José Bento Armond

A despeito dos vultosos gastos estatais com segurança pública no estado do Rio de Janeiro, é notória a crescente sensação de insegurança experimentada pela população fluminense. Nesse cenário, mostra-se relevante questionar se, a partir da política de segurança pública adotada, (I) a aplicação dos recursos financeiros pelo Poder Público não tem sido eficiente, não sendo possível observar redução dos índices de criminalidade ou se (II) dos gastos públicos resultou uma redução proporcional dos índices de criminalidade violenta, de modo que a persistente sensação de insegurança possui origens diversas.
A Constituição de 1988 estabelece, em seu art. 6º, a segurança como direito social. Por se tratar de direito fundamental de segunda dimensão, impõe ao Estado o dever de atuar proativamente em favor de sua efetivação, por meio dos órgãos especificados no art. 144 da Carta Magna. No outro extremo dessa relação jurídica encontram-se os cidadãos, que detém o direito subjetivo a gozar de medidas estatais adequadas à garantia da segurança pública.
Nada obstante, o caput do art. 37 da Carta, ao estabelecer os princípios norteadores da administração pública, também impõe que as prestações estatais, como um todo, devem ser eficientes, isto é, buscar “a otimização dos resultados pela aplicação de certa quantidade de recursos e esforços” (MORAES, 2011, p. 351). Essa noção é ainda reforçada pelo art. 144, §7º , que exige uma atuação eficiente dos órgãos responsáveis pela segurança pública. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Porém, apesar da garantia constitucional à segurança pública e da exigência de uma prestação eficiente do Poder Público nessa esfera, é notória a sensação de insegurança experimentada por parte substancial da população como um todo. <a href="https://bit.ly/3sxYgjJ" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Em pesquisa realizada pelo IBGE no ano de 2009</a>, mais de 50% da população urbana do país se sentia insegura. No estado do Rio de Janeiro, mais especificamente, as questões relacionadas à segurança pública sempre foram alvo de grande destaque. Desde a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas cariocas iniciada entre 2008 e 2009, passando pela intervenção federal no estado no ano de 2018 e chegando até os dias atuais, <a href="https://bit.ly/3cNUSM2" target="_blank" rel="noopener noreferrer">a sensação de insegurança manteve-se presente na rotina dos cariocas.</a>
Assim, é de se presumir que, apesar dos altos gastos realizados pelo estado do Rio em segurança pública ao longo de todos esses anos, não houve um impacto nos índices de violência proporcional ao volume de recursos despendidos. Ou seja, que o Poder Público não cumpriu, de maneira eficiente, o seu dever constitucional de garantir aos moradores do Rio de Janeiro a efetividade de seu direito à segurança.
A fim de verificar a hipótese supracitada, pode-se observar quais foram os impactos dos gastos estaduais em segurança pública, entre 2003 e 2019, sobre um dos mais relevantes indicadores de violência: o índice de letalidade violenta por cem mil habitantes<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>. Em outros termos, o que se propõe, aqui, é averiguar se o montante de recursos gastos com segurança pública ao longo dos anos gerou, ou não, uma redução proporcional no índice de letalidade violenta no estado. Nota-se, nesse ponto, que a escolha de apenas um dos índices não prejudica em nada a análise pretendida, haja vista que a manutenção do índice de letalidade violenta em patamares elevados denotaria um inequívoco fracasso da política de segurança pública adotada.
Comparando dados obtidos do <a href="https://www.ispdados.rj.gov.br:4432/estatistica.html" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro</a> (ISP-RJ) e do <a href="http://www.transparencia.rj.gov.br/transparencia/faces/OrcamentoTematico/despesaGenerica?_adf.ctrl-state=qzjo8nou1_621&amp;_afrLoop=28259935456398890" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Portal da Transparência Fiscal</a> do estado, percebe-se que, entre 2003 e 2019, o crescimento de 42,4% dos gastos anuais com segurança pública (de R$ 8,6 para R$ 12,3 bilhões<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>) foi acompanhado de uma redução de 48,2% do índice de letalidade violenta civil (de 46,5 para 24,1 por mil habitantes)<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>. Portanto, paralelamente ao crescimento dos gastos com segurança, houve redução proporcional do índice de letalidade violenta no estado do Rio ao longo do período observado.
<blockquote class="jota-article__eye">Por outro lado, a queda geral da letalidade violenta civil foi acompanhada de um aumento considerável da letalidade por intervenção policial, sobretudo considerando o período entre 2013 e 2019, no qual o crescimento foi de 543% (de 2,54 para 10,51). Nesse período em específico, o índice de letalidade civil apresentou queda de 20,2% (de 30,2 para 24,1).</blockquote>
