Felipe Viégas

No Brasil, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/concursos-publicos">concurso público</a> constitui exigência constitucional desde a Constituição de 1934, estando protagonizada no atual regime jurídico constitucional no art. 37, II, da CF/88, com redação dada pela Emenda Constitucional 19/98, segundo o qual: “(...) a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração"<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Ultrapassados mais de 25 anos da atual redação do art. 37, II, é sancionada a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14965.htm">Lei 14.965</a>, de 9 de setembro de 2024<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, decorrente do <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/154456">PL 2258/2022</a>. Comemorada pela tão aguardada regulamentação dos processos seletivos para cargos e empregos públicos no Brasil, essa nova legislação busca modernizar e tornar mais eficiente o acesso ao <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/servico-publico">serviço público</a>, ao mesmo tempo que enfrenta desafios significativos em sua implementação. Este artigo oferece uma análise crítica da lei, destacando suas inovações, desafios práticos e lacunas que persistem.
<h3><a href="https://conteudo.jota.info/marketing-lp-newsletter-por-dentro-da-maquina">Quer saber os principais fatos ligados ao serviço público? Clique aqui e se inscreva gratuitamente para receber a newsletter Por Dentro da Máquina</a></h3>
A Lei 14.965/24, neste ensaio alcunhada de Lei Geral Federal dos Concursos Públicos, apresenta diversas novidades que prometem transformar o cenário dos concursos públicos no Brasil.
Entre as mais notáveis está a possibilidade de realização de provas online, prevista no art. 8º da lei. Essa medida objetiva modernizar o processo seletivo, permitindo que candidatos de todo o país participem dos concursos sem a necessidade de se deslocarem até grandes centros urbanos, o que é particularmente relevante em um país de dimensões continentais.
<h3>Âmbito de aplicação da nova Lei dos Concursos Públicos</h3>
A Lei 14.965/24 foi sancionada com o objetivo de regulamentar os concursos públicos no Brasil, mas sua aplicação gera debates sobre os limites de sua abrangência. Embora chamada de Lei Geral Federal dos Concursos Públicos, é importante destacar que ela não tem caráter nacional. Seus dispositivos aplicam-se, de forma obrigatória, apenas aos órgãos e entidades da administração pública federal, como ministérios, autarquias e fundações federais.
Isso porque a Constituição não confere à União competência legislativa concorrente para criar normas gerais obrigatórias para estados, Distrito Federal e municípios no que se refere a concursos públicos. A competência para legislar sobre esse tema é reservada a cada ente federativo.
Propostas anteriores de legislação nacional sobre concursos foram rejeitadas, como foi o caso da <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/121729">PEC 75/2015</a>, que tentava justamente modificar o arts. 24 e 37 da Constituição para incluir concursos públicos entre os temas de competência legislativa concorrente.
Por isso, ao tratar de concursos públicos, a Lei 14.965/24 não pode ser considerada uma norma nacional, mas sim uma lei federal, aplicável apenas aos concursos realizados pela União. Estados e municípios continuam a ter liberdade para criar suas próprias regras.
<h3>Provas online</h3>
O art. 8º da lei inova ao prever a realização de provas à distância, de forma online, regulamentando o acesso igualitário às ferramentas tecnológicas e ampliando o acesso ao serviço público.
Embora revolucionária, essa medida demandará um período de amadurecimento, exigindo desenvolvimento de legislações específicas que garantam a segurança e integridade do processo seletivo. A implementação internacional de provas digitais já mostrou benefícios, mas também levanta preocupações com fraude e equidade.
<h3>Políticas afirmativas</h3>
A Lei 14.965/24 consolida a aplicação de políticas de ações afirmativas nos concursos públicos, conforme previsto no § 4º do art. 2º, que determina que todas as etapas dos concursos devem observar as legislações específicas sobre o tema. Um exemplo é a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm">Lei 12.990/2014</a>, que reserva 20% das vagas em concursos públicos federais para candidatos negros.
