Guilherme Tocci

Paulo Samico

Tayná Carneiro

"A necessidade é a mãe da inovação." Essa frase é atribuída por muitos ao filósofo e matemático grego Platão. Mas engana-se quem pensa que esse texto tem o propósito de misturar filosofia e Direito. Não, não tem. Neste espaço queremos ir além. Além da teoria, das palavras difíceis e de um eruditismo que afasta. Queremos o oposto do afastamento. Queremos a aproximação com cases e iniciativas práticas.
De antemão, já propomos a seguinte reflexão: se inovação é experimentação e o eterno exercício de tentativa, erro, aperfeiçoamento e tentativa – um eterno ciclo virtuoso – como inovar só com teoria? Como demonstrar uma postura inovadora sem cases práticos? Assim, cabe o espaço para enaltecer aqueles que ousam e podem compartilhar cases porque não só possuem coragem, como também vivenciam a adrenalina de executar projetos em legaltechs, jurídicos internos, consultorias ou em escritórios. Ter a vivência prática é importante para falar com propriedade e lugar de fala. E quem fala isso não somos nós.
O relatório Accenture Life Trends 2023<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> demonstra que a inovação “também é alimentada pela observação inconsciente, já que a exposição ao mundo além do escritório traz cor à experiência vivida pelas pessoas”. O relatório estimula a aventura, a investigação a novos campos de interesse para que tendências possam ser investigadas a fio e a criatividade floresça.
Para que seja feita da forma correta, a inovação deve ser estruturada enquanto um processo. Quanto a isso, não podemos discordar: basta observar que o Design Thinking possui fases, etapas que precisam ser seguidas para chegar a uma determinada solução.Para equipes jurídicas, muitas pessoas encontram a solução de estruturar a inovação com o apoio da área de Legal Operations. O relatório ACC Chief Legal Officers Survey<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, produzido em 2022, demonstra que o investimento em áreas de Legal Ops está acelerando. Segundo a pesquisa, conduzida pela "Association of Corporate Counsel", pelo menos 50% das organizações dos mais variados tamanhos possuem um ou mais profissionais de Legal Operations estruturando a inovação de forma correta – válido lembrar que esta é uma ótica do mercado estrangeiro, ainda temos um longo e prazeroso percurso pela frente aqui no Brasil.
Não tem uma área de Legal Ops? Sem previsão orçamentária para contratar um Legal Ops as a Service ou um profissional dedicado? Calma. Estruturar a inovação como um processo não é um bicho de sete cabeças, muitas vezes basta ter atitude para começar e disposição para sair da inércia. Adiante, vamos sugerir um simples guia que pode resultar em ótimos cases a serem partilhados.
Antes, uma observação necessária: nada que será compartilhado aqui está cunhado em pedra. O que talvez não funcione para você, pode funcionar para muitos outros times ou até mesmo funcionar após adaptações compatíveis com a sua realidade. Lembrando de Austin Kleon em "Roube Como um Artista", devemos entender que as ideias são combinações do que consumimos, adaptadas à nossa perspectiva única. Portanto, sinta-se à vontade para pegar o que ressoa com você aqui e adaptá-lo, moldando-o à sua própria experiência e contexto. Então, antes da leitura, faça essa reflexão. Agora sim, vamos ao guia:
<ol>
<li>Conscientização e choque cultural: primeiro, o time deve estar convencido que a inovação deve ser parte da cultura e da nova identidade coletiva. Um slogan famoso e usado por várias instituições de diferentes segmentos é a ‘tradição por inovar’. Isso significa encarar o ‘novo’ com naturalidade, sempre observando oportunidades de aperfeiçoamento e sem qualquer tipo de receio ou ceticismo a novas práticas que podem provocar resultados ainda mais interessantes. Para essa etapa, recomendamos palestras de times externos ou de pessoas que possuam cases práticos a compartilhar (fuja dos teóricos! Aqui você precisa de inspiração prática!).</li>
<li>Reflexão sobre os problemas mais significativos: divida o time em pequenos grupos e fomente discussões sobre como a inovação poderia ajudar nas atividades cotidianas. Peça ao time para não focar apenas na tecnologia e sim, especialmente na mudança de processos internos, revisão de procedimentos. Aqui, o foco tem que ser sobre os principais problemas que possam vir afetar a produtividade do time ou que sejam um obstáculo relevante no decurso das atividades.</li>
