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direito digital

Intolerância religiosa na internet e seus impactos legais

Inconteste que crítica e intolerância são institutos diferentes, que em nada se relacionam

Paula Lima Zanona
24/11/2017|16:09
Atualizado em 05/03/2020 às 19:39

A intolerância religiosa nada mais é que a discriminação contra grupos e pessoas, que possuem diferentes crenças ou religiões. Trata-se de uma conduta marcada, especialmente, por atitudes ofensivas e agressivas.

Neste cenário, é importante ressaltar que os atos ilícitos e delitos tradicionalmente conhecidos pela legislação ganharam novas cores em razão do novo modus operandi, ou seja, por meio da Internet. É nesse plano de fundo que a discussão se estabelece.

Nos últimos tempos, o combate a intolerância religiosa tem sido um desafio à convivência democrática. Agrava a situação, o fato da tão combatida intolerância religiosa estar cada vez mais presente por meio de publicações agressivas e ofensivas em sítios eletrônicos, redes sociais, entre outros.

Assim, inicialmente, pontua-se que a liberdade religiosa é um direito fundamental e se encontra tutelado na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso VI, que dispõe que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.

Neste ínterim, verifica-se que a liberdade religiosa compreende três importantes e principais aspectos: a) liberdade de crença; b) liberdade de culto; c) liberdade de organização religiosa. Dessa forma, a doutrina entende que1:

O direito à liberdade de consciência e de crença desenvolve-se no foro íntimo do indivíduo. Tem este, por seu turno, a ampla liberdade de pensar e de se expressar sobre qualquer assunto que deseja, não podendo, de qualquer modo, ser obstada esta liberdade. Também tem a pessoa humana, em seu foro íntimo, o direito de aderir a qualquer crença religiosa, professar ou não uma determinada religião, acreditar no Deus que lhe agrade, ou mesmo não acreditar em nenhuma divindade, visto que o ateísmo, da mesma maneira, deve ser protegido.

Outrossim, não obstante, a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu art. 18, também contempla a liberdade religiosa e o direito da transmissão da fé. Da mesma maneira, o Código Penal brasileiro, em seu art. 208, dispõe que Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa”.

Ademais, verifica-se que as vítimas da intolerância religiosa, também encontram guarida na Lei 9.459/1997, que altera o art. 1º e 20 da Lei 7.716/1989 e define o crime de intolerância religiosa. Sendo que, a prática, indução ou incitação da discriminação ou preconceito em relação à religião por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, possui pena de reclusão de dois a cinco anos e multa. Ainda, nesses casos, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência, a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio, bem como a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na Internet.

No mais, ressalta-se que as vítimas da intolerância religiosa, também encontram amparo no Código Civil brasileiro, especialmente no campo reparatório, nos termos do art. 927, ante a prática do ato ilícito. Ou seja, aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Trata-se, portanto, de uma conduta inaceitável e que deve ser combatida. Não é raro localizar publicações de cunho ofensivo nas redes sociais, como por exemplo, a ameaça de determinados fiéis de uma entidade religiosa para com outros, que seguem liturgia diversa ou que não seguem, os quais também possuem seus direitos resguardados.

Sobre o tema, a obra “Compreender os direitos humanos: manual de educação para os direitos humanos”2 aborda:

No passado e no presente, as pessoas têm sido ameaçadas pelas suas crenças e convicções. A faculdade de acreditar em algo e de o manifestar é conhecida e protegida como liberdade religiosa. Esta é uma questão não só jurídica mas também moral. As crenças religiosas interferem bastante com a esfera privada do indivíduo, uma vez que tocam convicções pessoais e a compreensão do mundo. A fé é um dos maiores elementos de expressão da identidade cultural. É por esta razão que as liberdades religiosas são um tópico particularmente sensível de abordar e parece causar mais dificuldades do que outras questões de direitos humanos.

(...) Uma proteção adequada tem-se tornado mais premente em anos recentes, uma vez que a intolerância religiosa e perseguição têm tido lugar de destaque em vários conflitos trágicos em todo o mundo que envolvem problemas de etnia, racismo ou ódio de grupo. A perseguição por motivos religiosos pode ser vista em conflitos recentes entre crentes e não crentes, entre religiões tradicionais e “novas”, ou entre Estados com religião oficial ou preferida e indivíduos ou comunidades que a ela não pertencem.

(...) As violações atuais das liberdades religiosas ocorrem por todo o mundo.

O Poder Judiciário, por sua vez, em muitos casos, não age com o acerto que se espera. Ou seja, indefere pedidos de remoção de publicações ilícitas e criminosas, disponíveis na Internet, sob o entendimento de que o usuário está apenas e somente exercendo a sua liberdade de expressão. Felizmente, em outros casos, verificam-se decisões satisfatórias, favoráveis ao combate da intolerância religiosa.

Ainda, acerca do tema, a Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/SP, publicou o “Manifesto pelo Fim da Intolerância Religiosa na Internet”3, o qual ressalta que: É preciso zelar, dia após dia, para que a arbitrariedade, o preconceito e a intolerância de alguns não desfigurem a beleza da paisagem de um Estado laico que respeita todas as religiões ou mesmo sua ausência”. Ainda, no referido documento, a Comissão destaca que: “Urge, portanto, que os provedores de aplicações, de acordo e nos limites de suas atividades, conforme seus respectivos termos de uso, que já proíbem ou devem proibir quaisquer atividades ilegais, quando cientificados, adotem medidas
eficazes e céleres que coíbam a propagação de conteúdos intolerantes e aviltantes, visando a redução da sua disseminação, de forma a mitigar os nefastos efeitos do ódio empregado na Internet (...)”.

Já o Ministério Público do Rio de Janeiro4, está promovendo um amplo debate para estabelecer um plano de ação conjunta para o enfrentamento dos casos de intolerância religiosa e racismo que têm sido registrados com frequência.

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) do ano de 2016, por sua vez, verificando a relevância do assunto, teve como tema da redação “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”.

Por fim, conclui-se que o combate a intolerância religiosa é de fundamental importância. Sabe-se que o direito de viver sem medo é um direito de todos. No entanto, esse não é o atual cenário, especialmente na Internet, diante das intermináveis batalhas que propagam a intolerância religiosa. Inconteste que crítica e intolerância são institutos diferentes, que em nada se relacionam. Intolerância religiosa é crime de ódio e fere a dignidade da pessoa humana, o que não se pode admitir. Para tanto, a comunicação de tal ato, pode ser feita por meio do Disque Direitos Humanos – Disque 100, serviço de atendimento telefônico gratuito, que funciona 24 (vinte e quatro) horas por dia, nos 7 (sete) dias da semana, sem prejuízo das ações judiciais.

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1 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação Penal Especial. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 20.

2 MOREIRA, Vital (Coord.). GOMES, Carla Marcelino (Coord.). Compreender os direitos humanos: manual de educação para os direitos humanos. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. p. 253.