Mateus Reis dos Santos Alves

Thiago Gomes Marcílio

A dignidade da pessoa humana está prevista na Constituição Federal (CF) como um de seus fundamentos, considerando o previsto no art. 1º, III. Além disso, o Brasil promulgou em 6 de novembro de 1992 a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como o Pacto de San José da Costa Rica, que reconhece que os direitos essenciais de todos os seres humanos não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana. Isso justifica uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos.
Sendo assim, é possível observar que há previsões relacionadas com a garantia da integridade da pessoa humana, física e moral nos tratados relacionados a direitos humanos. Porém, um caso emblemático, ocorrido com uma usuária do metaverso, chamada Nina Jane Patel, traz à tona uma problemática necessária a ser discutida: Qual é o limite de garantia da dignidade humana, considerando o surgimento de ambientes de realidade aumentada, como o metaverso?
O episódio ocorreu dentro do metaverso. Nina, que realiza pesquisas sobre o metaverso, foi beta tester (pessoas que realizam testes em produtos antes de serem lançados no mercado) na plataforma social virtual de realidade aumentada Horizon Words, onde teve seu avatar violentado, física e verbalmente por um grupo de avatares masculinos.[1]
Em resposta ao ocorrido, Joe Osborne, porta-voz da Meta, disse ao jornal The New York Post que a empresa fará "melhorias" para garantir a segurança de todos. "Lamentamos saber que isso aconteceu (...) Continuaremos a fazer melhorias à medida que aprendermos mais sobre como as pessoas interagem nesses espaços, especialmente quando se trata de ajudar as pessoas a relatar as coisas de forma fácil e confiável."[2]
No caso em questão, houve um contexto, no qual  a usuária sentiu um abalo psicológico e fisiológico, de forma que, diante da realidade aumentada, sentiu que a violência sexual sofrida tinha realmente ocorrido fora do metaverso também. É preciso relembrar a ideia principal do metaverso, de acordo com Mark Zuckerberg, quando diz que: 
<blockquote class="jota-article__citation">''A qualidade definidora do metaverso será um sentimento de presença — como se você estivesse ali com outra pessoa ou em outro lugar. Sentir-se verdadeiramente presente com outro alguém é o maior sonho da tecnologia social (...) é sobre estar envolvido de forma mais natural".[3]</blockquote>
Considerando o que foi dito, é possível supor que a atuação do Direito será concomitante ao ingresso das pessoas no espaço e, conforme a demanda para regulação for crescendo, a atuação do Direito também crescerá. Isso porque o ambiente do metaverso não passa de representação digital dos seres humanos e, se há pessoas nesse ambiente, o Direito também deverá agir.
Todavia, é possível perceber que o problema não está apenas na falta de regulamentação dentro do metaverso, considerando a falta de difusão cultural normativa dentro de um ambiente onde prevalece uma liberdade maior para os usuários[4]. Isso levando em consideração o fato de que as punições dentro de um ambiente de realidade aumentada são completamente distintas, brandas, comparadas à realidade física.
De acordo com Dara Coema, pesquisadora na área de games e mestranda em Comunicação na Universidade Federal Fluminense (UFF), existe uma tendência de comportamento em ambientes virtuais, onde o foco da produção e divulgação de grandes jogos era voltado em sua maioria para homens cisgênero, heterossexuais, jovens, brancos e financeiramente privilegiados, esse consumidor reconheceu por anos que esse mundo pertencia a ele. Nesse sentido, explica: “Não surpreende encontrarmos tantas situações do famoso "gatekeeping", que produz esse sentimento de superioridade, a sensação de que aquela mulher que está ali não pertence a esse espaço ou não se equipara a ele”[5].
A pesquisadora ainda ressalta que muito do que reconhecemos como um “comportamento padrão” faz parte de uma cultura aceita e reforçada pela própria indústria, principalmente, considerando que as consequências leves e reversíveis “compensam”[6].
