Isadora Cohen

Rafael Hamze Issa

Recentemente, o Governo do Estado de São Paulo publicou o Edital de Concorrência Internacional nº 01/2016, que tem por objeto a concessão dos serviços de exploração, ampliação e manutenção da infraestrutura aeroportuária de cinco aeroportos localizados no interior do respectivo Estado<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[1]</a>.
Tal concessão está enquadrada no âmbito de uma nova perspectiva para o setor, com a participação de prestadores privados na gestão dos serviços aeroportuários, até então desenvolvidos unicamente pela Administração Pública, diretamente ou por empresas estatais, como é o caso da Infraero, no âmbito federal.
Este é um movimento que ganha proeminência. O novo quadro começou a ser desenhado quando do 1º lote de concessões dos aeroportos federais, ocorrido em 2011, tendo o modelo sido expandido nas 2ª e 3ª rodadas de concessão havidas nos anos de 2012 e 2013.
E os planos envolvem a continuidade das concessões, mas com novidades. No âmbito federal, as novas modelagens (para os aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis, Fortaleza e Salvador) prometem promover a seleção de agentes privados que deverão constituir uma sociedade composta exclusivamente pela formação consorcial participante da licitação. Essa nova regra contrasta com as chamadas “parcerias estratégicas” que vinham sendo formadas com a participação da Infraero nas rodadas anteriores das concessões federais.
Esse modelo, de concessão integral da atividade aeroportuária, sem participação societária de qualquer agente público predeterminado na sociedade de propósito específico a ser formada - embora não tivesse, até então, sido praticado pelo Governo Federal em suas concessões de aeroportos –, já foi adotada pelo Estado de São Paulo logo em sua primeira rodada de concessões.
Mas para que se possa ter a devida compreensão do modelo estadual de concessões, é preciso conhecer minimamente o contexto regulatório em que tais parcerias se encontram inseridas, voltando atenção para nuances que, em alguma medida, distinguem as concessões estaduais das concessões federais para esse setor.
Os aeroportos administrados pelo Estado de São Paulo figuram como escopo de uma relação de delegação travada com a União, por meio de convênio. O Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo – DAESP é a autoridade estadual incumbida de operar os aeródromos delegados. De acordo com o Convênio de Delegação, o DAESP pode optar por promover uma administração direta, indireta ou mista de tais sítios.
A concepção do modelo que vigora para as concessões aeroportuárias estaduais foi pensada de modo a promover a administração indireta dos sítios, sendo que a exploração da infraestrutura caberá integralmente à SPE concessionária, sem que seja necessária qualquer associação societária ou contratual com o DAESP – mais semelhante com o modelo que deverá ser, nesta nova rodada, impresso nas concessões federais.
Ao DAESP caberá, em conjunto com a ARTESP (Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados de Transportes do Estado de São Paulo), fiscalizar a prestação dos serviços públicos – sem prejuízo das demais instâncias federais que exercem atividades fiscalizatórias e regulatórias - e assegurar a adequação das atividades desempenhadas pelo privado, para que o usuário seja beneficiado com maior eficiência na gestão e melhores condições da infraestrutura.
Se por um lado, entretanto, o modelo - que não conta com amarras decorrentes de vinculação social com entidades da administração pública - confere maior flexibilidade e liberdade de atuação para a concessionária, por outro, traz um desafio interessante para o Governo: o dimensionamento e equacionamento das potenciais atividades alternativas que podem ser desenvolvidas pela concessionária para além dos serviços públicos aeroviários e aeronáuticos.
E essas duas questões, de algum modo, se relacionam. Se a sociedade de propósito específico, que passará a explorar a concessão, for formada com participação do Governo, isso acaba por viabilizar o acompanhamento, pelo Estado, das atividades “alternativas” que possam ser realizadas e a gestão do comportamento das receitas acessórias delas decorrentes.
Talvez por isso o modelo federal tenha atribuído relevância ao papel desempenhado pela Infraero nas rodadas anteriores, ainda que se pudesse fazer isso de uma forma, quem sabe, menos contundente (possivelmente com o uso de outros instrumentos societários, que pudessem assegurar alguma ingerência da Infraero, só que de maneira mais branda – quem sabe por meio de uma “Golden Share” ou outro mecanismo que o valha -, o que traria maior conforto e flexibilidade para a SPE na condução de suas atividades).
Mas mesmo havendo espaço para críticas ao modelo dessas primeiras concessões aeroportuárias, vale destacar o eventual benefício que se pode extrair da participação da Infraero nas SPEs concessionárias. De alguma forma, fica o aprendizado e uma melhor compreensão sobre as potenciais atividades negociais que podem gerar as receitas acessórias, as “não tarifárias”.
