João Marcelo Pacheco

Caio Ferreira Silva

Renato Grecco

Deverá ocorrer em agosto o leilão de desestatização da CELG Distribuição S.A. – CELG-D, a distribuidora de energia do Estado de Goiás que recentemente teve o seu contrato de concessão renovado por mais trinta anos. O trabalho realizado e a experiência amealhada ao longo de praticamente um ano enquanto assessores jurídicos do projeto junto ao IFC – International Finance Corporation –, por sua vez consultor líder contratado pelo BNDES, impuseram desafios e propiciaram a construção (com os demais stakeholders do processo) de inovações interessantes, que têm o potencial de contribuir para a estruturação e viabilização de novas privatizações em um horizonte próximo.
Após mais de uma década, essa é a primeira grande privatização do País a tomar forma. A alienação das ações de controle da companhia goiana, incluindo as participações detidas pela Eletrobras e pelo Estado de Goiás, deverá arrecadar – no mínimo, já que se trata de um leilão –, cerca de R$ 2,8 bilhões.
Sob a ótica jurídica, a desestatização da CELG-D marca a retomada do Programa Nacional de Desestatização – PND e de todo o seu (minucioso) regramento (notadamente a Lei 9.491/1997 e o Decreto 2.594/1998) acerca da alienação de empresas controladas pela União ao setor privado, após um longo período em que se priorizaram basicamente concessões, PPPs etc. Esse regramento específico, que na década de 90 foi de aplicação cotidiana para aqueles envolvidos no boom das privatizações, gradativamente caiu em desuso. É, portanto, matéria “nova” para muitos dos envolvidos no projeto e demais operadores do direito (entre eles advogados, juízes, promotores, representantes do poder público etc.), aos quais cabem a tarefa de aplicá-lo no novo contexto social, político, econômico e até mesmo jurídico-regulatório em que essas regras atualmente se inserem.
Nesse interregno, o País passou por profundas transformações. O direito, como lhe é próprio, tende a acompanhar a evolução da sociedade, cabendo-lhe desenvolver e disciplinar instrumentos e mecanismos cada vez mais complexos e sofisticados para de alguma forma lidar com essas transformações. No caso da desestatização da CELG-D, e após tantos anos, não poderia ser diferente, e algumas questões jurídicas importantes – próprias dos tempos atuais –, ficam bastante evidentes nesse cenário, sinalizando um caminho para projetos similares futuros.
Exemplo disso é a criação do Fundo de Aporte à CELG-D (FUNAC). Por esse mecanismo, em síntese, o Estado de Goiás, ao alienar o controle da CELG-D à Eletrobras (no âmbito da federalização), obrigou-se a ressarcir os passivos da CELG-D com fatos geradores relativos à época em que a distribuidora goiana estava sob a gestão exclusiva do Estado. A manutenção desse mecanismo – previsto em lei, assegurado contratualmente à Eletrobras e estendido ao vencedor do leilão nos termos dos documentos da desestatização –, é um grande atrativo para os interessados em assumir o controle da CELG-D, o que se espera seja positivamente refletido no preço final a ser recebido pela Eletrobras e pelo Estado de Goiás pela venda.
Aliás, a participação do Estado de Goiás, detida por meio de sua controlada CELGPar, é outra particularidade do processo de desestatização da CELG-D que merece destaque. Trata-se de uma venda conjunta, via PND, de participações acionárias detidas tanto pela União quanto por um ente federativo (i.e., o Estado de Goiás). Isso ocorre pois o Estado de Goiás, ao exercer o seu direito de venda conjunta (tag along) decorrente de contrato celebrado à época da alienação à Eletrobras do controle da CELG-D, também decidiu aderir ao processo de privatização. Diversas implicações – possivelmente inéditas – tiveram que ser enfrentadas em razão dessa multiplicidade de vendedores, inclusive porque tal modalidade de venda conjunta não se encontra expressamente regulada no PND nem havia sido implementada no passado.
Outra inovação interessante envolve a venda de ações aos empregados e aposentados da CELG-D. Decidiu-se, com relação a essa oferta, estruturar os documentos e processos operacionais de forma a possibilitar a utilização da estrutura da BM&amp;FBOVESPA, aproveitando-se de sua experiência em diferentes ofertas cursadas no âmbito do mercado de capitais. Essa é a primeira vez que tal estrutura será aproveitada em uma oferta aos empregados e aposentados do PND, o que também deverá conferir maior segurança aos envolvidos e eficiência às operações cursadas.
Sobre esta privatização, vale também mencionar a flexibilização dos índices de qualidade do contrato de concessão nos primeiros anos pós-venda. Com essa medida, espera-se que o novo controlador tenha tempo e fôlego razoáveis para arrumar a casa e fazer com que a companhia consiga prestar melhores serviços à população. Isso se torna ainda mais relevante em um cenário no qual a CELG-D acaba de ter sua concessão renovada com índices de qualidade (e situação financeira) bastante desafiadores.
Outro importante avanço nesta privatização, aprovado por medida provisória, é a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento – poupando tempo e recursos dos agentes públicos e do erário –, comum a projetos de concessões, mas não adotada em processos de privatizações anteriores.
Esses exemplos ilustram apenas alguns dos desafios e particularidades enfrentados nos trabalhos de estruturação da privatização da CELG-D, feita em cenário bastante distinto – socioeconômico, político e jurídico – daquele dos anos 90.
A privatização da CELG-D poderá inaugurar uma série de desestatizações de distribuidoras de energia elétrica pelo País – muitas das quais estão aquém dos índices de qualidade esperados. Isso, ao menos, é o que vem sendo estudado e divulgado pela Eletrobras e pelo Governo Federal, como medida necessária para atingir a meta proposta de controle das contas públicas, ao mesmo tempo em que busca melhorar ineficiências operacionais, e gerar ganhos de escopo, escala e qualidade nos serviços públicos prestados.
Naturalmente, cada desestatização apresenta seus próprios desafios e peculiaridades, que fazem com que cada processo seja único. Contudo, a retomada das grandes privatizações no País após mais de uma década faz com que o processo da CELG-D receba especial atenção e expectativa. Esperamos que a estrutura dessa desestatização contribua para operações similares que, como o Governo Federal sinaliza, deverão ocorrer em um futuro próximo.
Em especial, espera-se que a (exitosa, como torcemos) privatização da CELG-D fique marcada como o início de uma nova fase de privatizações que já se desenha, independentemente da força política que estiver no poder. Nesse caso, que essa nova fase se demonstre eficaz em auxiliar o equilíbrio das contas públicas, beneficie financeiramente (de forma justa) a Eletrobras e demais entidades alienantes e, principalmente, traga melhorias aos serviços públicos prestados no País. É o que esperam todos os interessados em um Brasil mais forte e desenvolvido.

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JOTA

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