Filipe Batich

Rhasmye El Rafih

A Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime) além de alterações na legislação penal e processual penal, também impactou o Direito Antitruste, na interface entre o Termo de Compromisso de Cessação de Prática relativo a cartéis (TCC-cartel) e o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).
O TCC é um acordo substitutivo ao processo administrativo sancionador que importa na suspensão e posterior arquivamento de procedimentos administrativos no âmbito do Cade, tendo como contrapartida o cumprimento de obrigações pelo agente econômico e os indivíduos relacionados à infração. Porém, diferentemente do Acordo de Leniência, ele não possibilita a extinção da punibilidade criminal dos signatários.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Nas hipóteses envolvendo cartéis, o Regimento Interno do Cade prevê o reconhecimento de participação na conduta investigada e a colaboração processual para celebração do TCC. Adicionalmente, a Lei 12.529/2011 prevê o pagamento de contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), obrigação essa que não existe nos acordos de leniência. A celebração do TCC-cartel não encerra imediatamente investigação ou processo, à semelhança da leniência, desnaturando a sua natureza substitutiva.
Um dos problemas que envolve a celebração do TCC-cartel é que o reconhecimento da conduta é capaz de expor criminalmente os indivíduos que concorreram para a sua realização. Assim, pode ser interpretada como uma confissão do crime de cartel e/ou outros delitos correlatos, fora outros impactos que isso pode resultar.
Um meio menos gravoso, alternativo à colaboração premiada (quando aplicável), para se tentar nivelar a desigualdade de benefícios entre o Acordo de Leniência e o TCC-cartel, especialmente para se obstar o processo criminal, é a celebração do ANPP, trazido pela Lei Anticrime, inclusive para fatos que já deram azo a ações penais<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>. As principais vantagens em relação à colaboração premiada são a possibilidade da extinção da punibilidade criminal sem a necessidade de instrução processual e a imposição de penas mais brandas.
Dada a função de ultima ratio<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a> da sanção penal, a celebração de um TCC-cartel não atrai, necessariamente, a de um ANPP. Caberá aos órgãos de persecução penal aquilatarem a existência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva em relação aos indivíduos que concorreram para a conduta, antes de ofertar o ANPP, em razão de o standard probatório criminal ser superior ao administrativo.
Os pressupostos para a celebração do ANPP são compatíveis com o crime de cartel e também se aplicam a crimes correlatos como a frustração do caráter competitivo de licitação e o de associação criminosa, mesmo em concurso delitivo.<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>
Duas das contraprestações do ANPP são: (i) a reparação do dano; e, (ii) o pagamento de prestação pecuniária à entidade pública ou de interesse social que tenha como função a proteção de bem jurídico similar ao lesado.
A reparação de dano também pode ser requerida pelas vítimas na esfera cível, o que pode resultar em bis in idem, caso não considerada essa possibilidade na estratégia global dos acordos.
Quanto à prestação pecuniária penal, por força do art. 45, §1º, do Código Penal, deve ser deduzida do montante da reparação civil, porque “não passa de uma reparação civil travestida de sanção criminal”<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a> e, ainda, sua cumulação com a contribuição pecuniária ao FDD pode ser demasiadamente desvantajosa e desestimular o acordo.
Visando acomodar as esferas administrativa e cível na celebração do TCC, o Cade, na Resolução nº 21/2018, previu o ressarcimento extrajudicial ou judicial por danos Concorrenciais como circunstância atenuante da contribuição ao FDD, como uma política de fomento à reparação por danos concorrenciais, o que já encontrou ressonância em diversos TCC’s no âmbito da Lava Jato<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a>.
Seguindo a mesma lógica, a reparação de danos efetivada quando da celebração do ANPP, somada à prestação pecuniária, também deveriam ser consideradas como formas de mitigação da contribuição ao FDD, ou vice e versa, a fim de se racionalizar as sanções.
Por isso, ao se celebrarem os dois acordos, é essencial a delimitação dos efeitos de cada uma das obrigações acima destacadas, em razão de suas similaridades, com o fim de que não resulte em uma dupla punição.
É claro que, antes disso, deverá ser realizada uma análise casuística de custo-benefício que considere o momento oportuno para se transacionar nas esferas antitruste e criminal. Para tanto, não se pode perder de vista uma estratégia de atuação coordenada, considerando as distintas modalidades de responsabilização corporativa e individual, resultando em maior segurança jurídica aos candidatos, estimulando o acordo, a reparação dos danos e a cessação de ilícitos.
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<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Vide Enunciado nº 98 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Expressa a ideia de que o direito penal deve ser o último recurso da política social. ROXIN, Claus; ARTZ, Gunther; TIEDEMANN, Klaus. Introdução ao direito penal e ao processo penal. Trad. Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 8.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> Não é cabível o ANPP se: i) o agente for reincidente; ii) existir elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes; iii) o agente houver sido beneficiado, no nos 5 (cinco) anos anteriores à infração, em outro ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro.7. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 594, v. 1.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> No final de 2018, o CADE celebrou TCC’s com empreiteiras e seus funcionários, reduzindo em 15% o valor da prestação pecuniária nas hipóteses de reparação dos danos CADE. Cade celebra acordos em investigação da Lava Jato. Disponível em: &lt;<a href="http://www.cade.gov.br/noticias/cade-celebra-acordos-em-investigacoes-da-lava-jato">http://www.cade.gov.br/noticias/cade-celebra-acordos-em-investigacoes-da-lava-jato</a>&gt;. Acesso em: 24 de agosto de 2020.

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JOTA

Diferentemente do Acordo de Leniência, TCC não possibilita a extinção da punibilidade criminal dos signatários

Interfaces entre o TCC-cartel e o ANPP

Diferentemente do Acordo de Leniência, TCC não possibilita a extinção da punibilidade criminal dos signatários