Francisco Gaiga

Passado o período de conturbações políticas em Brasília, era de se esperar da capital federal sinais de cautela, estabilidade, segurança jurídica e planejamento. O primeiro julgamento do ano no Supremo Tribunal Federal (STF) com relevância em temas tributários foi por outro caminho, com efeitos sobre a racionalidade econômica e a iniciativa privada. Na última quarta-feira (8/2), os 11 ministros da corte encerraram a análise de dois recursos da União e <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/coisa-julgada-stf-nega-modulacao-e-contribuintes-devem-recolher-csll-desde-2007-08022023">produziram uma decisão que provoca reviravolta no princípio da coisa julgada</a>. Ou seja, o que era definitivo já não é mais, e o alvo da vez é o caixa das empresas.
Os magistrados definiram que um contribuinte que tenha obtido decisão judicial com trânsito em julgado permitindo o não recolhimento de um tributo perde automaticamente o seu direito diante de entendimento posterior do STF que considere o imposto constitucional. Assim, uma garantia antes imutável deixa de existir de uma hora para a outra sem mesmo a necessidade de a União ajuizar ação revisional ou rescisória, que poderia ser aceita ou não pela Justiça. A mudança de entendimento valerá para situações em que a corte considerar legal tributo cobrado de modo continuado em ações que valem para todos ou acatar recurso extraordinário em ação individual com repercussão geral reconhecida.
Os recursos extraordinários da União dizem respeito à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/csll">CSLL</a>). Em 1992, duas indústrias, uma petroquímica e outra têxtil, conquistaram nos tribunais o reconhecimento da inconstitucionalidade do tributo instituído pela Lei 7.689, de 1988. A Justiça entendeu à época que a legislação havia sido criada sem respeitar os trâmites necessários (existência de lei complementar prévia e respeito ao princípio da anterioridade, que assegura a arrecadação apenas no exercício financeiro seguinte) e suspendeu o recolhimento para as companhias.
Sentenças semelhantes foram dadas em outros casos. Eram decisões definitivas, um conceito fundamental no direito para que as partes envolvidas em um processo, após a sentença final, sigam em frente sem carregar pendências. Mais de uma década depois, em 2007, o STF declarou a CSLL constitucional, abrindo espaço para sua cobrança. Agora, o plenário liberou o fisco a lançar o tributo para qualquer empresa, independentemente de a companhia ter em mãos uma decisão transitada em julgado que tenha afastado um tributo – qualquer tributo e não apenas a CSLL. E isso pode ser feito de forma automática.
Conscientes do tamanho da guinada, alguns ministros defenderam a modulação do novo entendimento, instrumento que nada mais é do que a atenuação dos seus reflexos negativos imediatos. Para essa ala, a decisão só poderia produzir efeito a partir da publicação da ata do presente julgamento. Ou seja, os contribuintes atingidos precisariam recolher os tributos apenas daqui para frente. A maioria, entretanto, entendeu que a cobrança poderá ser retroativa. No caso específico da CSLL, por exemplo, a contribuição é considerada constitucional desde 2007 e tem alíquota de 9%. Por fim, será preciso respeitar as anterioridades anual e nonagesimal (prazo de 90 dias) para a cobrança começar a valer.
A tese que norteou o julgamento foi a defesa da livre concorrência com isonomia tributária entre os contribuintes. Não há dúvida de que se trata de sólido argumento, mas que se choca com o princípio da segurança jurídica, que é a imutabilidade de situações definidas pelo Judiciário. Ao obter uma sentença definitiva em termos tributários, uma empresa refaz seu planejamento estratégico e cálculos financeiros de curto, médio e logo prazos. A não incidência definitiva de um imposto influencia decisões sobre investimentos, ampliação da produção e de empregos, entre outras. Sem a proteção da<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/coisa-julgada"> coisa julgada</a>, tudo isso fica em xeque diante do imposto ioiô, que vai e volta.
Sob a sombra de eventual mudança de entendimento, uma companhia terá mais dificuldade de manter planejamento seguro e economicamente eficiente, uma vez que entra em um cenário de imprevisibilidade em que a cautela, o freio nos negócios e a mitigação de riscos passam a ser a regra. E a incerteza, como já deveria ter sido aprendido no Brasil, tem custo. Não é preciso escrever muito mais para dizer quem vai pagar essa conta.

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JOTA

O que era definitivo já não é mais, e o alvo da vez é o caixa das companhias

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