Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“Não se preocupe com tendências. Não faça da moda o seu dono, mas decida você o que você é, o que quer expressar pela forma como se veste e pela forma de viver.”
<footer class="jota-article__quote-cite">Gianni Versace</footer>
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<footer>A inflação, segundo reconheceu <a href="https://www.economist.com/the-world-this-week/2023/02/16/this-weeks-cover">a reportagem de capa da semana</a> passada da revista britânica The Economist, é simplesmente o maior problema da economia mundial no momento. A leitora assídua desta coluna bem sabe que viemos alertando para a entrada da economia global em uma espiral inflacionária estrutural e permanente, causada por uma overdose de liquidez artificial nos mercados, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/espionagem-diplomacia-criptomoedas-e-inflacao-04062021">há pelo menos dois anos</a>.</footer>
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<footer>A influente publicação, contudo, ressalva que a análise monetarista que a leitora acompanha nestas mal-traçadas não é popular no mainstream. “Rastrear a oferta de moeda está profundamente fora de moda”: “a moeda nem aparece na maioria dos modelos de inflação de última geração, que se concentram nas taxas de juros, na economia real e nas expectativas de inflação.” Mas a matéria reconhece que “no entanto, a oferta monetária foi um dos poucos indicadores a fornecer um aviso prévio sobre a inflação".A lógica, como sói, é atemporal e além da moda. Aliás, Coco Chanel mesmo já dizia que “a moda é como a arquitetura: uma questão de proporções". Exatamente como a oferta de meio circulante na economia e de álcool no sangue: em excesso e fora das proporções fatalmente causará um vexame e uma ressaca. Igualzinho à situação atual da economia mundial. Démodé.A The Economist apresenta uma análise cética da opinião dominante nos mercados de que a ressaca monetária atual poderá ser curada rapidamente com um Engov. Um dos principais indicadores que recomendam cautela é o do mercado de trabalho, que estaria deixando os analistas perplexos com o fato de que ele estaria superaquecido, contrariando o movimento geral de diminuição da atividade econômica global. “Seis membros do G7, um clube de países grandes e ricos, desfrutam de uma taxa de desemprego igual ou próxima à mais baixa deste século (a Itália é a exceção)”, aponta a revista britânica.Esse fator, ainda segundo a matéria, causaria especial preocupação nos bancos centrais ao redor do mundo, porque poderia indicar uma pressão inflacionária adicional advinda do crescimento dos salários. Os bancos centrais, segundo a matéria, “querem empregos abundantes. Mas eles veem o crescimento salarial excessivo como o melhor indicador de que a inflação provavelmente permanecerá acima da meta, devido à sua relevância tanto para os custos das empresas quanto para a renda das famílias. Os formuladores de políticas não podem se acomodar com a queda dos preços de bens e energia se os salários ameaçarem anular o benefício obtido".
A The Economist aponta que muitas análises monetaristas acreditariam na possibilidade de uma “desinflação imaculada” da economia global, isto é, uma queda dos salários sem a correspondente queda na atividade econômica – sem desemprego, em outras palavras – pelo fato de que o excesso de oferta de moeda internacional tenderia a se ajustar ao longo do tempo, trazendo os preços de bens e serviços para dentro da área de cruzamento das curvas de oferta e de demanda. Wishful thinking.
Isso seria possível “se e somente se” houvesse um aumento exponencial da produtividade global para açambarcar o aumento também exponencial do meio circulante e se o crescimento dos salários acompanhasse o crescimento da produtividade o que é mais do que sabido que não ocorre, como veremos mais abaixo. Esse, de fato, é o principal problema do momento.
A publicação britânica alerta mesmo para o fato de que essas análises contrariam o bom senso. “O crescimento salarial em queda enquanto o emprego e as vagas permanecem altos desafiaria os modelos que os bancos centrais usam para prever a inflação há décadas, bem como a simples intuição sobre a oferta e a demanda por mão de obra. Isso representaria um segundo fracasso consecutivo dos bancos centrais, que, não tendo visto a inflação chegando, também não teriam previsto seu súbito fim". Nada de novo sob o sol.
