crise atinente aos membros em final de mandato continuarem com seus casos mesmo após sua saída. No CETA, portanto, há regra clara sobre a permanência do julgador no caso até seu término, sendo esta a regra e não a exceção.
Ademais, as apelações terão prazo máximo de 180 dias, da decisão formal da parte de que pretende apelar da decisão até a prolação da sentença. Há possibilidade de prorrogação desse prazo para no máximo 270 dias, caso o tribunal entenda que o prazo original não seja suficiente.
Nesse sentido, destaca-se a grande possibilidade de a União Europeia pivotar o regime internacional de investimentos via acordos de livre comércio e adquirir papel-chave na governança internacional sobre investimentos. Ao dispor sobre a criação de tribunais de investimento no âmbito de cada acordo firmado, o bloco estará inovando e substituindo, em certa medida, um dos pilares tradicionais do Direito Internacional dos Investimentos, qual seja a arbitragem. Ademais, ao consolidar interpretações que podem ser divergentes na prática da arbitragem de investimentos, e gerar um spill over effect de interpretações decididas no âmbito de um acordo em outro (mesmo não necessariamente idênticas).
A partir de sua operacionalização, Estados e investidores estrangeiros vão muito provavelmente utilizar as decisões do Tribunal do CETA no que lhes convier. Considerando que muitos dos grandes especialistas na área são europeus, é de se esperar que integrem ao menos um terço das vagas como juízes do tribunal, o que lhes garantirá a aplicação de um viés ora pró-Estado, ora pró-investidor, mas, sobretudo, eurocêntrico.
<blockquote class="jota-article__eye">Embora a estratégia europeia seja visivelmente a expansão de suas diretrizes acerca do comércio internacional e investimentos via acordos comerciais, nota-se que o Brasil se encontra distante dessas tendências.</blockquote>
A dissolução das esperanças de que o país pudesse vir a se tornar um exportador de investimentos, particularmente nos setores de construção civil voltada a infraestrutura na África, empresas de mineração e, com algum destaque, atuação no setor de energia por meio da Petrobrás, fez com que o impulso para a celebração de acordos de investimento arrefecesse, mesmo que por meio dos desdentados acordos de cooperação e facilitação de investimentos (ACFIs). Como importador de capitais e investimento estrangeiro direto, os temores referentes à arbitragem ou a qualquer forma de solução de controvérsias em matéria de investimentos estrangeiros se renovam.
Talvez seja mesmo o caso de aguardar um pouco mais, pelo menos para verificar os rumos que o tribunal da CETA tomará. Pode se tornar uma curiosidade inoperante, como o ICSID pareceu ser durante quase três décadas. Pode expressar seu eurocentrismo mediante o reforço a posições favoráveis aos investidores, afinal a Europa ainda é exportadora de capitais. Pode, até mesmo, se mostrar um instrumento eficiente e equilibrado. Até ter isso claro, o melhor parece ser (1) pensar em disposições materiais que garantam uma ampla atuação estatal, inclusive para promover o desenvolvimento e o bem-estar e (2) formas de solução de controvérsias capazes de afastar, no maior grau possível, possíveis vieses sistêmicos e ideológicos.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=b9z7dDRHnrg
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Segundo o the President´s Trade Policy Agenda 2018: “Recent decisions by the Appellate Body to, in its words, “authorize” a person who is no longer a member of the Appellate Body to continue hearing appeals created a number of very serious concerns, which the United States has expressed”. ESTADOS UNIDOS. The President´s 2018 Trade Policy Agenda. Washington: U.S. Trade Representative, 2018, p.25.

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JOTA

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