Ana Vogado

Thiago Luís Sombra

<p>De longa data há um debate intenso acerca dos limites da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário contra o agente que causou um dano aos cofres públicos por ato de improbidade administrativa, diante das diferentes interpretações sobre a extensão do artigo 37, §5º, da Constituição Federal, e da Lei  de Improbidade (Lei n.º 8.429/1992). Entretanto, pouco se analisou os impactos de recentes decisões do STF sobre a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/legislacao-anticorrupcao-balanco-e-proposta-de-ajuste-13042021">Lei Anticorrupção</a>.</p>
<p>Diante da controvérsia, em 2016, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a repercussão geral no tema n.º 666, de relatoria do ministro Teori Zavascki, definiu a tese de que "é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil". Posteriormente, contudo, prevaleceu a tese de que "não se consideram ilícitos civis, de um modo geral, os que decorrem de infrações ao direito público". Isso fez com que, a despeito do julgamento, fosse mantida a indefinição sobre a prescritibilidade de atos tipificados como ilícitos de improbidade administrativa ou que resultam em pretensões de ressarcimento ao erário.</p>
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<p>Em 2019, por outro lado, ainda sobre a extensão do disposto no art. 37, § 5º, o STF iniciou o julgamento do RE n.º 852.475/SP (tema nº 897), sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, cujo resultado foi a tese de que são "imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa".</p>
<p>A partir desse julgamento, os tribunais e os entes públicos mantiveram o entendimento de que as pretensões de ressarcimento ao erário fundadas em ilícito também tipificado na Lei de Improbidade Administrativa eram consideradas imprescritíveis. O fundamento utilizado como premissa para essas decisões amparou-se no fato de que as ações de ressarcimento tem como escopo aferir justamente a existência de prejuízo sofrido pelo erário e qualquer medida que teria a referida finalidade, tanto na via administrativa quanto judicial, seria imprescritível, segundo art. 37, inciso XXII, § 5º, da Constituição Federal.</p>
<p>Ocorre que, no dia 20 de abril de 2020, o STF julgou o mérito Recurso Extraordinário n.º 636.886 (tema n.º 899) e consolidou a tese de que a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas é prescritível.</p>
<p>Em consonância com o que havia sido consignado no julgamento do tema n.º 897, entendeu-se que a única hipótese em que a pretensão de ressarcimento seria imprescritível ocorreria nos casos de dano ao erário decorrente da prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. Consignou-se que, em todos os demais casos, a pretensão ressarcitória seria prescritível, nos termos da tese fixada no julgamento da repercussão geral no tema 666.</p>
<p>Em seu voto, o ministro relator Alexandre de Moraes aduziu que, no processo de tomada de contas, o TCU não julga pessoas, de modo que não perquire a existência de dolo decorrente de ato de improbidade administrativa. Essas razões de decidir corroboraram o que já havia sido definido pela corte no julgamento do tema n.º 897. Ou seja, para que seja aplicada a imprescritibilidade à pretensão de ressarcimento ao erário deve-se estar diante de um ato doloso de improbidade administrativa enquanto requisito essencial.</p>
<p>Como consequência dos julgamentos das referidas repercussões gerais (temas nº 666, 897 e 899), é fundamental examinar os impactos sobre os processos administrativos da Lei Anticorrupção em que também ocorram discussões sobre o ressarcimento ao erário.</p>
<p>Inicialmente, vale ressaltar que, assim como nos procedimentos de tomadas de contas especiais conduzidos pelos Tribunais de Contas, nos processos da Lei Anticorrupção não se realiza a aferição de dolo das pessoas jurídicas denunciadas. Nos termos do art. 1º da Lei Anticorrupção, a responsabilização das pessoas jurídicas interessadas é objetiva — independe de dolo ou culpa —, razão pela qual também não se perquire nesses processos o elemento subjetivo decorrente da conduta dos agentes privados envolvidos.</p>
<p>Desse modo, surge, a partir do julgamento do tema n.º 899 pelo STF, um novo desdobramento acerca da possibilidade de se exercer a pretensão reparatória nos processos administrativos de responsabilização e nos acordos de leniência da Lei Anticorrupção, após o prazo prescricional de cinco anos elencado na lei.</p>
<p>A rigor, pela compreensão das razões de decidir esposadas pelo STF, os acordos de leniência e os processos administrativos de responsabilização da Lei Anticorrupção também deveriam se submeter à prescritibilidade quanto à pretensão de ressarcimento, sob pena de se adotarem premissas distintas daquelas anteriormente decididas pelo STF.</p>
<p>Afinal, esses processos da Lei Anticorrupção não têm como objetivo averiguar a existência de dolo na conduta dos agentes, o que somente seria possível pela condenação judicial em ação de improbidade administrativa. Em outras palavras, somente nessa situação se poderia aventar a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário e pelo fato de vir associada a uma condenação por ato doloso de improbidade administrativa na vida adequada.</p>
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