Christian Perrone

Cristina Alves

Tainá Aguiar Junquilho

Pedro Gueiros

Pedro Henrique Braga

A invasão do Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) e Palácio do Planalto, em 8 de janeiro, abriu a temporada de 2023 da discussão sobre a contribuição da Internet na polarização política e na potencial violência que essa tensão acarreta.
Não é difícil ver que as redes têm um papel na proposta e sustentação de eventos como os que ocorreram no fatídico domingo. Percebe-se não somente uma articulação do ocorrido em <a href="https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/01/08/mensagens-bolsonaristas-terroristas-brasilia.ghtml">trocas de mensagens</a>, pela interação durante (como “lives”, “stories” e “tweets”) e após com a força a velocidade dos comentários, mas também pelos novos possíveis “<a href="https://www.metropoles.com/distrito-federal/pelo-whatsapp-bolsonaristas-prometem-invadir-brasilia-por-72-horas">planos</a>” que vem sendo <a href="https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64208910">debatidos em serviços de mensageria</a>.
Com o choque causado pela violência da invasão, impactando de forma generalizada a sociedade e instituições brasileiras, pode ser difícil pensar além da punição dos perpetradores e de mecanismos sancionatórios. No entanto, sabe-se que situações de exceção como essa dificilmente fazem bons conselheiros para políticas públicas. Por isso, passado o clímax da tensão experimentada, busca-se, aqui, debater o problema a partir de quatro elementos além da punição.
<h3>Para além da sanção, educação</h3>
Ao que parece, o ocorrido no Brasil não é uma situação completamente isolada. Ainda que se deva entender dentro do seu próprio contexto, é difícil não ver paralelos do 8 de janeiro de 2023 no Brasil, com a invasão do Capitólio estadunidense em 6 de janeiro de 2021. No caso dos Estados Unidos, apoiadores do ex-presidente Trump invadiram o Capitólio americano e causaram danos patrimoniais, <a href="https://www.nytimes.com/2021/01/11/us/who-died-in-capitol-building-attack.html">mortes humanas</a> e ameaça contundente à democracia do país. Dois anos depois, agora no Brasil, apoiadores de Bolsonaro invadiram, depredaram e saquearam os prédios que representam os Três Poderes na Capital nacional.
Diante desse cenário, faz-se necessário visualizar algumas propostas no que pode ser um caminho para que essa situação não se repita. Na Europa, o Parlamento Europeu vem trabalhando em um <a href="https://www.eeas.europa.eu/sites/default/files/action_plan_against_disinformation.pdf">Plano de Ação</a> que foca na atuação em desinformação e em campanhas de desinformação. Este plano ambiciona tratar do fortalecimento das instituições estatais e entes privados para detectar, expor e punir colaborativamente a divulgação de notícias falsas. É crucial, nesse sentido, a existência de um movimento de conscientização e formação de resiliência social contra a ameaça de campanhas de desinformação. Prevê, também, o apoio aos trabalhos de jornalistas, de veículos de comunicação independente e de pesquisadores na checagem de fatos e transmissão responsável de informações ao público. Parte da estratégia se dá na alfabetização midiática e na educação direta e indireta das comunidades que compõem o corpo social europeu.
Especificamente tendo como objeto a educação, a <a href="https://www.estadao.com.br/internacional/como-a-finlandia-usou-as-salas-de-aula-para-derrotar-as-fake-news/">Finlândia</a> propôs como seu principal mecanismo de combate às campanhas de desinformação, a inclusão no currículo escolar a alfabetização midiática A iniciativa é formar de maneira multidisciplinar o pensamento crítico de crianças e adolescentes e empoderá-los a conseguir identificar técnicas de manipulação de informação e potenciais enviesamentos  diante do mundo de informações que rodeiam a sociedade em rede. Em aulas de diferentes disciplinas, a questão é abordada em casos como de explicações sobre como estatísticas podem fazer parte de uma narrativa que distorce ocorridos ou como ainda, em história, elementos de como propagandas serviram de mecanismo para influenciar a opinião da população. O resultado preliminar é que a <a href="https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/sites/default/files/2022-06/Digital_News-Report_2022.pdf">Finlândia possui 71% de confiabilidade</a> por parte de seus cidadãos, em contrapartida à média mundial, avaliada em 41%.
