Audiovisual

Incentivos fiscais e audiovisual brasileiro: rebate, originais e incentivados

Estudo aponta que aumento de incentivos do governo federal renderia efeitos positivos em toda a economia do país

26/09/2024|05:15
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Crédito: Unsplash

O mercado audiovisual se destaca por sua notável capacidade de impacto econômico, impulsionando a inovação, a criação de empregos e o intercâmbio cultural em diversos setores.

Ao longo dos anos, a indústria do audiovisual passou por transformações significativas e, hoje, é um dos principais meios de exportação cultural e geração de renda, seja por meio de produções por empresas locais, originais das plataformas e independentes que têm ganhado destaque e reconhecimento global, como também produções internacionais produzidas em território nacional que atraem investimento estrangeiro.

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Mensurando o tamanho dessa indústria no Brasil, segundo estudo realizado em 2019 pela Motion Pictures Association (MPA) em parceria com a Oxford Economics, o impacto direto do audiovisual na economia brasileira é de R$ 24,5 bilhões. Quando se consideram os impactos indiretos e induzidos, a contribuição total ao PIB chega a R$ 55,8 bilhões. A indústria é também um contribuinte massivo, gerando diretamente R$ 3,4 bilhões à arrecadação de tributos e, ao somar os tributos indiretos e induzidos, o total atinge R$ 7,7 bilhões anuais.

Em termos de empregos gerados, os números são igualmente superlativos: 657 mil empregos diretos, indiretos e induzidos, ou 126,6 mil contando-se apenas a geração direta. A contribuição do setor também passa pela balança comercial brasileira. Em 2019, as exportações do audiovisual registraram um superávit de R$ 901 milhões, o valor equivale a quase um terço de todas as exportações da indústria de transporte aéreo.

Dessa forma, o estudo mostra o forte impacto multiplicador do mercado audiovisual. Para cada R$ 10 de valor adicionado diretamente pelo audiovisual, outros R$ 13 são adicionados pela cadeia, o que significa um fator multiplicador de 2,3 vezes no PIB e 5,2 vezes no emprego.

O estudo “O impacto econômico do audiovisual na América Latina”, encomendado pela Netflix à Deloitte e divulgado durante o Rio2C em 2023, aponta que o Brasil investiu em 2021 cerca de R$ 52,1 bilhões em produções de conteúdo. O documento demonstra, portanto, o crescente investimento em produção local. Ainda segundo essa análise, os títulos originais aumentaram consideravelmente nos últimos anos, o que retrata o crescente interesse da indústria em continuar investindo no Brasil.

A importância dos mecanismos de incentivo

Nos últimos anos, houve um aumento significativo em iniciativas setoriais positivas, impulsionadas por investimentos públicos e privados. Esse crescimento é particularmente evidente no segmento de Video on Demand, onde há uma previsão de aumento nos gastos com conteúdo, especialmente em regiões emergentes como o eixo latino-americano.

Isto posto, no que tange à atração de investimento estrangeiro, segundo estudo recentemente publicado pela Olsberg SPI[1], a adoção de uma estrutura robusta de incentivos federais é o elemento que falta para catalisar o desenvolvimento do setor. Nesse sentido, destacam-se algumas iniciativas em discussão no Congresso Nacional, à exemplo do cash rebate e film commission, os quais poderiam aumentar significativamente o investimento com produção e, consequentemente, impactar positivamente direta e indiretamente diversos setores da economia brasileira.

Tais mecanismos de incentivo ao investimento estrangeiro já vêm sendo aplicados com grande êxito por diversos países, mas caminha lentamente no Brasil. O tema ainda é desconhecido pelo Congresso, mas já se encontra em discussões iniciais tomando como referência exemplos internacionais de Estados Unidos, República Dominicana e Colômbia, que já possuem mecanismos estruturados e excelentes resultados.

Mecanismos como cash rebate concedem créditos financeiros para produções audiovisuais realizadas no país, desde que certos critérios sejam atendidos. Em outras palavras, as empresas que optam por produzir conteúdos audiovisuais em países ou regiões que oferecem esses incentivos recebem de volta uma parte dos valores investidos, conhecida como "rebate", o que reduz os custos e torna a produção mais acessível.

Já os film commissions ou Comissão Nacional de Cinema são organizações dedicadas a promover e facilitar a produção audiovisual em uma determinada região ou cidade. Elas desempenham um papel fundamental no apoio às produções cinematográficas e televisivas, oferecendo uma variedade de serviços para atrair e apoiar projetos de filmagem, podendo também, administrar o incentivo de cash rebate.

As film commissions são essenciais para o desenvolvimento da indústria audiovisual, contribuindo não apenas para o setor de entretenimento, mas também para o turismo, uma vez que fomenta o turismo cinematográfico, quando pessoas visitam locais onde as produções ocorrem. No Brasil, alguns estados já possuem sua estrutura própria de film commission, como RioFilme e SPCine, mas ainda não há uma organização a nível federal.

Sob essa perspectiva, o estudo da Olsberg SPI projeta um crescimento significativo no setor de produção audiovisual do Brasil até 2030, condicionado ao valor dos incentivos financeiros oferecidos pelo governo. Segundo as estimativas, com um incentivo de US$ 25 milhões, os gastos no setor poderiam atingir US$ 0,73 bilhão (R$ 3,65 bilhões). Se o incentivo aumentar para US$ 100 milhões, os gastos podem chegar a US$ 1,03 bilhão (R$ 5,15 bilhões).

