João Otávio Bacchi Gutinieki

José Augusto Medeiros

Na última terça-feira (12), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/camara-dos-deputados">Câmara dos Deputados</a> aprovou o <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2190209">PL 11275/2018</a>, que altera a Lei de Defesa da Concorrência (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm">Lei 12.529/11</a>). O principal mote do projeto é fomentar a propositura de ações de reparação por danos concorrenciais (ARDC), ainda pouco expressivas no Brasil. Para o Cade, a alteração normativa “inaugura um novo sistema privado de concorrência no Brasil, concedendo segurança jurídica a temas que há anos encontram-se indefinidos nos tribunais”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Assim como ocorreu com diversas outras áreas do direito, a disciplina jurídica da concorrência bebeu de fontes estrangeiras, em especial a norte-americana<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Esta influência consolidou-se na década de 1990, quando o sistema nacional passou a se adequar com mais ênfase às regras internacionais, alterando não apenas a organização administrativa, mas, também, a lógica legislativa e os consequentes efeitos desse movimento na esfera privada dos agentes de mercado.
Um dos efeitos desta reestruturação é o fortalecimento da previsão da reparação dos danos resultantes de práticas anticoncorrenciais, conhecido internacionalmente por private enforcement, ou seja, a persecução privada do direito da concorrência. De modo geral, o artifício concede ao prejudicado o direito de ação para requerer judicialmente indenização por danos concorrenciais suportados em decorrência de cartelização.
O assunto, vale dizer, não é novo na legislação nacional. O seu fundamento pode ser encontrado tanto no Código Civil, via responsabilidade civil pelo ato ilícito, como também – e de modo expresso – na Lei de Defesa da Concorrência (art. 47). A despeito desta base legal, as ARDCs vêm sofrendo obstáculos para serem efetivas no âmbito do Poder Judiciário, mesmo com as diversas condenações e acordos firmados pelo Cade, no âmbito administrativo, nas últimas duas décadas.
Entre os motivos para esta inefetividade, destacam-se a interpretação dos prazos prescricionais do Código Civil e a dificuldade de prova do dano causado. A incerteza acerca do prazo prescricional advém sobremaneira dos gaps legislativos, que deixam de abordar com clareza o tema. O quadro se torna ainda mais crítico quando a demanda reparatória tem por origem um caso encerrado por Termo de Compromisso de Cessação de Conduta (TCC). Muito embora essa modalidade de acordo ajude a resolver a pendência concorrencial investigada antes mesmo de uma eventual condenação pela autoridade, a redação neutra dos clausulados atrapalha na imputação de culpa, enquanto que a indefinição acerca do momento da “ciência inequívoca” do ilícito obstaculiza o cálculo da prescrição.
O mesmo pode ser dito acerca do impasse que os prejudicados enfrentam para fazer a prova do dano sofrido, ou seja, apurar a dimensão do dano. A legislação brasileira, mais especificamente o artigo 944 do Código Civil, não permite que a ação de reparação ultrapassasse o montante das perdas sofridas. Logo, a complexidade pericial para se calcular o dano (diversidade de teorias aplicáveis) e a sistematicidade normativa emprestam um caráter de aventura judicial para estas ações, em especial para prejudicados de menor porte, cujas perdas usualmente são de baixa expressão econômica e mais difíceis de ser apuradas. Muitas vezes, mesmo tendo como base um ilícito confessado perante a autoridade administrativa, o risco com eventual insucesso é alto.
O PL 11275/2018 tenciona mitigar esses pontos e alavancar as ações de indenização por condutas anticoncorrenciais. Iniciado há mais de seis anos com o PLS 283/2016, de autoria do então senador Aécio Neves (PSDB-MG), o PL 11275/2018 foi aprovado pela CCJ da Câmara sob a relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Como nenhuma emenda foi apresentada na tramitação, a tendência é que, com a aprovação em caráter terminativo, o projeto siga para sanção presidencial.
Como ferramenta para o fomento de ações reparatórias, o PL traz o dever de indenizar os danos em dobro, prevendo, porém, que tal punição seja afastada daqueles investigados que celebraram acordo com o Cade. O texto do PL também arrola uma melhor definição do prazo prescricional, que passa a ser de cinco anos a partir do julgamento final do processo administrativo, e faz interessantes definições processuais acerca da aplicabilidade da tutela de evidência às ARDCs.
Há ainda a imposição de submeter as demandas reparatórias à arbitragem caso o investigado firme um TCC junto ao Cade, o que dá ao prejudicado um caminho que pode ser mais técnico, em razão da complexidade jurídica e econômica das matérias, e, ao mesmo tempo, ágil, haja vista tirar a demanda do Judiciário.
De outro lado, o projeto também cria barreira à utilização do pass-on defense, isto é, a alegação de que o dano foi repassado adiante na cadeia produtiva. A partir de agora, as companhias investigadas têm o dever de demonstrar que o eventual prejuízo por elas causado foi repassado, não podendo existir a presunção.
Ao que tudo indica, no entanto, o esforço empenhado pode não ser suficiente para erradicar as adversidades inerentes à realização do private enforcement. As definições nele contidas serão alvo de justificadas críticas, particularmente pelo caráter punitivo da indenização em dobro, que não tem guarida no sistema brasileiro de responsabilidade civil, que veda o enriquecimento sem causa.
Além disso, o projeto poderia ter ido além, presumindo porcentagens de sobrepreço para casos de cartel, o que facilitaria na prova do dano e na própria decisão judicial. É o que têm feito diversos países da União Europeia, a exemplo de Lituânia e Hungria, em que há presunção relativa de 10% de sobrepreço, e da Romênia, onde a presunção é de 20%<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Na mesma linha, o texto poderia ter disposto de medidas de processo coletivo para facilitar o acesso dos consumidores à reparação por eventuais danos sofridos, efetivando o acesso à Justiça.
Entretanto, é inegável que se trata de uma inovação jurídica que pode contribuir para uma maior discussão e efetividade do private enforcement no Brasil. Será este o nosso novo caminho?
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Câmara cria incentivos para acordos de leniência no CADE. Folha de São Paulo. 13 de julho de 2022. Disponível em: &lt;<a href="https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/07/camara-cria-incentivo-para-acordos-de-leniencia-no-cade.shtml">https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/07/camara-cria-incentivo-para-acordos-de-leniencia-no-cade.shtml</a>&gt;
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Acerca do movimento do antitruste nos países subdesenvolvidos, ver: WAKED, Dina. Adoption of Antitrust Laws in Developing Countries: Reasons and Challenges. Journal of Law, Economics and Policy, Vol. 12, No. 2, 2016. Disponível em: &lt;https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2816008&gt;. DE LEÓN, Ignácio. Latin American Competition Policy: From Nirvana Antitrust Policy to Reality-Based Institutional Competition Building. Chicago-Kent Law Review, vol. 83, 2008. Disponível em &lt; https://scholarship.kentlaw.iit.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3649&amp;context=cklawreview&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Cf. o relatório da Comissão Europeia acerca da aplicação da Diretiva dos Danos, de 14 de dezembro de 2020. Disponível em &lt; <a href="https://ec.europa.eu/competition/antitrust/actionsdamages/report_on_damages_directive_implementation.pdf">https://ec.europa.eu/competition/antitrust/actionsdamages/report_on_damages_directive_implementation.pdf</a>&gt;.

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JOTA

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