No Brasil, o <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm">Marco Civil da Internet,</a> em seu art. 26, já indica diretrizes a todas as esferas do governo para a promoção de práticas educacionais que assegurem o uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta para o exercício da cidadania. Também, na recém aprovada <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14533.htm">Política Nacional de Educação Digital (Lei nº. </a><a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14533.htm">14.533/23)</a>, prevê-se o desenvolvimento de políticas que formem cultura digital (art. 3º, III) sobre participação consciente e democrática, por meio das tecnologias digitais, com construção de atitude crítica, ética e responsável. Há aqui uma oportunidade para o desenvolvimento de políticas educacionais, como as da Finlândia, para que se possa encontrar meios de a própria sociedade se tornar mais resiliente e combater campanhas de desinformação por si mesma.
<h3>Qual o preço de monitorar continuamente o conteúdo online?</h3>
Ao que parece, há uma visão sendo proposta de muito do que ocorreu poderia ter sido “antecipado” se houvesse um monitoramento mais atento das redes e trocas de mensagens de grupos e indivíduos “radicalizados”. Vive-se, como já foi dito, em uma "sociedade do espetáculo”, “[o]nde o mundo real se converte em simples imagens, estas simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes típicas de um comportamento hipnótico”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Logo, muito do que ocorre no mundo físico está imbricado e pode ser visto na internet.
De fato, a grande agremiação de campanhas de desinformação e grupos radicalizados encontram nas redes espaços em que podem se identificar, conhecer e articular. Sob o legítimo objetivo de encontrar os responsáveis e se precaver de eventuais atos futuros, pode-se propor que se rastreie nas redes e serviços de mensageria as interações e as trocas de mensagens. Isso pode se materializar em propostas que buscam encontrar meios para ter acesso a dados e conteúdos que muitas vezes estão protegidos por criptografia, como ocorre em diversos serviços de mensagens instantâneas.
Esse parece ser um desses momentos em que os fins justificariam os meios, nos quais a privacidade deveria ceder espaço para a segurança. Mas, será mesmo? Por um lado, a quebra da criptografia na prática é tecnicamente ineficiente, pois, primeiro foca na identificação individual de responsáveis por trocas de mensagens e não nos verdadeiros responsáveis por trás das campanhas de desinformação e da organização das redes que estimulam atos como os do 8 de janeiro. Por outro, cria um mecanismo que possibilita a vigilância em massa, não somente para um ou outro evento, mas também no geral, podendo monitorar desde opositores até jornalistas. Qualquer sistema de monitoramento constante (particularmente os que quebram criptografia) não possuem em si as mesmas garantias contra o seu mau uso e tende a criar uma atmosfera de medo aos interlocutores, arrefecendo o debate público e se movendo para a sistemática de autocensura. Ademais, esses sistemas são antitéticos à privacidade e à proteção de dados, pois se pressupõe a maximização da coleta e tratamento de informações e não o contrário.
Mas, e aí, ficamos sem uma possível resposta? Não. O que se deve buscar são mais e melhores técnicas de investigação como uso de análise de redes (através de metadados de tráfico, por exemplo), de “siga o dinheiro” (“follow the money”), que focam não em conteúdos específicos, mas sim em campanhas de desinformação que são as verdadeiras causadoras desses ambientes propícios à violência política. Essas técnicas proporcionam um sistema mais moderno e ainda mais eficiente, com o benefício de ser mais respeitadores de direitos.
<h3>A colaboração e o tratamento de dados pessoais para investigações penais </h3>
Outro aspecto que precisa ser ressaltado diz respeito à forma/procedimento que tem sido usado na investigação para punição dos envolvidos no episódio. <a href="https://www.telesintese.com.br/sem-lgpd-penal-inquerito-sobre-vandalismo-em-brasilia-enfrenta-vacuo-normativo/">Exemplos</a> de situações ocorridas para apuração dos eventos: foram divulgados nome e data de nascimento dos envolvidos no caso; determinou-se que empresas de telecomunicação divulgassem a “geolocalização” - posição geográfica -  de usuários que estiveram, durante o episódio, nas imediações da Praça dos Três Poderes e do Quartel General do Distrito Federal.