Além disso, entre 2024 e 2030, se o governo implementasse um incentivo federal ilimitado, poderia impulsionar gastos totais de US$ 17,05 bilhões (R$ 85,24 bilhões) em diferentes bens e serviços na economia brasileira. Em 2030, os gastos totais anuais no setor de produção audiovisual poderiam alcançar US$ 3,62 bilhões (R$ 18,08 bilhões), representando um aumento de 200% em relação aos níveis de 2021.

Desse montante total, US$ 1,42 bilhão (R$ 7,1 bilhões) seria diretamente atribuído aos gastos com a produção audiovisual em si, destacando o impacto direto e significativo que esses incentivos teriam no setor. Em resumo, o estudo indica que o aumento dos incentivos pode desencadear um crescimento exponencial no setor audiovisual do Brasil, com efeitos positivos em toda a economia.

Ressalta-se, entretanto, que esse incentivo na forma de rebate se difere dos incentivos fiscais concedidos às produções nacionais nos termos da Lei do Audiovisual, uma vez que tal mecanismo não visa à produção de obras nacionais, mas busca a atração de investimentos estrangeiros para a produção de obras audiovisuais internacionais em território nacional.

Todavia, ainda que o foco do incentivo seja a atração da produção estrangeira, os programas de cash rebate fomentam também a indústria local que pode ser impulsionada por políticas públicas atreladas a esses programas, como a de qualificação de mão de obra brasileira e a utilização de serviços e fornecedores locais, o que gera empregos e movimenta a economia local.

Nesse sentido, é possível combinar estratégias para desenvolver não apenas o audiovisual nacional por meio de produções incentivadas, como também produções brasileiras originais e internacionais.

É notável a potência dos mecanismos de incentivo à produção nacional independente, ainda que os valores limites vigentes na Lei 8.685/93 não sejam mais compatíveis com os preços praticados pelo mercado, uma vez que esses não são atualizados desde 1993.

De acordo com o OCA (Observatório do Cinema e do Audiovisual), coordenação da Ancine responsável pelos dados e análises técnicas do mercado audiovisual brasileiro, em 2011 o mecanismo de patrocínio da lei (art 1-A) era a principal fonte de financiamento do setor, injetando R$ 76,6 milhões nas produções, enquanto os mecanismos de coprodução (arts 3º e 3º - A) foram responsáveis, somados, por apenas R$ 44,7 milhões.

No entanto, já em 2022, enquanto o art. 1º A sofreu uma queda, o mecanismo do art 3º foi responsável por R$ 58,9 milhões e o art. 3-A por R$ 178,6 milhões. [2]

Além disso, são pungentes os crescentes investimentos privados em produções originais, ou seja, produções realizadas em parceria com produtoras brasileiras por meio de investimento privado. Cenário esse que segue uma tendência global do setor, o qual se tornou particularmente significativo após 2016, quando o país enfrentou um período de recessão econômica prolongada, com a redução do financiamento público para produções audiovisuais.

Segundo relatório da Ampere Analysis, a previsão era que o investimento dos streamings em conteúdo original ultrapassaria US$ 26 bilhões (R$ 136 bilhões) em 2023, constituindo mais de um quarto do total de gastos com conteúdo original em todo o mundo. A exemplo disso, recentemente, a Netflix anunciou investimento de R$ 1 bilhão em produções no Brasil nos anos de 2023 e 2024, o maior investimento já feito no país.

Isto posto, é imprescindível que o Brasil continue fomentando os mecanismos de incentivo já existentes, mas também crie novos modelos de incentivo, não apenas para produções independentes mas também originais e internacionais, pois são modelos de produção audiovisual positivos para o país.

O estudo da Olsberg é particularmente significativo ao demonstrar a potencialidade da indústria audiovisual, que com incentivos estáveis pode atrair investimentos não apenas em produções, mas em distribuição, exibição e infraestrutura. Isso levaria a uma estratégia de regionalização, expandindo o eixo Rio-SP, promovendo a qualificação de mão de obra e ampliando a empregabilidade no país, bem como gerando circulação de renda e arrecadação de tributos.

Dessa forma, o Brasil teria potencial para se tornar um mercado intermediário caso um incentivo federal e estratégias de desenvolvimento setorial associadas fossem implementadas, equiparando-nos aos nossos vizinhos latinos cuja infraestrutura de incentivo ao setor audiovisual já ultrapassa a brasileira.


[1] SPI, O. Economic Impact Study for a New Federal Audiovisual Production Incentive in Brazil Economic Impact Study for a New Federal Audiovisual Production Incentive in Brazil. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://static1.squarespace.com/static/5f7708077cf66e15c7de89ee/t/66bdb64d31970756f507a0eb/1723709008345/Brazil+Incentive+Impact+Study+-+Final+Report+-+ENG+ONLINE+-+2024-08-15.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2024.

[2] https://www.gov.br/ancine/pt-br/oca/recursos-publicos/arquivos.pdf/valores-totais-captados-por-mecanismo-de-incentivo-2006-a-2022-1.pdflogo-jota

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