Fabiana de Menezes Soares

Thais de Bessa Gontijo de Oliveira

Pietra Vaz Diógenes da Silva

Caroline Stéphanie Francis dos Santos Maciel

Em toda atividade de esforço regulatório, dois cenários devem ser cuidadosamente observados: o sistema jurídico no qual a nova regulação será introduzida, para que isso ocorra de forma harmoniosa; e a realidade fática que passará a ser campo de aplicação da nova lei, com atenção para todos os atores sociais envolvidos e suas dinâmicas.
Esse exercício de observação realiza-se com a elaboração de uma boa Análise de Impacto Regulatório (AIR) e, posteriormente, de uma Avaliação de Resultados Regulatórios (ARR). Ambos os institutos jurídicos materializam a Legística, disciplina que visa a estudar o fenômeno legislativo e a lei.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Embora sejam muitos os entes obrigados a realizar esses estudos, neste artigo nosso foco são atividades recentes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que vem lançando mão dos institutos em seus regulamentos.
Entre eles, merecem destaque aqueles ligados à reflexão sobre a própria atividade de regular: a) a Portaria nº 16/2021, que aprova o processo de regulamentação no âmbito da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, e b) a Resolução CD/ANPD nº 1/2021, que aprova o regulamento do processo de fiscalização e do processo administrativo sancionador no âmbito da autoridade nacional de proteção de dados.
Os dois atos normativos atendem a exigências legais que incidem sobre a ANPD quando exerce competência regulatória, decorrentes do panorama normativo brasileiro, em especial a partir da Lei das Agências Reguladoras (obrigatoriedade da análise para autarquias especiais) e da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm">Lei da Liberdade Econômica</a> (que incide sobre a administração pública federal).
Além das duas leis, merece destaque também o Decreto nº 10.411/2020, chamado Decreto de AIR, que as regulamenta.
Nele encontramos o conceito da Análise de Impacto Regulatório, que, a partir da definição de problema regulatório, deflagra o procedimento de avaliação prévia à edição dos atos normativos, que conterá informações e dados sobre os seus prováveis efeitos, para verificar a razoabilidade do impacto e subsidiar a tomada de decisão (art. 2º, I), além dos requisitos de uma AIR (art. 6º).
Ademais, o Decreto de AIR inova ao prever também a chamada Avaliação de Resultado Regulatório (ARR), que verifica os efeitos decorrentes da edição de ato normativo, considerados o alcance dos objetivos originalmente pretendidos e os demais impactos observados sobre o mercado e a sociedade, em decorrência de sua implementação (art. 2º, III).
A elaboração da AIR (com sua abordagem prospectiva, de planejar) e da ARR (com sua abordagem retrospectiva, de aperfeiçoar) realiza o ciclo correto de qualquer política pública, ou seja, um ciclo decisório que, segundo Élida Graziane Pinto, organiza-se em torno dessas três grandes fases: planejar, executar e controlar.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Os requisitos da AIR são semelhantes aos itens elencados pelo jurista europeu Jean-Daniel Delley<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, expoente da Legística que há anos afirma a relevância do que denomina problematização de impulso legiferante. Trata-se de processo analítico do problema sobre o qual pretende-se legislar, conhecendo da melhor maneira possível elementos como partes interessadas (stakeholders), natureza, causas, duração, dinâmica, meios e consequências.
Segundo <a href="https://www.oecd.org/gov/regulatory-policy/Recommendation%20PR%20with%20cover.pdf">recomendação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)</a>, a AIR deve integrar inclusive os estágios iniciais da formulação de novas propostas de regulamentação. Além de identificar claramente os objetivos da política, enfrentam-se na AIR algumas importantes perguntas: essa regulação é necessária? Se sim, como ela pode ser mais efetiva e eficiente na realização do objetivo mapeado?
A AIR é um instrumento baseado em evidências, que se preocupa em analisar, de forma metódica, os fatos antes da tomada de decisão.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> E, mesmo depois de finalizado o processo de AIR, os dados movimentados continuam relevantes, não apenas pela transparência e pelo registro da análise, mas também como insumo para a ARR e também para movimentos regulatórios que não estavam previstos originalmente.
Por sua vez, o compromisso no mais alto nível político com uma política explícita de qualidade regulatória pressupõe uma etapa de avaliação retrospectiva. Essa boa prática foi incorporada pelo Decreto nº 10.411/2020, que previu expressamente as Avaliações de Resultados Regulatórios (ARR). Nelas, o foco não deve ser apenas em revogar normas de baixa qualidade ou normas em conflito com outras (harmonização), mas também avaliar a proporcionalidade das medidas adotadas pelo ente regulador. Nessa etapa, a <a href="https://www.oecd.org/gov/regulatory-policy/Recommendation%20PR%20with%20cover.pdf">OCDE</a> recomenda que a ARR considere o impacto da regulação sobre a competitividade e o crescimento econômico, além do desenvolvimento de programas para reduzir os custos administrativos e de cumprimento da regulação, sem comprometer objetivos regulatórios legítimos.