Ao considerar a possibilidade de uma extensão de corpos físicos em mundos virtuais, diante da imersão do usuário, sua  personalidade imersa não é diferente da sua personalidade dentro da realidade física e, sendo um sujeito de direitos, sua dignidade deverá ser resguardada de maneira igual ou semelhante em ambos os espaços.
Real e virtual não seriam opostos irreconciliáveis, mas contínuos, polos equidistantes numa forma esférica. Os elementos virtuais são, ao mesmo tempo, reais e idealizados, sendo ainda simbólicos sem serem ficções[7], dependendo da formação de sentidos individuais e coletivos[8]. As impressões individuais são per se reais, já que as dimensões da experiência humana não podem ser seccionadas.
O que se pretende aqui é demonstrar que o corpo virtual merece tanta proteção quanto duas outras formas de virtualidade protegidas pelo direito brasileiro, quais sejam (i) direito à imagem, os direitos de personalidade do <a href="https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10730704/inciso-x-do-artigo-5-da-constituicao-federal-de-1988">art. 5º, inciso X, da CF/88</a> e <a href="https://www.jusbrasil.com.br/busca?q=art.+20+do+c%C3%B3digo+civil+-+lei+10406%2F02#:~:text=Artigo%2020%20da%20Lei%20n%C2%BA,Institui%20o%20C%C3%B3digo%20Civil.&amp;text=Par%C3%A1grafo%20%C3%BAnico.,os%20ascendentes%20ou%20os%20descendentes.">art. 20 do Código Civil</a> (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/codigo-civil">CC</a>), (ii) a proteção da identidade pessoal e dignidade humana no ambiente digital, a exemplo inclusive do recente enunciado da IX Jornada de Direito Digital e Novos Direitos.[9]
O conteúdo da fotografia impressa não existe fisicamente, é miniaturizado e se manifesta apenas virtualmente, este momento passado carrega um sentido em si, que é percebido no presente ao tocar a lembrança na memória, tornando-se uma sensação real nesse presente. “O objeto virtual é essencialmente passado” consumado, concluído e, eventualmente, registrado[10] que pretendem produzir efeitos na realidade.
O desejo de proibir a veiculação da sua imagem no presente, não será impedido pelo fato de que a imagem é do passado, pois a sensação é subjetiva[11]. Nota-se que, o objetivo é defender a memória, a biografia e os significados que a pessoa criou no passado, bem como a perpetuação desses significados no futuro.[12]
Todavia, o avatar do metaverso transcende estes contextos possibilitando uma interação em tempo real e espelhada com o Eu real. Trata-se de um ser humano virtual, criador de significados. Logo, se há uma proteção deste significado registrado (imagem) no âmbito jurídico cabe guarida mais ampla sobre o avatar, que é produtor de registros de forma síncrona ao Eu real. 
Portanto, essa interação entre real-virtual (metaverso) não pode prescindir do liame da dignidade da pessoa humana, que unifica as diversas interações humanas[13] e que estão sujeitas a uma relação em que “um fim, uma vez alcançado, torna-se meio para a realização de um outro fim, e assim por diante, até se fixar em um fim proposto ou aceito como último''[14], criando um encadeamento circular e uma continuidade de direitos que retornarão para o indivíduo.
Na interação entre real e metaverso, o encadeamento circular trazido por Lee[15], passaria a ter uma terceira dimensão, a altura, já que o movimento da dignidade humana alternaria entre real e virtual, de forma vibracional. Um círculo inferior representaria as interações no plano físico, e um círculo superior representaria o metaverso. A linha da dignidade alternaria entre os dois planos. 
Embora a defesa da dignidade tenha caráter cultural, ou seja, localizado e determinado por um certo contexto histórico, o metaverso, por ser transfronteiriço, pode trazer à tona uma necessidade de universalidade dos direitos e deveres em razão da repetição de comportamentos abusivos. Suas possibilidades, apesar de limitadas pelas capacidades técnicas de que dispõem os avatares, têm potencial para gerar efeitos subjetivos equivalentes àquelas condutas ofensivas praticadas no mundo real. Mas se nota que a defesa do corpo virtual não está difundida, assim como a difusão da cultura de lei ainda resta prejudicada no ambiente virtual.