Nota-se, assim, que a política de segurança pública adotada, apesar de entregar resultados numéricos positivos do ponto de vista do índice de letalidade civil, tem tido como “custo”, ao menos nos últimos 7 anos, o aumento da letalidade policial. Colocado de outra maneira, a partir dos resultados obtidos, pode-se extrair como uma das leituras possíveis que, para reduzir a ocorrência de crimes como o latrocínio ou o homicídio doloso, tem-se recorrido a uma força policial mais agressiva e, por conseguinte, potencialmente violadora de direitos fundamentais. Não se pode ignorar, aqui, o fato de que, na prática, esse crescimento da letalidade policial <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/06/06/pretos-e-pardos-sao-78percent-dos-mortos-em-acoes-policiais-no-rj-em-2019-e-o-negro-que-sofre-essa-inseguranca-diz-mae-de-agatha.ghtml" target="_blank" rel="noopener noreferrer">produz impactos desproporcionais sobre a população negra</a>.
É relevante, sob esse viés, considerarmos os efeitos da ADPF 635 na evolução da letalidade policial no Rio de Janeiro. Em junho de 2020, o <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/fachin-proibe-operacoes-policiais-no-rio-de-janeiro-enquanto-durar-a-pandemia-05062020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">ministro Edson Fachin concedeu medida liminar que restringia a realização de operações policiais nas favelas cariocas durante a pandemia</a>. A partir da decisão do relator, <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-tem-maioria-para-manter-proibidas-operacoes-em-favelas-do-rj-durante-pandemia-04082020">confirmada pelo Plenário</a>, observou-se uma redução de 32,15% do índice de letalidade policial de 2020 em comparação com o ano de 2019.
Nada obstante, essa restrição às operações policiais não implicou um aumento minimamente significativo da criminalidade violenta, que se manteve nos mesmos padrões observados na série histórica. Logo, demonstra-se que, em certa medida, a crescente letalidade dos agentes de segurança do Estado pode ser mitigada por meio de medidas que envolvam algum tipo de restrição às operações policiais nas favelas, sem que isso implique prejuízos à pretendida redução nos índices de criminalidade<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a>.
Conclui-se, então, que a política de segurança pública adotada pelo estado do Rio nos últimos anos foi, ao menos em alguma medida, eficiente. Os gastos estatais vultosos – e crescentes – surtiram efeitos proporcionais sobre o índice de letalidade violenta civil, que experimentou queda proporcionalmente substancial durante o período analisado, de modo que a permanente sensação de insegurança compartilhada pela população fluminense certamente não tem nos índices de violência sua única e principal origem.
Porém, o custo dessa redução da letalidade civil envolveu não só as quantias financeiras bilionárias empenhadas anualmente pelo estado, como também um crescimento da letalidade policial a partir de 2013. Nesse cenário, o advento da ADPF 635 demonstrou ser possível desenvolver uma política de segurança pública a partir da qual a eficiência numérica observada na redução da criminalidade se mantenha sem que, para isso, os moradores das favelas – majoritariamente negros – sofram com a crescente violência policial, que remete, inequivocamente, à violação de uma série de direitos fundamentais. É preciso, portanto, (re)pensar a política de segurança pública adotada para que a promoção desse direito fundamental não venha associada à supressão de outros igualmente relevantes.
<hr />
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Esse índice abrange os crimes de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte (letalidade civil) e os homicídios por intervenção policial (letalidade policial).
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Anteriormente à análise, os gastos anuais foram trazidos para valores presentes, corrigindo-os de acordo com o IPCA, de modo a evitar distorções.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> Para a obtenção desses resultados, colheram-se os dados nos referidos portais, organizando-os em planilhas do Microsoft Excel a partir das quais foram calculados os percentuais de variação apresentados no texto.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> Para maior detalhamento a respeito dos impactos gerados pelo advento da ADPF 635, ver: &lt;<a href="https://bit.ly/3eXWC5r">https://bit.ly/3eXWC5r</a>&gt;. Acesso em 04 Mai. 2021.

policiais favela

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JOTA

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