O Supremo, ao julgar a ADC 41<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, reafirmou a constitucionalidade dessa política, destacando que ela está em consonância com o princípio da igualdade, ao tratar desigualmente os desiguais para promover igualdade material e superar o racismo estrutural. Além disso, a reserva de vagas não fere o princípio da eficiência no serviço público, visto que os candidatos ainda devem ser aprovados no concurso.
<h3>Lacunas e desafios persistentes</h3>
Embora a lei traga inovações importantes, algumas lacunas continuam presentes e afetam a realidade dos concursos públicos. Entre os principais desafios está o direito dos candidatos aprovados fora do número de vagas, especialmente nos casos de cadastro de reserva.
O STF definiu no julgamento do Recurso Extraordinário 766.304<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, com repercussão geral reconhecida (Tema 683), que a aprovação fora do número de vagas não gera automaticamente o direito à nomeação, a menos que se configure uma preterição arbitrária ou a abertura de novo concurso durante a validade do certame anterior.
Outro ponto de destaque é a questão da segurança jurídica para os aprovados sub judice. A Lei 14.965/24 não aborda diretamente a situação dos candidatos aprovados, mas que se encontram com nomeação pendente em razão de processos judiciais. Essa omissão é significativa, dado o número crescente de ações judiciais envolvendo concursos públicos.
Ademais, a lei não discute a possibilidade de ampliação do número de vagas após a homologação do concurso. A definição de regras para essa situação seria um avanço importante para garantir maior previsibilidade nos concursos públicos.
<h3>Vigência</h3>
Um aspecto interessante da nova lei é a sua cláusula de vigência, estabelecida no art. 13, que prevê a entrada em vigor somente quatro anos após a publicação. Essa cláusula é incomum no contexto legislativo, onde as leis costumam entrar em vigor em prazos muito mais curtos.
O longo período de vacância foi justificado como uma medida cautelosa, permitindo que os entes públicos tenham tempo suficiente para se adaptar às novas exigências e reestruturar seus processos seletivos.
A possibilidade de antecipação da vigência, caso expressamente prevista no ato autorizativo, também confere flexibilidade para que determinados concursos possam adotar as novas disposições antes do prazo final, conforme suas necessidades específicas. Contudo, o longo vacatio é demasiado, pois a única alteração estrutural foram as provas online.
Conclui-se, assim, que a Lei 14.965/24 representa um novel farol na modernização dos concursos públicos no Brasil, ao introduzir inovações como a realização de provas online e garantir segurança jurídica a práticas já adotadas.
No entanto, a lei ainda apresenta lacunas importantes, especialmente no que diz respeito à nomeação de candidatos aprovados fora do número de vagas, à segurança jurídica dos aprovados sub judice, e à regulamentação da ampliação de vagas após a homologação.
Além disso, sua vigência diferenciada e o foco exclusivo na administração federal reforçam que, apesar de suas virtudes, a aplicação da lei é limitada, cabendo aos estados e municípios desenvolverem suas próprias normativas.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O futuro do concurso público. Revista Eletrônica da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro - PGE-RJ*, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, mai./ago. 2018.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14965.htm#art13.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> BRASIL. STF. ADC nº 41. Rel. Min. Roberto Barroso. Plenário, julgado em 08 de junho de 2017. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=14763674. Acesso em: 26 ago. 2024.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> BRASIL. STF. RE nº 766304. Rel. Min. Marco Aurélio, Relator para o Acórdão: Ministro Edson Fachin. Plenário, julgado em 02 de maio de 2024. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4449480&amp;numeroProcesso=766304&amp;classeProcesso=RE&amp;numeroTema=683. Acesso em: 29 ago. 2024.

WhatsApp Image 2024-09-13 at 10.41.37

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Apesar de virtudes, vigência diferenciada e foco na administração federal sinalizam uma aplicação limitada

Impactos da Lei 14.965/24 no futuro dos concursos públicos no Brasil

Lei 14.965/24, sancionada em setembro, traz diversas novidades que prometem transformar concursos públicos no Brasil