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[1] E SE ALGUÉM COMETER ASSÉDIO, ROUBO OU OUTROS CRIMES NO METAVERSO? Insper. Notícias Ciências da Computação. 06 de junho de 2022. Disponível em: 
https://www.insper.edu.br/noticias/e-se-alguem-cometer-assedio-roubo-ou-outros-crimes-no-metaverso/#:~:text=%E2%80%9CO%20ass%C3%A9dio%20no%20metaversos%20%C3%A9%20uma%20quest%C3%A3o%20s%C3%A9ria,o%20acesso%20dos%20filhos%20ao%20mundo%20virtual%20paralelo. Acesso em: 28 de jul. de 2022.
[2] FRISHBERG, Hannah. Mom opens up about being ‘virtually gang raped&amp;#39; in Metaverse. Disponívelem: https://nypost.com/2022/02/01/mom-opens-up-about-being-virtually-gang-raped-in-metaverse/. New York Post. 2022. Acesso em: 02 ago 2022.
[3] ZUCKERBERG, Mark. Founder &amp;#39;s Letter, 28 de outubro de 2021. Meta. Disponível em: https://about.fb.com/news/2021/10/founders-letter/. Acesso em: 28 de jul. de 2022.
[4] Observa-se uma trivialização da defesa da dignidade. FERRAZ JR., Tércio, Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 7ª ed. São Paulo, Atlas, 2013, p. 140: ''Uma coisa se torna trivial quando perdemos a capacidade de diferenciá-la e avaliá-la, quando ela se torna tão comum que passamos a conviver com ele sem nos apercebermos disso, gerando, portanto, alta indiferença em face das diferenças''.
[5] DUARTE, Nathalia. Assédio e preconceito afastam mulheres gamers de jogos online. TechTudo. 08 de março de 2022. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2022/03/assedio-e-preconceito-afastam-mulheres-gamers-de-jogos-online.ghtml. Acesso em: 28 de jul de 2022.
[6] DUARTE, Nathalia. Assédio e preconceito afastam mulheres gamers de jogos online. TechTudo. 08 de março de 2022. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2022/03/assedio-e-preconceito-afastam-mulheres-gamers-de-jogos-online.ghtml. Acesso em: 28 de jul de 2022
[7] DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Tradução: Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1988.p. 335.
[8] FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 9ª ed. Tradução: Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
[9] “A identidade pessoal também encontra proteção no ambiente digital. Reconhecida a tutela da pessoa humana em todos os espectros e o correspectivo direito à diferença, e analisando o paralelismo com o conteúdo do direito à igualdade, exsurge, essencialmente, o direito de manifestar a singularidade inata em cada ser humano como valor inerente à personalidade, especialmente nas relações travadas em ambiente digital. O respeito à alteridade e às peculiaridades da relação entre o eu e o outro, exige, agora sob os contornos do componente tecnológico, exige, agora sob os contornos do componente tecnológico, tratamento conformado com os valores constitucionais.”
[10] DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Tradução: Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1988. p. 140.
[11] Neste caso pode ser citado o Art. 20 do Código Civil, que trata da veiculação da imagem. “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”
[12] Aqui há a presença de fenômenos culturais, os quais são vinculados não por uma relação necessária entre as coisas, mas tão somente por uma força de  atividade humana, por uma relação de imputação. BASTOS, Celso Ribeiro: BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais, São Paulo, Saraiva, 1982.
[13] LEE, Yun Ki. Fecho Reflexivo na dignidade: uma inspiração na perspectiva quântica do direito, na obra Ensaios Quânticos em saudação a Ricardo Sayeg. São Paulo: Editora Sem Fronteiras, 2020., p.232
[14] BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução Daniel Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2007, p. 105-106.
[15] LEE, Yun Ki. Ibidem, p. 233.

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JOTA

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