Maria Tereza Uille Gomes

Clarissa Bueno Wandscheer

A magnitude do desastre causado pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG) também pode ser observada nos seus desdobramentos judiciais. O “Caso Samarco” representa o maior desastre ambiental do país, mesmo que em número de mortes tenha sido superado pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho, Minas Gerais (25/01/2019).
O desastre ambiental de Mariana é considerado o maior acidente mundial com barragens nos últimos cem anos, segundo informações da Agência Brasil e Bowker Associates Science &amp; Research in the Public Interrest, de novembro de 2015. Segundo esse levantamento, os acidentes com barragens são graduados em magnitude pelo volume de resíduos lançados no ambiente e pela distância percorrida pelos resíduos. Os cinco maiores desastres com barragens em volume de resíduos foram: em 1982, 1992 e 2012, todos nas Filipinas, com vazamento de 28 milhões m3, 32,2 milhões m3 e 13 milhões m3 respectivamente; em 2014, no Canadá, com 23,6 milhões m3 e, em 2015, Brasil (Mariana), com 60 milhões m3.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
O desastre atingiu 35 cidades de Minas Gerais e 7 municípios do Espírito Santo e comprometeu o serviço de abastecimento de água dessas regiões, assim como impactou diretamente na continuidade das atividades econômicas e, consequentemente, na arrecadação tributária dos municípios e estados membros<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Quanto à distância percorrida por rejeitos, a magnitude do evento decorrente da barragem de Fundão se destaca como se observa a partir dos dados de outros desastres ocorridos em: 1971, 1979, 1981 e 2000, todos nos Estados Unidos da América, com 120km, 110km, 163km e 120km respectivamente; 1996, na Bolívia, com 300km; 2010, no Peru, com 110km e; finalmente, 2015, no Brasil, com mais de 800km<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, de Mariana (MG) até o litoral norte do Espírito Santo, em Conceição da Barra, divisa com o sul da Bahia.
De acordo com os dados do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais, de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), e dos dados do Caderno Desastre da Barragem de Fundão Caso Mariana (CNJ e CNMP), a judicialização do desastre envolveu três grandes ações civis públicas: i) ACP nº 0069758-61.2015.4.01.3400, ajuizada pela União, Estados de MG e ES; ii) ACP nº 0400.15.004335-6, ajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais e iii) ACP nº 0023863-07.2016.4.01.3800, proposta pelo Ministério Público Federal.
De se registrar, ainda, inúmeras outras ações coletivas e individuais ajuizadas na justiça estadual, federal e do trabalho. As ações civis foram propostas para buscar a reparação ambiental e dos atingidos pelos danos.<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>
<blockquote class="jota-article__eye">Interessante destacar que foram identificados pelo Observatório Nacional mais de 88 mil processos envolvendo o desastre do rompimento da barragem de Fundão, a sua maioria na justiça estadual, versando sobre indenizações individuais ajuizadas pelos atingidos, muitas das quais buscando indenização por dano moral pela suspensão/interrupção do abastecimento de água (“dano água”)<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.</blockquote>
As formas prioritárias para a resolução do conflito foram a consensual e extrajudicial. Os acordos mais relevantes foram celebrados no âmbito das ações civis públicas da União e Ministério Público Federal conhecidos como TTAC – Termo de Transação e Ajustamento de Conduta e o TAC – Governança. Por esses instrumentos foi criada a Fundação Renova e estabelecidos mecanismos externos de controle e acompanhamento das medidas de recuperação ambientais, econômicas e sociais.
Em termos de volume de acordos extrajudiciais é destaque a atuação da justiça de Minas Gerais que informou, em 2019, que foram celebrados 50.000 acordos extrajudiciais, outros 30.000 resolvidos pela via judicial e mais de 40.000 ações foram julgadas no TJMG ao decidir sobre o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) referente à interrupção do fornecimento de água potável.
Outro destaque de inovação para a atuação judicial foi o reconhecimento – via ações judiciais ajuizadas por Comissões de Atingidos na justiça federal – do direito à indenização a grupos de atingidos informais e hipossuficientes, tais como: carroceiros, ambulantes, lavadeiras de beira de rio, faiscadores, revendedores de pescado, pescadores de subsistência e artesanais, areeiros, produtores rurais, artesãos.
Também foram contempladas categorias profissionais (pescadores profissionais, grandes produtores rurais, camaroeiros e donos de grandes embarcações), assim como categorias relacionadas ao comércio (bares, restaurantes e quiosques), e do turismo (hotéis, pousadas, campings, lojas de souvenirs, guias turísticos e serviços náuticos).
<blockquote class="jota-article__eye">As indenizações arbitradas entre R$ 23 mil a R$ 570 mil decorrem de sentenças da 12ª Vara da Justiça Federal em Minas Gerais que estabeleceu o denominado “sistema indenizatório simplificado”, a partir do conceito de “rough justice” do direito norte-americano.</blockquote>
