Felipe Recondo

Já era madrugada de sexta quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, disse que as portas da Corte não estavam fechadas se o governo quisesse contestar a tipificação do crime de responsabilidade imputado à presidente Dilma Rousseff e que dá base ao processo de impeachment.
Mas pode o Supremo reverter o julgamento do Senado? Podem os 11 ministros do Supremo dizer que pedaladas fiscais ou a edição de decretos em descumprimento à Lei de Diretrizes Orçamentárias não configuram crime de responsabilidade? Tem legitimidade a Corte para anular o juízo do Congresso de que a presidente deveria ser afastada do cargo pelos fatos a ela atribuídos?
Um dos integrantes do Supremo disse recentemente em caráter reservado que o Supremo não discutirá se houve ou não crime de responsabilidade. Esse juízo cabe ao Congresso, enfatizou este ministro. Só interveria o Supremo se os fatos tidos como criminosos fossem extravagantes. E este ministro deu um exemplo: “se dissessem que Dilma cometeu crime de responsabilidade porque usou um vestido de bolinhas, aí o Supremo poderia intervir”.
A acusação de crime de responsabilidade pela prática reiterada de pedaladas fiscais e pela autorização para créditos suplementares sem autorização do Congresso, por mais que gere controversas jurídicas, não se enquadram no exemplo absurdo que este ministro apontou. Não são, enfim, um mero vestido de bolinhas.
A hipótese mencionada por este ministro revela que o Supremo, majoritariamente, professa o entendimento de que o juízo feito pelos senadores sobre a conduta atribuída à presidente é imune a decisões do tribunal. Se os fatos comportam visões distintas – e ambas defensáveis -, não cabe à Corte Suprema interferir.
Esta mesma convicção foi publicamente revelada por outro ministro. Em decisão monocrática na sexta-feira, apenas horas depois da declaração de Lewandowski, o ministro Edson Fachin afirmou ser “prerrogativa exclusiva do Parlamento” julgar se houve crime de responsabilidade e não competir ao STF interferir nessa decisão.
"Não cabe a esta Suprema Corte sobrepor o seu juízo sobre a configuração ou não de crime de responsabilidade dos atos de execução orçamentária praticados pela Presidente da República, ao juízo a ser formulado pelo Parlamento", afirmou o ministro na decisão em que negou pedido do senador Telmário Mota (PDT-RR) para suspender o processo de impeachment.
Excesso
A declaração do ministro Lewandowski não foi um excesso verbal, como o mais inocente dos observadores poderia pensar. Como também não foi um mero detalhe o que Lewandowski fez constar da ata do julgamento de quinta-feira do mandado de segurança impetrado pela Advocacia Geral da União contra o impeachment.
A AGU pediu ao Supremo que reconhecesse que a presidente Dilma teve cerceado seu direito de defesa por ter a comissão do impeachment incluído no relatório fatos estranhos à denúncia originalmente apresentada à Câmara.
O que o Supremo teria de responder? Se a presidente teve ou não o direito de defesa cerceado. Apenas isso. O relator do processo, ministro Edson Fachin, julgou que a comissão do impeachment respeitou o direito de defesa da presidente. Posição que prevaleceu no plenário.
Fachin acrescentou em seu voto: “Assento, nada obstante, e reitero, que a autorização advinda da votação havida na comissão especial é para o prosseguimento sob o teor da denúncia original, escoimando-se, para o efeito de apreciação ulterior em plenário da Câmara dos Deputados, o que for estranho ao 'vero e proprio' teor primeiro da denúncia.”
Isso significa que, no entendimento dos ministros, a partir do voto de Fachin, a Câmara deve analisar exclusivamente o que consta da denúncia apresentada pela advogada Janaína Paschoal e pelo advogado Miguel Reale Júnior.
Lewandowski fez este ponto constar da ata e adicionou: “Ao final do julgamento, submetida a questão ao Plenário, pelo Presidente, os Ministros presentes autorizaram que fosse consignado em ata que o objeto de deliberação pela Câmara estará restrito à denúncia recebida pelo Presidente daquela Casa, ou seja, i) ‘seis Decretos assinados pela denunciada no exercício financeiro de 2015 em desacordo com a LDO e, portanto, sem autorização do Congresso Nacional’ (fl. 17 do documento eletrônico nº 6) e ii) ‘reiteração da prática das chamadas pedaladas fiscais’ (fl. 19 do documento eletrônico nº 6)".
A inclusão deste ponto na ata soa como tentativa de restringir o juízo político-jurídico que os parlamentares farão da conduta da presidente. E é inútil que o tribunal tente controlar o que os senadores levarão em consideração quando tiverem de responder objetivamente se a presidente cometeu ou não crime de responsabilidade”.
A má condução da política econômica pela presidente Dilma, sua a inabilidade política, a relação desgastada com o Congresso, as suspeitas de que teria tentado interferir em investigações e o escândalo de corrupção da Lava Jato impregnam a consciência e, portanto, o voto dos parlamentares, a despeito de qualquer ata do STF.
Todos os erros cometidos pela presidente serão sintetizados na resposta que os senadores terão de dar à pergunta objetiva que lhes será feita caso o impeachment seja aberto amanhã na Câmara. Foi assim no caso Collor, em 1992.
Aos senadores daquela época foi questionado: cometeu o acusado os crimes que lhe são imputados? Sim ou não? Com a maioria atribuindo culpa ao então presidente Fernando Collor, vinha a segunda pergunta: Deve ser ele condenado à perda do seu cargo? Sim ou não.
O resultado deste julgamento será definitivo, por mais que Lewandowski indique que não. Até porque, se repetido o procedimento do caso Collor, Lewandowski não participará de eventual julgamento no Supremo de um recurso da presidente contra a decisão do Senado. Foi assim em 1992.
Como cabe ao presidente do STF presidir o julgamento do impeachment no Senado, não poderia Lewandowski analisar recursos contra o processo que ele mesmo comandou. Essa, ao menos, foi a postura do ministro Sydney Sanches, que presidiu o julgamento de Fernando Collor em 1992. Se o Supremo, com voto de Lewandowski, disse que o rito do impeachment de Collor deveria ser aplicado ao julgamento de Dilma, é de se esperar que este ponto também seja respeitado.
Se sair derrotado da votação deste domingo, o governo Dilma centrará esforços políticos no Senado e travará batalhas jurídicas no Supremo. No Senado, o resultado é imprevisível. No STF, por tudo o que já foi dito e julgado, o resultado está dado.

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JOTA

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Impeachment: Pedalada fiscal não é um vestido de bolinhas