Joarez Souza Gonçalves Filho

A imunidade tributária trazida no artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal de 1988<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, garante que qualquer entidade de cunho religioso seja imune ao pagamento de impostos no Brasil. Imunidade essa que já havia sido instituída na Constituição de 1891<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, cujo artigo 11, §2°, vedava aos Estados e à União estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos.
José Guilherme<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> conceitua imunidade tributária como norma negativa de competência descrita na própria Constituição Federal, que traz situações que não podem ser objeto de tributação. Tem por escopo garantir direitos sociais e fundamentais, como liberdade religiosa, de expressão, o acesso à cultura e a democracia política.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
A imunidade tributária religiosa objetiva garantir a liberdade de crença e exaltar a igualdade entre ela, direito fundamental. Previsto no artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, segundo qual é inviolável a liberdade de consciência e de crença, bem como sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.
Para Gustavo Nunes<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, culto deve ter interpretação ampliativa, isto é, qualquer manifestação religiosa deve ser considerada, excluindo-se apenas aquelas cujo objetivo e prática são contrárias aos valores consagrados pela Constituição Federal de 1988, como a vida, as diversas liberdades, a dignidade da pessoa humana dentre outras. Culto é, então, toda expressão religiosa, enquanto o templo é geralmente empregado, no sentido religioso, para indicar o local em que se celebram cultos ou cerimônias religiosas.
Ricardo Alexandre<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> entende que o patrimônio das instituições religiosas abrange seus bens imóveis e móveis, desde que afetados a essas finalidades, o prédio onde se realiza o culto, o lugar da liturgia, o convento, a casa do padre ou do ministro, o cemitério, os veículos utilizados como templos móveis. Já a renda considerada imune é aquela que decorre da prática do culto religioso, compreendendo as doações dos fiéis bem como as consequentes de aplicações financeiras, pois estas visam a preservação do patrimônio da entidade.
Sabbag<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> leciona que a liberdade religiosa significa que o cidadão poderá professar a fé, no culto e templo que lhe aprouver, ou, ainda, não devotar preces à nenhuma religião em livre escolha. Para demonstrar a dimensão da liberdade religiosa no Brasil, utiliza-se de uma máxima, em paráfrase, com certa ironia: “Entre nós, brasileiros: crer ou não crer... eis a opção”.
<blockquote class="jota-article__eye">Destarte, podemos perceber que o texto constitucional é abrangente e visa assegurar a imunidade tributária para todo e qualquer templo denominado religioso, exatamente nos termos do objetivo fundamental descrito pelo artigo 3°, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, qual seja, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.</blockquote>
Atualmente há muitas religiões praticadas no Brasil, mas se destacam as católicas e evangélicas, cuja maior fatia da população brasileira é praticante. Como podemos observar na divulgação dos dados do Censo de 2010 pelo IBGE, 86,8% se declaram como cristãos (católicos e evangélicos) apesar de os dados terem sidos coletados há mais de 10 anos, esse percentual não sofreu expressivas alterações, como também divulgado Datafolha em dezembro de 2019<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, quando apontam que caíram apenas 7 pontos percentuais ficando em 81%.
Alberto Antoniazzi<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> afirma que o catolicismo durante muitos anos fora maioria no Brasil, mas seu número de adeptos está reduzindo, enquanto as religiões evangélicas aumentam o número de praticantes. Por outro lado, dados das mesmas pesquisas apontam que apenas 0,31% (IBGE) e 2% (Datafolha) dos entrevistados se declararam praticantes de umbanda e do candomblé, mas esse número está mascarado pelo preconceito e pela discriminação, pois pessoas omitem essa informação ou preferência com receio de represálias, intolerância e até mesmo violência pessoal.
Alan Rios escreveu uma pesquisa baseada em dados levantados por delegacia especializada no Distrito Federal, segundo a qual 59,42% dos crimes de intolerância, somando todas as religiões, têm como alvo praticantes de religiões de matriz africana. Para os especialistas, tais números evidenciam o preconceito contra seguidores da umbanda e do candomblé<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Na verdade, em nossa história, o ódio às religiões afrodescendentes foi uma política incentivada pelo Estado durante quase trezentos anos e elemento central da ideologia escravista, logo, integrante do debate entre senhores de engenho (branco) e os escravos (negro).
Como se não bastasse, o racismo também é evidenciado quando se trata do direito à imunidade tributária dos templos de qualquer culto, constitucionalmente concedido às diversas religiões existentes no país. Isso porque, na prática, a imunidade não é reconhecida historicamente para as religiões afro-brasileiras, principalmente em razão do preconceito arraigado na sociedade e o desconhecimento dos direitos por parte dos praticantes.