<li>Ranqueamento das dores mais alarmantes: como vivemos na era da escassez - de tempo e de recursos financeiros - precisamos priorizar. Aqui, o time deve elencar quais são as piores dores, demonstrando os benefícios se fossem rapidamente reparadas. O foco no maior problema produzirá um resultado mais expressivo - e de forma mais rápida. Lembre-se: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/legal-business/pense-grande-e-comece-pequeno-06072023">pense grande e comece pequeno</a>!</li>
<li>Brainstorming sobre como buscar a solução: nessa etapa, o time vai idealizar quais são as melhores soluções para as dores que mais se destacam. A opinião diversa e o pensamento crítico devem ser estimulados. A escuta ativa, nem se fala. Nessa etapa, o time será estimulado a exercitar o consenso e o diálogo, pois é comum que haja divergência na ‘busca pela solução’ - aqui é essencial reforçar o papel da gestão de conflitos em times diversos. O que não pode cair no esquecimento é que todos possuem um interesse em comum: tornar a inovação um processo.</li>
<li>Chegou a hora da execução: aqui, para que realmente o time comece a se mexer, vale criar grupos de trabalho e empoderar as pessoas no formato de squads. Assim, cada pequeno grupo terá uma responsabilidade para chamar de sua. As entregas devem ser baseadas em ‘quick wins’, de modo que a evolução seja constante e as entregas sejam recorrentes e ágeis. Uma dica que vale ouro é estabelecer papéis e responsabilidades para todos os envolvidos, desde o início. Conectado a essa etapa, não esqueça de dedicar atenção especial à Gestão de Mudança (GMUD). Chamamos a atenção para dedicar importância ao tema porque não queremos que você faça parte dos 77% dos advogados<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> que já falharam em projetos jurídicos de tecnologia por resistência à mudança na hora de executar o projeto. Trabalhar a cultura organizacional é o caminho!</li>
</ol>
Achou que a estratégia acima é inspirada nas etapas do Design Thinking? Achou certo. Design Thinking é um método que apoia a construção de um pensamento criativo e crítico para organizar ideias em prol de encontrar soluções (no nosso caso, o que queremos aqui é reforçar que a inovação é um processo). Há algumas etapas que precisam ser seguidas na ordem, como:
<ul>
<li>Imersão e empatia: entender as necessidades do usuário, seja ele o seu cliente interno ou seu time;</li>
<li>Análise: definição do problema, da dor, das oportunidades;</li>
<li>Ideação: momento da chuva de insights que podem servir como soluções;</li>
<li>Protótipo: como tangibilizar as ideias e torná-las de aplicação prática;</li>
<li>Teste: você não quer implementar algo sem ao menos ter testado um pouco antes, né?;</li>
<li>Implementação: validar e testar a experiência com o apoio de um time e um alvo.</li>
</ul>
É importante ressaltar que toda essa caminhada deve ser nutrida mais por perguntas do que necessariamente respostas. Aliás, seria curioso se as pessoas tivessem muitas certezas na construção de tornar a ‘inovação como um processo’, pois se estamos aqui é justamente porque ainda não temos essa certeza. Como diz o professor Mario Sergio Cortella, devemos ter "Cuidado com gente cheia de certezas… Gente cheia de certezas só é capaz de repetir o que falam". A propósito, quem tiver muita certeza, muito provavelmente precisará dessas reflexões:
<ul>
<li>Consegue responder com facilidade quais são os desafios mais significativos do seu time?</li>
<li>Sabendo quais são os desafios, você entende quais são as metas de sucesso e os indicadores que irão medir o resultado?</li>
<li>Você entende a sua função para melhor apoiar a equipe e a organização como um todo dentro dos objetivos estabelecidos em grupo?</li>
<li>Entende quais são as principais tendências do mercado e as acompanha, para implementação na medida em que seja aplicável para a sua realidade?</li>
<li>Como você imagina a sua equipe em um horizonte de 2 ou 3 anos, após todas as mudanças serem implementadas?</li>
<li>É possível ver (e sentir) um time engajado, que acredita que a inovação é um meio e não um fim em si mesmo?</li>
</ul>