A <a href="https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/01/10/agu-pede-ao-stf-que-operadoras-e-redes-sociais-preservem-dados-de-criminosos-durante-invasao-em-brasilia.ghtml">AGU, por exemplo, r</a><a href="https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/01/10/agu-pede-ao-stf-que-operadoras-e-redes-sociais-preservem-dados-de-criminosos-durante-invasao-em-brasilia.ghtml">equisitou recentemente ao STF</a> que as plataformas digitais preservem os registros de acesso, visando um maior detalhamento das informações aptas a fornecerem insumos à identificação dos indivíduos que participaram dos eventos do dia 8 de janeiro. Ademais, o próprio órgão representante da União já havia criado em 1º de janeiro de 2023, sua mais nova Procuradoria de Defesa da Democracia, onde, nos termos do art. 47, II do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11328.htm">Decreto n. 11.328/23</a>, compete-lhe combater a desinformação em prol de políticas públicas, inclusive extrajudicialmente<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Por mais louvável que sejam iniciativas desse tipo (e é importante que o Estado faça parte do processo de desmantelamento de campanhas e redes de desinformação), há sempre um risco de que estas iniciativas venham, ainda que não intencionalmente, impactar direitos, a depender das competências sob sua alçada e procedimentos a serem seguidos.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lgpd">LGPD</a>) propugna que exista uma lei específica para o tratamento de dados para fins de investigação e persecução criminal (uma “LGPD Penal”). Esta ainda não foi aprovada. Desta feita, há um grau de insegurança jurídica sobre como esses dados devem ser tratados, quais procedimentos devem ser seguidos para a entrega de informações para as autoridades? Será que o envio por e-mail é suficiente? Será que não existem riscos cibernéticos ou de segurança da informação que devem ser levados em consideração? E quanto à quantidade e ao escopo da informação a ser entregue? Será que a geolocalização de todas as pessoas em Brasília não violaria direitos? E as pesquisas em buscadores?  
Seria então importante que se pensasse no desenvolvimento de normativas que servissem de indicativo legal dos procedimentos que devem ser utilizados pelas autoridades governamentais e empresas que possuem dados pessoais a compreender qual a medida, limites e formato de colaboração e compartilhamento para persecução penal.
Em momentos como esses, a partir da própria comoção social deflagrada, é importante pensar na punição de responsáveis. as para além sanções paliativas a curto prazo, há que se buscar caminhos para que isso não se repita. Existem outros meios para olhar o problema das campanhas de desinformação e potencialmente evitar o ocorrido em 8 de janeiro de 2023. Importante que esteja na agenda um olhar mais holístico, que englobe alternativas combativas pensadas desde antes da concretização de efeitos nocivos, capazes de chegar às últimas consequências.
Isso passa por caminhos que preservem nossos valores democráticos e republicanos e que protejam nossos direitos humanos. As lições que buscamos aprender com o mundo e as soluções a serem debatidas, advém da busca de uma educação midiática e de técnicas de investigação bem estruturadas, que não estabeleçam um sistema de vigilância massivo travestido de monitoramento. Capaz, ainda, de estabelecer procedimentos claros, previstos em normativas específicas, sobre como coletar e tratar informações pessoais para fins de investigação e persecução penal.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007, p. 19
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> “Art. 47. À Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia compete: II - representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”.

pf stf

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JOTA

Para além da punição: analisando lições internacionais para a regulação de plataformas

Invasão de Brasília e o debate das redes

Invasão aos Três Poderes em Brasília (8/1) abre discussão acerca de campanhas de desinformação e os quatro elementos para detê-las.