Nessa linha, a vereadora Olivia Santana<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a> argumenta que o preconceito é uma das maiores razões da recusa em se aceitar os terreiros como templos religiosos.  Entretanto, também aponta que muitas vezes falta estrutura jurídica para que os templos se constituam e cumpram os requisitos exigidos pelas legislações locais, como por exemplo, no caso do IPTU, em que são exigidas atas e estatutos registradas em cartório.
Nesse contexto, não há dúvidas de que as instituições públicas devem se abrir para que todos possam ter a mesma oportunidade de acesso, pois elas sempre estiveram afastadas das religiões de matriz africana.
Olívia Santana ainda afirma que as religiões como o candomblé são formadas por pessoas negras e de baixa renda, sem instrumentos legais necessários para obter informações e ter acesso ao aparato jurídico e advogados, como em outras religiões. E não se pode esquecer que essas religiões constituem a marca do povo brasileiro, com a sua afirmação de cidadania, mas ainda lidam com a carga do preconceito e do racismo, e carregam o peso do colonialismo e da escravidão.
Finalmente, os terreiros ou quaisquer outros locais onde são praticadas as religiões brasileiras de matriz africana apresentam problemáticas comuns que impedem a legislação de reconhecer o local como um espaço de culto. Exemplificativamente, em regra geral, as celebrações ocorrem nas casas onde os líderes religiosos habitam. Assim inexiste comprovação documental definindo aquele espaço como um espaço religioso.
No recurso extraordinário 562.351/RS<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a> de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski foi discutido o reconhecimento da imunidade tributária sobre templos de qualquer culto e, ao versar sobre a questão, o relator afirma que o texto constitucional em debate descrito no artigo 150, VI, b, deve ser entendido de forma restritiva. Assim, a imunidade tributária estaria limitada a lugares nos quais se ocorrem única e exclusivamente cultos religiosos. A afirmativa exclui direito dos templos de matriz africana que culturalmente são constituídos de forma adversa a esse entendimento restritivo.
Podemos observar até aqui que a imunidade tributária para os templos de matriz africana é constitucional e de direito, mas as legislações locais associada as definições de juristas impõem numerosas regras e burocracias, que facilmente são atendidas pelas instituições religiosas cristãs, mas que não se enquadram na cultura e modelo histórico que os templos de matriz africana são formados.
O grande desafio portanto, é lutar contra o preconceito, a discriminação racial, e os vieses que estão por trás das legislações locais, rompendo o silêncio e trazendo as religiões de matriz africana como beneficiárias da imunidade tributária na forma que historicamente são constituídas, para que incluam os modelos institucionais que garantam e promovam a construção de espaços de reconhecimento, diferentemente do que requerem as demais religiões e reconhecendo-as como parte do patrimônio histórico-cultural brasileiro.
<div id="sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6', 'UA-53687336-1').createForm();</script>
<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: &lt;http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm&gt;. Acesso em: 26/06/2021
<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> BRASIL. Constituição (1891). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Disponível em: &lt;http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm&gt;. Acesso em 26/06/2021.
<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> GOUVÊA, José Guilherme de Bem. Imunidade tributária: tudo que você precisa saber sobre o assunto. Disponível em: &lt;https://www.aurum.com.br/blog/imunidade-tributaria/&gt;, acessado em 28/06/2021
<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> PEREIRA, Gustavo Numes (2010). Imunidade Tributaria de Templos de Qualquer Culto e Religiões Afro-Brasileiras. 62f. Monografia Faculdade de Direito e Relações Internacionais, Universidade Federal da Grande Dourados.
<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 9. ed., atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015
<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> SABBAG, Eduardo; Manual de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Disponível em: &lt;https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml&gt;. Acessado em 05/07/2021
<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> ANTONIAZZI, Alberto. (2003): “As Religiões no Brasil Segundo o Censo de 2000”. Revista de Estudos da Religião, São Paulo, nº 2
<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2019/11/11/interna_cidadesdf,805394/religioes-de-matriz-africana-alvos-de-59-dos-crimes-de-intolerancia.shtml
<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> SANTANA, Olivia (2018). Isenção de IPTU para todas as religiões. Disponível em: &lt;http://www.palmares.gov.br/?p=3267&gt;. Acessado em 30/06/2021
<a href="applewebdata://9621A4D8-B7CD-48FF-AFE3-04C53ED3B7EE#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Disponível em: &lt;https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22869325/recurso-extraordinario-re-562351-rs-stf/inteiro-teor-111144567&gt;. Acessado em 06/07/2021.

templo de salomao

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Vieses que excluem o direito dos templos brasileiros de matriz africana

Imunidade tributária nos templos religiosos

Vieses que excluem o direito dos templos brasileiros de matriz africana