Calixto Salomão Filho
Professor Titular da Faculdade de Direito da USP e consultor das vítimas no caso de Mariana na Inglaterra.
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido da inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Intelectual representa o reconhecimento da necessidade de o Brasil se alinhar ao cenário internacional e dar às patentes a proporção que elas devem ter, não um prazo exagerado e indeterminado como vinha sendo aplicado até agora. É uma decisão importante para reconhecer que o Brasil passa agora a adotar regras do Trips, e não conter uma regra ‘Trips Plus’, que ia além do Trips e dava uma extensão indevida às patentes.
Mais do que isso. O STF solucionou um problema constitucional grave, já que o parágrafo único do artigo 40, ao permitir a extensão automática, criava uma indeterminação no prazo da patente, totalmente incompatível com o artigo 5º, inciso XXIX CF que para elas estabelece prazo determinado. Referido dispositivo refere-se às patentes como “um privilégio temporário”. Qualquer indeterminação afeta a temporariedade, tornando portanto o dispositivo inconstitucional.
Falta uma parte do julgamento a ser concluído nesta semana, a respeito de eventual modulação dos efeitos da decisão. Questão bastante relevante do ponto de vista prático, implica decidir se os efeitos vão vigorar só a partir de agora, para novos depósitos de pedidos de patentes, ou se aplicam-se a depósitos já feitos e patentes já concedidas, que são a grande maioria - medicamentos contra hepatite C, contra câncer e até os que vem sendo utilizados para tratar alguns sintomas e sequelas de Covid 19.
A esse respeito é bom observar de início que do ponto de vista jurídico, inconstitucionalidade é inconstitucionalidade, não há inconstitucionalidade para uns e não para outros e também não há inconstitucionalidade só a partir de um determinado momento. Do ponto de vista econômico-social é fato que os medicamentos são bens essenciais, portanto em relação a eles a questão do monopólio, da exclusividade, da extensão das patentes é mais prejudicial, afeta mais pessoas com necessidades essenciais (vida, saúde).
Observe-se também que aplicar a Constituição de forma plena, reconhecendo que a inconstitucionalidade afeta tanto as patentes concedidas como a conceder é fator de segurança jurídica. Em primeiro lugar, é isonômico, norma clara e de fácil aplicação. Mas para além disso garante que todas as patentes tem agora um prazo determinado e não indeterminado como ocorria na vigência do parágrafo único do artigo 40. Trata-se portanto de decisão que gera segurança e não insegurança jurídica.
Resta então apenas avaliar os efeitos econômicos e sociais das duas alternativas (com e sem modulação), tarefa tantas vezes empreendida em julgamentos do STF. Quanto às consequências econômicas, parece possível dizer com segurança que o artigo 40 caput (o que prevê 20 anos de proteção a partir do registro) já é garantia suficiente ao inventor.
O parágrafo único do mesmo artigo, declarado inconstitucional, era uma extensão sem par no mundo que no mínimo não gerava mais segurança econômica e no máximo incentivava o comportamento abusivo de postulantes a patentes. Assim nada há a temer do ponto de vista econômico com a inconstitucionalidade plena (não modulada).
Finalmente, os efeitos sociais, apesar de mais visíveis e incontestáveis, com frequência e infelizmente ficam à sombra dos efeitos jurídicos e econômicos. No caso dos fármacos, essa submissão da esfera social é ainda mais grave por envolver direitos fundamentais, como o direito à vida e à saúde, garantidos pelos artigo 5º e 6º da Constituição Federal. E é bom lembrar que por trás dos direitos fundamentais, há sempre um ser humano, um paciente que está precisando de um remédio do SUS e o SUS não consegue oferecer (ao menos não em quantidade suficiente), por dever pagar um sobrepreço de monopólio por produtos com patentes aqui reconhecidas mas já expiradas no mundo todo. Se a decisão for modulada para atingir apenas pedidos de patentes de fármacos depositadas a partir de agora, continuará a carência desses bens essenciais (ou outros que não poderão ser adquiridos por se pagar sobrepreço por esses remédios beneficiados pela extensão das patentes) para o sistema público. O elemento humano concreto envolvido na discussão deve sempre estar em nossas mentes pois vida e saúde humana, como sabemos, não admitem modulação.