Esse novo sistema, totalmente digital e acessível via web, através de plataforma de adesão on line, buscou simplificar e flexibilizar os meios de prova em favor dos atingidos, sobretudo os informais, facilitando-lhes o acesso à indenização justa, em sintonia com o princípio da isonomia e da reparação integral.
Com a implementação do novo sistema em diversas localidades, categorias até então esquecidas (carroceiros, garimpeiros tradicionais e lavadeiras) começaram a ser finalmente reconhecidas e indenizadas. Em apenas 120 dias de funcionamento do sistema simplificado, mais de 5 mil atingidos tiveram a sua elegibilidade homologada pela justiça federal, a partir da flexibilização empreendida, com recebimento de suas indenizações. Estima-se que as indenizações por esse sistema simplificado possam atingir mais de 300 mil atingidos<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>, que segue recebendo ampla adesão e reconhecimento pelos advogados, atingidos e comunidades.
As informações colacionadas acima mostram que, apesar da destruição ocasionada com o rompimento da barragem, as inovações jurídicas trazidas pelo evento poderão deixar um ponto positivo para a atuação do Poder Judiciário e da sociedade na resolução de casos complexos envolvendo desastres ambientais com danos sociais, econômicos e ambientais. Não há dúvida de que todo o aprendizado adquirido com o Desastre de Mariana servirá de importante legado para que o Judiciário e as gerações futuras possam lidar adequadamente com processos estruturais, de grande complexidade.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a><a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> OLIVEIRA, Noelle. Desastre em Mariana é o maior acidente mundial com barragens em 100 anos. 15/01/2016 11h34 publicação. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/desastre-em-mariana-e-o-maior-acidente-mundial-com-barragens-em-100-anos. Acesso em: 30/11/2016.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Relatório de Avaliação dos efeitos e desdobramentos do rompimento da Barragem de Fundão em Mariana-MG. Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional, Política Urbana e Gestão Metropolitana: Fevereiro de 2016. Disponível em:  http://www.agenciaminas.mg.gov.br/ckeditor_assets/attachments/770/relatorio_final_ft_03_02_2016_15h5min.pdf. Acesso em: 07dez2016. P.5-6.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> OLIVEIRA, Noelle. Desastre em Mariana é o maior acidente mundial com barragens em 100 anos. 15/01/2016 11h34 publicação. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/desastre-em-mariana-e-o-maior-acidente-mundial-com-barragens-em-100-anos. Acesso em: 30/11/2016.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Portaria Conjunta n. 1, de 31 de janeiro de 2019. Disponível em: <a href="https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Portarias_Presidencia_nova_versao/2019/2019.Portaria--Conjunta--CNMP-CNJ.01.2019-1.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Portarias_Presidencia_nova_versao/2019/2019.Portaria--Conjunta--CNMP-CNJ.01.2019-1.pdf</a>
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> COMISSÃO PERMANENTE DE ACOMPANHAMENTO DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A AGENDA 2030; LABORATÓRIO DE INOVAÇÃO, INTELIGÊNCIA E OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (LIODS). Caderno Desastre da Barragem de Fundão Caso Mariana. CNJ: CNMP, 2021. 40p. E MELO, Jeferson. Justiça alcança indenização de milhares de vítimas do desastre de Mariana. 26/01/2021 publicação Agência CNJ de Notícias. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/justica-alcanca-indenizacao-de-milhares-de-vitimas-do-desastre-de-mariana/ . Acesso em: 26/01/2021.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> COMISSÃO PERMANENTE DE ACOMPANHAMENTO DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A AGENDA 2030; LABORATÓRIO DE INOVAÇÃO, INTELIGÊNCIA E OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (LIODS). Caderno Desastre da Barragem de Fundão Caso Mariana. CNJ: CNMP, 2021. 40p.
MELO, Jeferson. Justiça alcança indenização de milhares de vítimas do desastre de Mariana. 26/01/2021 publicação Agência CNJ de Notícias. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/justica-alcanca-indenizacao-de-milhares-de-vitimas-do-desastre-de-mariana/ . Acesso em: 26/01/2021. p.22.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> COMISSÃO PERMANENTE DE ACOMPANHAMENTO DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A AGENDA 2030; LABORATÓRIO DE INOVAÇÃO, INTELIGÊNCIA E OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (LIODS). Caderno Desastre da Barragem de Fundão Caso Mariana. CNJ: CNMP, 2021. 40p.
MELO, Jeferson. Justiça alcança indenização de milhares de vítimas do desastre de Mariana. 26/01/2021 publicação Agência CNJ de Notícias. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/justica-alcanca-indenizacao-de-milhares-de-vitimas-do-desastre-de-mariana/ . Acesso em: 26/01/2021. p.27-29.

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JOTA

Judicialização do desastre envolveu três grandes ações civis públicas, além de inúmeras outras ações coletivas e individuais

Impactos socioambientais e jurídicos do rompimento de barragem em Mariana (MG)

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