Augusto Simões

A viabilidade do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/open-finance">open finance</a>, do open capital markets, do open insurance e de suas interconexões está fortemente ancorada nas inovações atuais e futuras da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/inteligencia-artificial">inteligência artificial</a>. Cerca de 900 instituições financeiras já demonstraram interesse em aderir ao open finance, cujos algoritmos “prometem” permitir aos seus clientes renegociar dívidas a juros menores, reinvestir em aplicações mais rentáveis e contratar seguros ou planos de previdência com melhores condições.
No entanto, a maior eficiência do cidadão, no que tange à gestão de suas finanças pessoais, pode implicar em perdas das atuais margens de lucratividade dos grandes agentes financeiros, que naturalmente tenderiam a cogitar práticas anticoncorrenciais, como a “cartelização” e outras distorções a serem inscritas no DNA dos citados algoritmos.
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O diretor do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/banco-central">Banco Central</a>, Antônio Marcos Guimarães, afirmou em um jornal em 22 de agosto que a autoridade tem participado ativamente das discussões sobre a regulação da IA. Ele comentou que é preciso construir um projeto de lei que proteja o cidadão e, ao mesmo tempo, fomente a inovação. Guimarães explicou que, atualmente, as discussões se concentram em transparência e “auditabilidade”, dizendo que a questão da interoperabilidade é um desafio que terá de ser enfrentado mais à frente.
Da mesma forma, João Paulo Aragão Pereira, especialista em tecnologia da Microsoft, citou alguns casos de uso da IA no setor financeiro, como chatbots mais conversacionais, maior personalização, chegando até a "bancos quânticos", que seriam grandes bancos incumbentes, mas que, com o uso de muita tecnologia, conseguem a agilidade de uma fintech. Pereira deu um exemplo de uma ferramenta de IA que, com base no padrão de cliques do usuário no aplicativo do banco, consegue classificar a probabilidade de ele pagar um crédito em atraso.
Na parte da regulação, Guimarães comentou que, enquanto o padrão da União Europeia divide as tecnologias de IA em quatro níveis de risco (inaceitável, alto, limitado e mínimo), no Brasil o projeto tem três graus (excessivo, alto e outros). Em ambos os modelos, as ferramentas qualificadas no nível mais alto de risco serão proibidas, e os sistemas classificados como de alto risco estarão sujeitos a uma série de regras e exigências relativas à segurança, transparência e gestão de riscos.
Antes da entrada em vigor da legislação europeia, conhecida como AI Act, em 1º de agosto deste ano, a <a href="https://finance.ec.europa.eu/regulation-and-supervision/consultations-0/targeted-consultation-artificial-intelligence-financial-sector_en#details">Comissão Europeia</a> deu início a uma consulta pública em 18 de junho de 2024, com o intuito de avaliar como os agentes planejam desenvolver ou utilizar a IA em serviços financeiros. A consulta tem como objetivo subsidiar os serviços da Comissão Europeia na avaliação da evolução do mercado e dos riscos associados ao uso de IA, visando otimizar a implementação do AI Act no setor financeiro e aprimorar o framework regulatório.
Diante dos riscos e oportunidades do open finance aliado à IA, esse novo mundo das “finanças abertas” deverá contar com uma governança diferenciada de “autorregulação assistida”, supervisionada primordialmente pelo Banco Central, que deverá ampliar seu atual papel de regulador prudencial, para prevenir e evitar que a “promessa” de benefícios da IA aplicada às finanças se converta em prejuízos para a economia e para a sociedade.
Neste sentido, com relação ao open capital markets, a Comissão de Valores Mobiliários (<a href="https://portal.jota.info/tudo-sobre/cvm">CVM</a>) publicou recentemente a <a href="http://antigo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol210.html">Resolução CVM 210/2024</a>, que dispõe sobre procedimentos, regras de conduta e de transparência aplicáveis a custodiantes, intermediários, depositários centrais, entidades registradoras e administradores de carteiras de valores mobiliários, na recepção e processamento de solicitações de portabilidade destes valores, bem como de eventuais direitos e ônus a eles atribuídos.