Repetimos: se as perguntas forem de fácil resposta por todos no time (sim, todos), o trabalho está pronto. Você e todo o time são os responsáveis por estruturar a inovação como um processo. Não há, portanto, o que se preocupar em ser inovador, em ter que ser associado ao hype, ou à principal trend do momento. Isso acontecerá de forma orgânica, natural, posto que está no DNA do time como um todo. Os cases de sucesso serão apenas uma consequência.
Antes de finalizarmos esse texto, precisamos nos socorrer a um velho mantra. No livro "Transformação jurídica: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/criatividade-e-comportamento-04102023">Criatividade é Comportamento</a>... Inovação é Processo" exploramos um pouco essa abordagem, mas não nos custa repetir: inovação não é tecnologia. Inovação é entrega de valor, busca por aperfeiçoamento e contínua eficiência, é desenvolver um novo mercado, aumentar a competitividade e resolver um problema que sequer sabíamos que existia. E isso pode contar – ou não – com o apoio da tecnologia.
Essa afirmação não é posta sem o uso de uma fonte confiável para embasá-la. O relatório "Technology Trends 2023", que teve sua 14ª edição produzida pela Deloitte<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> em junho de 2023, em uma ampla pesquisa explora o impacto de tecnologias emergentes e as oportunidades que se desenham na era da interação traz informações relevantes. E ele é enfático ao informar que a inovação não se constrói somente com tecnologia.
No relatório, você perceberá que a inovação vai além, é estruturada inclusive com o apoio de habilidades e características humanas. Uma dessas habilidades é a flexibilidade, que é constantemente explorada no estudo. Organizações que possuem foco em habilidades comportamentais, além de desenvolver uma postura flexível em seus colaboradores, possuem a cultura da mobilidade, possuem uma porcentagem de acurácia invejável em desenvolver e reter talentos inovadores.
E onde entra a criatividade nesse processo de construção da inovação? Certamente não está escondida em um labirinto. É fácil encontrá-la. O despertar criativo é uma etapa anterior, conforme <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/criatividade-e-comportamento-04102023">narramos neste artigo no JOTA</a>. Exercitar a criatividade é como adubar o solo para poder plantar a inovação.
Nas palavras do ministro do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>) e atual presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, aqui precisamos estar atentos, pois “o mais importante não é a chegada, mas o caminho, e a maneira como a gente o percorre". Se nos atentarmos no caminho (o processo), a chegada sempre será o melhor lugar para estarmos (ambiente inovador e altamente convidativo a resultados sem precedentes).
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em <a href="https://www.accenture.com/us-en/insights/song/accenture-life-trends">https://www.accenture.com/us-en/insights/song/accenture-life-trends</a>. Acesso em 01/10/2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em <a href="https://www.acc.com/sites/default/files/2022-01/ACC-CLOreport22_Final2.pdf?_sm_au_=iVVlG7G0N4VKqkmQ48RsKKHM7sFTF">https://www.acc.com/sites/default/files/2022-01/ACC-CLOreport22_Final2.pdf?_sm_au_=iVVlG7G0N4VKqkmQ48RsKKHM7sFTF</a>. Acesso em 02/10/2023.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Dados do In House Legal Tech Report entregam que essa porcentagem é alarmante no setor. Maiores informações sobre outros problemas recorrentes, orientamos consultar “#TrendingTopics para contornar os principais problemas em projetos jurídicos de tecnologia”, disponível em &lt; <a href="https://analise.com/opiniao/trendingtopics-para-contornar-os-principais-problemas-em-projetos-juridicos-de-tecnologia">https://analise.com/opiniao/trendingtopics-para-contornar-os-principais-problemas-em-projetos-juridicos-de-tecnologia</a>&gt;. Acesso em 05/10/2023.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em <a href="https://www2.deloitte.com/bg/en/blog/Consulting/2023/Technology-Trends-2023-Deloitte-report.html">https://www2.deloitte.com/bg/en/blog/Consulting/2023/Technology-Trends-2023-Deloitte-report.html</a>. Acesso em 02/10/2023.

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JOTA

O mais importante não é a chegada, mas o caminho e a maneira como a gente o percorre

Inovação é processo

Estruturar a inovação como um processo não é um bicho de sete cabeças, muitas vezes basta ter atitude para começar