Dessa forma, a ARR é uma técnica para trazer simetria regulatória e proporcionalidade à regulação, avaliando diferentemente os impactos da regulação em pequenos, médios e grandes empreendedores.
Retornemos então ao contexto da ANPD. É salutar que a autoridade tenha considerado, em sua <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-11-de-27-de-janeiro-de-2021-301143313">agenda regulatória para o biênio 2021-2022</a>, que é prioritária a regulamentação da gestão de dados pessoais no âmbito de pequenas e médias empresas, startups e pessoas físicas que tratam dados pessoais com fins econômicos, atendendo ao comando da LGPD para que essas pessoas se sujeitem a normas, orientações e procedimentos simplificados e diferenciados. Enquanto aguardamos as normas impositivas, a ANPD já mostrou preocupação com a proporcionalidade da regulação ao editar o <a href="https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-publica-guia-de-seguranca-para-agentes-de-tratamento-de-pequeno-porte">Guia de Segurança da Informação para Agentes de Tratamento de Pequeno Porte</a>, de caráter orientativo.
Por sua vez, a edição das normas impositivas deve observar a Portaria ANPD nº 16/2021, que aprova o processo de regulamentação. A Portaria estipula várias diretrizes, dentre as quais destacam-se a melhoria da qualidade regulatória e o aprimoramento do ambiente de negócios, viabilizando o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação.
Complementando, é também salutar que o processo de fiscalização da ANPD tenha previsto, como objeto da atuação responsiva, não apenas a atividade repressiva, mas também as atividades de monitoramento (levantamento de informações e dados relevantes para subsidiar a tomada de decisões pela ANPD com o fim de assegurar o regular funcionamento do ambiente regulado), a atividade de orientação e a atividade preventiva (baseada, preferencialmente, na construção conjunta e dialogada de soluções e medidas que visam a reconduzir o agente de tratamento à plena conformidade ou a evitar ou remediar situações que possam acarretar risco ou dano aos titulares de dados pessoais e a outros agentes de tratamento).
Em atos normativos e outros materiais de cunho orientativo, já se observa uma preocupação da ANPD com a qualidade da legislação que contempla não apenas avaliações quanto a aspectos formais de legalidade (por exemplo, a competência), mas também a proporcionalidade das medidas regulatórias e outras particularidades dos setores em que ela vai atuar.
No contexto da atuação da ANPD, importam não apenas os beneficiários de proteção regulatória (no caso, o titular dos dados), mas também aqueles que estão submetidos a obrigações regulatórias, que incluem empresas que, elas próprias, devem ser protegidas, como parte do amadurecimento de nosso ecossistema brasileiro de ciência, tecnologia e inovação. Ao enxergar todas essas partes interessadas, ao que tudo indica, a ANPD vem implementando boas práticas regulatórias ao lançar mão de instrumentos de planejamento e avaliação, na busca pela equidade regulatória.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O Observatório para a Qualidade da Lei dedica-se há uma década ao estudo da Legística, tendo acumulado vasta documentação de métodos e contribuições para a elaboração de normas de qualidade, que pode ser acessada no próprio site do <a href="https://www.observalei.net.br/">Observatório</a> e na nossa coluna <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/observalei">aqui no Jota</a>.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> PINTO, Élida Graziane. Ciclo das políticas públicas e legitimidade compartilhada das escolhas alocativas: um estudo em busca da vinculação à força normativa do planejamento. In: PINTO, Élida Graziane; SARLET, Ingo Wolfgang; PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; OLIVEIRA, Odilon Cavallari. Política pública e controle: um diálogo interdisciplinar em face da Lei nº 13.665/2018, que alterou a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2018. Cap. 4, p. 105. p. 111.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> DELLEY, Jean-Daniel. Pensar a Lei: Introdução a um procedimento metódico. Cadernos da Escola do Legislativo, v. 7, n. 12, p. 101-143, jan./jun. 2004. Disponível em: <a href="https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/1107">https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/1107</a>. Acesso em: 23 nov. 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> MENEGUIN, Fernando B.; BIJOS, Paulo Roberto Simão. Avaliação de Impacto Regulatório: como melhorar a qualidade das normas. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, mar. 2016. (Texto para Discussão nº 193). Disponível em: <a href="https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/TD193">https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/TD193</a>. Acesso em: 23 nov. 2021.

ANPD

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JOTA

O uso da Análise de Impacto Regulatório e da Avaliação de Resultados Regulatórios pela Agência Nacional de Proteção de Dados

Instrumentos de equidade regulatória na ANPD

O uso da Análise de Impacto Regulatório e da Avaliação de Resultados Regulatórios pela ANPD