No caso das casas virtuais de apostas (bets), a IA está reinventando a indústria. Entusiastas alegam que a IA tem sido aproveitada pelas principais operadoras de apostas para oferecer aos seus usuários uma experiência mais rica e assertiva. Ferramentas de IA como o Leans AI são exemplos dessa onda de inovação, que rompe limites, mas também apresenta controvérsias e desafios.
Para manter a integridade das apostas, as operadoras alegam estar investindo em algoritmos que buscam resultados mais precisos e “justos”. Alegam que a IA pode analisar grandes volumes de dados estatísticos relacionados às equipes e atletas selecionados para apostas esportivas, “palpitando” quais são as possíveis consequências de um evento esportivo com base em históricos e probabilidades matemáticas.
Utilizando algoritmos sofisticados, os sistemas baseados em IA têm a capacidade de identificar padrões ocultos nos dados, os quais normalmente passariam despercebidos ao olhar humano, contribuindo para a realização de palpites mais acurados, nos quais o elemento sorte é substituído pela técnica e pelo cálculo preditivo, supostamente dando aos apostadores a vantagem de usufruir desses avanços para otimizar suas estratégias.
Da mesma forma que ocorre com as instituições financeiras, as bets não estão isentas do “risco de agenciamento”: a maior eficiência do apostador, no que tange à estratégia de suas apostas, pode implicar em perdas das margens de lucratividade das bancas de apostas, que naturalmente tenderiam a ajustar seus algoritmos para preservar suas margens, com menores chances de ganho pelos apostadores que não empregarem sistemas de IA.
A dúvida que persiste é se a regulação do Ministério da Fazenda será suficiente para coibir ou evitar estes riscos. Essa aplicação da IA em apostas implica, ao mesmo tempo, em novas regulações e na mudança do modus operandi dos apostadores.
Este cenário se torna particularmente interessante quando o próprio governo decide ter a sua própria casa de apostas, com as bets controladas pela Caixa Econômica Federal. A Caixa, juntamente com mais de cem empresas, se inscreveu junto ao Ministério da Fazenda para poder operar esse tipo de aposta. De acordo com o presidente da Caixa, Carlos Vieira, “evidentemente precisa haver ação educativa”, ao falar sobre a preocupação com o vício em jogos, dizendo que a Caixa fará “conscientização, [pois] ninguém quer que pessoas prejudiquem sua renda para jogos”.
Monopolista das lotéricas e apostas oficiais atualmente regulamentadas, a Caixa argumenta que continuará a ter como princípio o cuidado com o apostador e que recomendará limites, alertas e auxílios a apostadores, se for o caso. Com nova dinâmica de jogos, é inevitável que o governo tenha trazido para si a responsabilidade de regulamentação. O argumento oficial é que a entrada da Caixa nas bets tem “efeito social muito importante”, porque parte significativa da tributação vai para o público mais vulnerável.
A Caixa estima que as bets devem representar, no futuro, cerca de 50% da arrecadação que há nas loterias tradicionais. No primeiro semestre deste ano, as loterias arrecadaram R$ 12,3 bilhões, valor 19% maior que o apurado no mesmo período do ano anterior. No caso das bets, o modelo não vai ser focado em ponto físico, mas sim virtual, como todas as outras operadoras.
Diante dos riscos e oportunidades da IA aplicada ao open finance, open capital markets e às bets, a maturidade e o fortalecimento da educação financeira do cidadão comum são cruciais para maximizar benefícios e minimizar prejuízos. Neste "admirável mundo novo" das "finanças abertas", nos resta ecoar certos alertas (disclaimers) cada vez mais sonoros e comuns: "bebam com moderação", "joguem com responsabilidade" e "leiam o regulamento e a seção fatores de riscos". Enfim, "façam as suas apostas".

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JOTA

Setor das finanças abertas deverá contar com governança diferenciada de autorregulação assistida, supervisionada pelo BC

Inteligência artificial, open finance e bets: um 'admirável' mundo novo?

Setor das finanças abertas deverá contar com governança diferenciada de autorregulação assistida, supervisionada pelo BC