E no caso de projetos aeroportuários, tais atividades ganham contornos relevantes, já que as receitas não tarifárias a elas associadas são representativas a ponto de definir se o negócio é viável; e mais, se o negócio é atrativo. Para se ter uma ideia, nas projeções que vem sendo utilizadas para embasar alguns dos estudos de concessão dos aeroportos estaduais, as receitas ditas “acessórias” são preponderantes e superam as receitas oriundas de tarifas.
É até mesmo por conta desta particularidade que é tão desafiador para o Estado conseguir fazer uma avaliação devida do comportamento das atividades que serão desenvolvidas no longo prazo (e dos correlacionados investimentos, despesas e receitas), o que torna complexa a realização do estudo de viabilidade que lastreia e serve de parâmetro para a concessão. Os negócios travados para exploração da infraestrutura aeroportuária têm perfil de atividade econômica, próprio da lógica do mercado, e não são classificáveis como serviços de natureza puramente pública.
E talvez por ser este um componente de difícil identificação e complexa mensuração, a Administração, por sua falta de expertise, não o considere nas modelagens do projeto original (ou, na maior parte dos casos, o considere de forma descolada da realidade negociar)[2].
Diante da constatação de que a avaliação pública não traduz adequadamente o potencial de geração de receitas do negócio, e considerando que o ativo em que as atividades comerciais serão exploradas é de titularidade do Poder Público (transferido por tempo determinado para o parceiro privado, que sequer arca com os pesados custos de aquisição originária do imóvel), o que fazer para evitar que esse ativo seja subavaliado na concessão ou, então, para distribuir os resultados do projeto de forma mais equilibrada entre as partes?
Em princípio, uma possível solução parece ser a inclusão de previsão contratual de compartilhamento das receitas não tarifárias auferidas pelo particular ao longo da vigência contratual, solução já permitida, inclusive, pela legislação aplicável<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[3]</a> (sendo que o produto arrecadado deve ser revertido pelo Poder Público em favor dos usuários) e refletida nos documentos da concessão estadual.
É claro que a estruturação da regra de compartilhamento já comporta uma série de complexidades que devem ser avaliadas e endereçadas, mas tudo indica que os Governos têm olhado com atenção para esse tema. As próximas concessões devem contemplar regras que reflitam essa preocupação, e – tudo indica – com um olhar voltado para assegurar atratividade para os projetos (conferindo maior flexibilidade para a atuação das concessionárias) e, ao mesmo tempo, utilizar o potencial de geração de receitas para, em alguma medida, viabilizar a melhoria do setor e o conforto do usuário.
As lições aprendidas durante as primeiras rodadas de concessões federais de aeroportos, sobre os pontos tratados acima e diversos outros aspectos interessantes, devem ser incorporadas nos editais das Concessões de Florianópolis, Fortaleza, Porto Alegre e Salvador, que estão por vir. No panorama estadual, a boa notícia é que São Paulo segue caminhando no sentido de promover mais concessões no setor aeroportuário também. A notícia da autorização, conferida pelo Conselho Diretor do Programa Estadual de Desestatização (conforme Ata da sua 217a Reunião Ordinária), para seguir com os estudos de concessão dos aeroportos de Ribeirão Preto, Marília, Bauru-Arealva, São José do Rio Preto, Presidente Prudente e Araçatuba, corrobora esse movimento. E a expectativa é de aprimoramento do modelo para essas parcerias e para as futuras que, certamente, virão.
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<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[1]</a> Os cinco aeroportos concedidos, em lote único, são: Comandante Rolim Adolfo Amaro, em Jundiaí; Arthur Siqueira, em Bragança Paulista; Campos dos Amarais, em Campinas; Gastão Madeira, em Ubatuba; e Antônio Ribeiro Nogueira Jr., em Itanhaém.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[2]</a> Os leilões de concessão dos Aeroportos Federais, notadamente os de Guarulhos, Brasília, Vira Copos, Galeão e Confins, demonstram essa discrepância de forma bastante ilustrativa. Embora tenha o Governo Federal se esmerado em promover estudos robustos de estabelecimento de um preço mínimo de outorga, que fosse condizente com o que se reputava apropriado para a concessão de cada um dos ativos, foi incapaz de prever que o negócio seria tão atrativo a ponto de gerar ágios bilionários oriundos das propostas ofertadas pelos licitantes vencedores, que enxergaram as concessões como potenciais de geração de receitas com certeza não estimadas (ou sem a devida consideração) pelo Governo Federal.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[3]</a> Conforme estabelece o artigo 11, da Lei 8.987/95

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JOTA

O modelo federal e as concessões estaduais

Infra – Reflexões e perspectivas para as novas concessões de aeroportos

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