Jéssica Malucelli Barbosa

Sabrina Maria Fadel Becue

O processo natural de internacionalização das empresas, através da contratação de crédito no exterior, presença de ativos em outros países e, ainda, pela estrutura de grupos de sociedades compostos por subsidiárias e afiliadas estrangeiras, impõe desafios quando a empresa sofre as intercorrências do mercado. Para enfrentar a crise destas empresas que, em razão da existência de bens e credores em mais de um país, muitas vezes suscitam a abertura de múltiplos procedimentos de insolvência perante diferentes jurisdições, a UNCITRAL<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> incentiva a adoção da Lei Modelo de Insolvência Transnacional.
Esse instrumento estabelece regras procedimentais uniformes, com o escopo de fomentar a cooperação entre as jurisdições e permitir que os vários processos de insolvência sejam administrados de forma justa, eficiente e igualitária, em benefício de todos os interesses envolvidos na reestruturação da empresa e na sua liquidação.
Na recente reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falência, o Brasil finalmente incorporou a Lei Modelo da UNCITRAL, por meio da sanção da Lei 14.112, em dezembro de 2020. A maior parte das disposições foram reproduzidas com fidelidade ao seu texto original, no entanto o texto brasileiro contém algumas alterações redacionais e regras estranhas à estrutura da Lei Modelo (a exemplo das mudanças relativas ao art. 8 da Lei Modelo e disposições novas do capítulo sobre processo concorrente) que podem comprometer os propósitos deste instrumento de Soft Law. Em razão da limitação de espaço, nossa análise se restringe ao art. 167-A, § 6º. 
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Este dispositivo, ao se referir à competência constitucional do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para procedimentos de homologação de sentença estrangeira e concessão de exequatur às cartas rogatórias, cria um ambiente de insegurança jurídica e que se contrapõe aos objetivos enumerados no preâmbulo da Lei Modelo e que foram adotados pelo art. 167-A, caput e incisos.
Ninguém contesta a competência da Corte Superior quanto ao juízo de delibação daqueles instrumentos tradicionais de cooperação jurídica internacional. Ocorre que a Lei Modelo não se baseia nestes instrumentos e, no Guia de Implementação e Interpretação da Lei Modelo<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, a UNCITRAL esclarece que o escopo de suas regras é evitar que o reconhecimento do processo estrangeiro, as comunicações e a cooperação entre jurisdições ocorram por meio dos instrumento de carta rogatória e homologação de sentença estrangeira, uma vez que são mecanismos morosos, burocráticos e que dificultam a cooperação contínua e duradoura entre jurisdições e prejudicam a celeridade que estes procedimentos exigem.
Relacionado a um processo de insolvência estrangeiro, pode surgiu um ato que exija o seu cumprimento por meio de Carta Rogatória ou uma decisão de mérito que precise ser executada no Brasil. Essas situações não se enquadram no âmbito de aplicação da Lei Modelo e serão resolvidos através do juízo de delibação da Corte Superior.
O ponto central, que talvez precise ser corretamente compreendido pelos operadores do Direito, é que competência constitucional atribuída ao STJ (art. 105, caput, inciso I, alínea “i”) não abarca todas as modalidades de cooperação jurídica internacional existentes no Brasil. O Código de Processo Civil e convenções internacionais adotadas em nosso país fornecem exemplos de cooperação jurídica internacional que não se sujeitam ao juízo de deliberação do STJ (p.ex.: auxílio direto; Rede Internacional de Juízes da Haia).
<blockquote class="jota-article__eye">Em suma, a previsão do §6º mostra-se desnecessária para disciplinar as hipóteses que constitucionalmente serão de competência do STJ e, por outro lado, sua inclusão no capítulo de insolvência transnacional baseado na Lei Modelo da UNCITRAL tem potencial de criar celeumas interpretativas desnecessárias e incompatíveis com o objetivo do capítulo.</blockquote>
De todo modo, o apontamento feito não diminui a importância da adoção da Lei Modelo no Brasil que até recentemente não contava com instrumento capaz de oferecer respostas para a pluralidade de procedimentos, em trâmite em diferentes países, mas referente a uma mesma empresa ou grupo empresarial. Sem dúvida a adoção do regime de insolvência transnacional trará maior segurança jurídica e, possivelmente favorecerá o ambiente nacional para atração de investimentos.
Internamente, os tribunais brasileiros agora possuem um arcabouço para embasar decisões e medidas necessárias ao bom desenvolvimento de processos de reestruturação ou falência transnacional. A título exemplificativo, o caso do Grupo OGX, em 2014, dividiu o Poder Judiciário justamente em razão da ausência de respostas a demandas não disciplinadas no direito brasileiro. Tal insegurança, quanto mais considerada em um processo do porte do Grupo OGX, prejudica não apenas as empresas demandantes, mas os credores e os próprio operadores do direito.
Indubitável, portanto, o acerto do legislador ao adotar a Lei Modelo da UNCITRAL na legislação brasileira sobre insolvência empresarial. Devendo a aplicação do instituto dar-se sempre com vistas à necessidade de facilitação dos procedimentos transnacionais, favorecimento e estímulo à comunicação e cooperação entre jurisdições.
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O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> UNCITRAL - Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional, é uma organização internacional vinculada à ONU, que atua na harmonização de práticas e leis que afetam o comércio internacional.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: &lt; <a href="https://uncitral.un.org/en/texts/insolvency">https://uncitral.un.org/en/texts/insolvency</a>&gt;.

Signe_de_l’ONU,_Genève

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JOTA

Nova Lei de Falências contém algumas alterações redacionais e regras estranhas à estrutura da Lei Modelo

Adoção da Lei Modelo da UNCITRAL sobre Insolvência Transnacional

Insolvencia Transnacional. Texto brasileiro contém algumas alterações redacionais e regras estanhas à estrutura da Lei Modelo