Essas análises sobre a influência do mercado de trabalho no processo inflacionário são falhas em uma série de pontos. Em primeiro lugar, elas tomam de barato que as estatísticas atuais sobre os mercados de trabalho ao redor do mundo retratam a situação em sua integralidade, não havendo nada por trás dessas estatísticas a ser avaliado. E isso mesmo que os números contradigam a teoria, a lógica e o bom senso.
As estatísticas escondem, por exemplo, o fato de que <a href="https://www.theguardian.com/us-news/2022/nov/05/multiple-jobs-census-data-inflation-us">um número cada vez maior de pessoas está precisando trabalhar em múltiplos empregos</a>, o que daria uma falsa impressão de um aquecimento do mercado de trabalho, quando, na verdade, o mercado está em queda, com um empobrecimento real da classe média, potencializado pelo próprio processo inflacionário, que, como se sabe, opera como um imposto progressivo sobre as classes mais baixas.
Trata-se do fenômeno do “overemployed”, trabalhadores que, com a queda do poder de compra causada pela crise global do custo de vida, precisam trabalhar em múltiplas ocupações apenas para poder continuar a pagar as contas – cada vez mais altas – no final do mês. No Reino Unido, por exemplo, <a href="https://theconversation.com/wages-why-are-they-not-keeping-up-with-inflation-184084">cerca de um quinto dos trabalhadores não tem conseguido adquirir bens de consumo essenciais e os salários não têm acompanhado a inflação.</a> O que força esses trabalhadores a buscarem ocupações adicionais para sobreviverem à alta do custo de vida.
E essas ocupações adicionais tendem a ser aceitas por um valor mais baixo, isto é, o “overemployed” aceita o trabalho extra por uma remuneração menor do que se ela fosse a sua ocupação principal, pressionando – ao contrário do que aparentemente mostram as estatísticas – os salários para baixo. O “overemployment” na maioria das vezes é um “underemployment”.
O acirramento desse fenômeno, ele mesmo uma consequência da crise do custo de vida, tem o potencial de se tornar uma verdadeira bomba-relógio social. É amplamente conhecido o fato de que <a href="https://www.cnbc.com/2022/07/19/heres-how-labor-dynamism-affects-wage-growth-in-america.html">os salários estão estagnados desde a década de 1970</a>, com uma exponencial perda do poder de compra dos trabalhadores e da classe média que perdura já quase meio século e está agora a jogar as pessoas literalmente para fora do mercado.
Em uma série de lugares, a progressiva concentração de poder econômico das últimas décadas se deu a tal ponto que o mercado de trabalho se encontra em situação de monopsônio, isto é, uma situação em que há um único comprador, por exemplo, uma grande empresa, que, por não ter concorrente, tem o poder de forçar unilateralmente os preços dos salários para baixo. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), “<a href="https://www.oecd-ilibrary.org/employment/oecd-employment-outlook-2022_0ecab874-en">há evidências de que o poder de monopsônio é generalizado e substancial nas economias</a>” dos países que fazem parte da instituição.
Tudo isso leva a crer que o mercado de trabalho, ao contrário das estatísticas oficiais e das preocupações do mainstream, não é um fator de pressão adicional no processo inflacionário da economia mundial, mas sim um problema histórico, que se vê agravado por esse processo, constituindo-se agora em um fator verdadeiramente explosivo do ponto de vista social em escala global.
Como analisamos em nosso último livro, <a href="https://www.amazon.com.br/gp/product/B09W42TTL4/ref=dbs_a_def_rwt_hsch_vapi_tkin_p1_i0">"Centelhas de tempestade: a diplomacia em um mundo em transformação"</a> (Saraiva), a desigualdade pode ter atingido o seu ponto máximo em escala global, prenunciando a eclosão de conflitos sociais generalizados. A redução da desigualdade social passa necessariamente pela recuperação da deterioração do mercado de trabalho, que é a principal prioridade interna dos membros da sociedade internacional no atual momento. É preciso encontrar uma solução urgente antes que essa bomba exploda. Qui habet aures audiendi audiat.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
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<a style="font-weight: 300;" href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mateus, 11:15).
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JOTA

O maior problema econômico e o maior problema social da atualidade

Inflação, salários e desigualdade social

O maior problema econômico e o maior problema social da atualidade