Vivian Ferreira

Segundo se noticiou no dia 10.01.2019,<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a> o governo Bolsonaro estaria preparando um indulto para beneficiar pessoas condenadas ou submetidas a medidas de segurança que sofram de doenças graves ou se encontrem em estado terminal.
O indulto, atribuição exclusiva do Presidente da República (art. 84, XII, da Constituição Federal de 1988), é causa de extinção da punibilidade (art. 107, II do Código Penal), encerrando o cumprimento da pena de um grupo de pessoas condenadas, desde que preencham os requisitos do decreto presidencial. Tais requisitos, geralmente, são vinculados ao tempo de pena já cumprido e à ausência ou não de reincidência no crime.
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A possibilidade de concessão de indulto pelo atual governo representaria, de alguma forma, mais um recuo em relação às declarações feitas em campanha pelo então candidato, Jair Bolsonaro, que em diversas oportunidades se manifestou aberta e claramente contra a concessão de qualquer perdão a cidadãos presos.
Todavia, o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, já declarou que a política do atual governo deve ser mais restritiva quanto aos indultos que, para ele, eram antes excessivamente generosos. Talvez justamente por isso a equipe do governo tenha deixado claro que os condenados por corrupção não devem ser contemplados pela medida em elaboração.
A proposta de edição de um indulto com viés humanitário – que beneficiaria não todos os condenados, mas apenas aqueles gravemente enfermos –, mas que exclui expressamente apenas os condenados por crimes de corrupção, deve ser compreendida em seu contexto.
Embora, entre nós, o indulto costume ser concedido à época das comemorações de Natal, em 2018 o decreto não foi editado, pela primeira vez em 30 anos. Isso porque o decreto de indulto natalino do ano anterior – editado por Temer no final de 2017 – tornou-se alvo de grande polêmica. Ele foi considerado muito brando, o que levou a procuradora geral da República, Raquel Dodge, a pedir a suspensão dos seus efeitos junto ao STF (ADI 5874). Para a PGR, o decreto de 2017 seria causa de impunidade, ao favorecer alguns dos condenados por crimes como os apurados no âmbito da Operação Lava Jato e de outras operações de combate à corrupção sistêmica.
Cautelarmente, a então presidente do STF, Min. Carmen Lúcia, suspendeu parte dos dispositivos do decreto, mas a maioria dos Ministros já votou a favor da improcedência da ADI e, portanto, pela manutenção do decreto de indulto de Temer em sua integralidade. A questão despertou no Supremo uma interessante discussão sobre a divisão de Poderes e sobre os limites da discricionariedade do Presidente da República, mas o decreto segue parcialmente suspenso e a ADI ainda sem resolução final, em razão de um pedido de vista formulado pelo Relator, Min. Dias Toffoli.
Diante de toda essa polêmica, a dúvida agora recai sobre os critérios que serão utilizados pelo governo para a concessão do novo indulto humanitário. Com base em quais razões, juridicamente válidas, seria possível distinguir presos doentes condenados por corrupção daqueles condenados por tantos outros crimes – homicídio, estelionato, roubo etc.?
Não se coloca em dúvida, evidentemente, a importância do combate à corrupção em todas as suas manifestações. Ela é causa de injustiças e ineficiências de toda sorte, além de minar a confiança da população nas instituições e de ameaçar o bom funcionamento da democracia. O combate à corrupção tem dominado os debates públicos e tem sido mencionado como prioridade pelas autoridades eleitas, em que pesem os indícios de favorecimento indevido que seguem sendo noticiados em praticamente todas as esferas Administração Pública.
Do ponto de vista político, faz todo o sentido que se procure encontrar um meio termo para conceder o indulto – que talvez possa ajudar o governo a aliviar a superpopulação carcerária, a manter sob controle facções criminosas descontentes e, até mesmo, a desviar-se de críticas da oposição quanto ao tratamento dado à questão carcerária –, mas sem provocar o descontentamento de uma população de eleitores que, depois de anos assistindo à impunidade dos crimes de colarinho branco, regozija-se com a repercussão atual da Operação Lava Jato.
Já do ponto de vista jurídico, uma tal distinção tem mais dificuldade em se sustentar, uma vez que, fundamentalmente, não parece existir qualquer diferença juridicamente relevante entre o condenado por crime corrupção e o condenado por estelionato ou roubo, por exemplo. E, nesse sentido, negar apenas ao primeiro um indulto com viés declaradamente humanitário significa, ao fim e ao cabo, negar-lhe, em parte, a humanidade.
De fato, embora não seja um crime hediondo, a corrupção é considerada um crime grave e está intimamente ligada a um forte estigma moral, de raízes religiosas – o termo em si é historicamente vinculado ao mal e à punição pelo pecado capital, tendo sido assim tratada por Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. O corrupto é frequentemente visto como alguém com um grave e insanável defeito de caráter.
Ocorre que o Estado Democrático de Direito em que vivemos, sob a égide da Constituição de 1988, apenas autoriza o Estado a punir as condutas contrárias à lei, nunca possíveis defeitos de caráter ou imoralidades. Condenar o ato criminoso, e não o sujeito em si, por sua personalidade ou natureza, é a única garantia que temos, enquanto sociedade, de que todos sejam tratados de maneira igualitária, sem abrir espaço para o arbítrio.
Assim, ainda que haja um amplo campo de discricionariedade na fixação dos critérios para a concessão de indulto, o decreto presidencial, como qualquer ato administrativo, está sujeito a controle de legalidade, inclusive quanto à ocorrência de eventuais desvios de finalidade e inexistência de motivos. Poderá, portanto, ser objeto de questionamento judicial caso não apresente motivos legais razoáveis, objetivos e impessoais para tratar desigualmente sujeitos em situação jurídica idêntica.
Em um contexto no qual os discursos moralistas florescem a olhos vistos, a pretensão de condenar os corruptos à danação eterna não surpreende. É o fetiche da moralização da coisa pública, custe o que custar – mesmo que o maior sacrificado seja o Estado de Direito. O corrupto é a Geni da vez. Mas, sem uma reforma política estrutural, ao que parece, seguimos jogando pedra na Geni, sem nenhuma perspectiva real de redenção.
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a>Matéria disponível em: &lt;<a href="https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/governo-prepara-indulto-humanitario-a-presos-excluindo-condenados-por-corrupcao.shtml">https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/governo-prepara-indulto-humanitario-a-presos-excluindo-condenados-por-corrupcao.shtml</a>&gt;, acesso em 10.01.2019.
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diplom06

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JOTA

Proposta de indulto com viés humanitário, mas que exclui condenados por corrupção, deve ser compreendida em seu contexto

Indulto e corrupção: a Geni da vez

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